terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A verdade sobre o Auxílio-Reclusão

Um equívoco muito comum cometido por grande parte da população brasileira reside em acreditar e propagar a informação de que o valor do Auxílio-Reclusão (benefício previdenciário) é de R$915,05 (novecentos e quinze reais e cinco centavos) por cada filho, ou seja, segundo o credo popular, qualquer presidiário tenha por exemplo, dois filhos, sua família receberá da Previdência a monta de R$1.830,10 (hum mil e oitocentos e trinta reais e dez centavos). Ledo engano.
Basta dar uma pequena olhada nas redes sociais que você verá alguém indignado com tal valor a ser pago à família do preso, trazendo sempre a comparação do auxílio-reclusão, que segundo eles pensam, é de R$915,05 por cada filho, com a aposentadoria (seja por idade ou tempo de contribuição) que na maior parte dos casos é pago no valor de um salário mínimo (atualmente R$622).
A partir desta comparação, ficam indignados, fazendo críticas - infundadas - ao Brasil, que pagando tais valores à família do preso estaria cometendo uma grande injustiça social, uma vez que os aposentados receberiam apenas um salário mínimo, mesmo depois de ter trabalhado licitamente durante usa vida.
In casu, acredito que o erro cometido por grande parcela da sociedade brasileira reside em desconhecer a natureza jurídica de benefício previdenciário do auxilio-reclusão. 
Inicialmente, impende destacar que, ao contrário do que pensa e propaga o credo popular, o auxílio reclusão não é pago a TODAS às famílias de todos os presidiários, mas somente uma pequena parcela de familiares dos presidiários fazem jus ao referido benefício previdenciário (auxílio-reclusão), senão vejamos.
Como dito, da imensa população carcerária brasileira, aproximadamente 500.000 (quinhentos mil) presos, somente uma pequeniníssima (abusando dos superlativos, como diria o agregado José Dias da obra Machadiana) parcela de famílias fará jus ao auxilio-reclusão, que, cabe frisar, não é pago pelo Governo, mas é custeado pelo próprio preso (segurado) durante o período em que trabalhava remuneradamente (licitamente) e assim desta forma contribuía para a Previdência Social.
Ora, o auxilio-reclusão, por se tratar de um benefício previdenciário, somente será pago à família do preso (segurado) que contribuiu para a Previdência. Em outras palavras, não é qualquer família de preso que fará jus ao citado benefício, mas somente aquela cujo detento contribuiu para a Previdência Social, o que equivale a dizer que, caso alguém seja preso sem nunca ter contribuído para a Previdência, como por exemplo, um traficante de drogas, sua família NÃO terá direito ao auxilio-reclusão, pois aquele não é segurado, isto é, nunca contribuiu para o INSS.
Tendo em vista que a maior parte da imensa população carcerária de nossa Terra Brasilis é composta de condenados por crimes patrimoniais (furto, roubo, latrocínio, etc.) e por traficantes de drogas (estes na maioria esmagadora sem nunca terem trabalhado com carteira assinada e, assim, sem nunca terem contribuído para o custeio da previdência), podemos afirmar o auxílio-reclusão é pago a um número muito pequeno de famílias de presos.
Neste diapasão, dados recentes do Ministério da Previdência Social - MPS, do mês de maio de 2012, expedidos no Boletim Estatístico da Previdência Social* (link abaixo), mostram que apenas 35.348 (trinta e cinco mil e trezentas e quarenta e oito) segurados foram beneficiados com o auxílio-reclusão no Brasil, recebendo em média R$681,40, sendo que desse total de segurados, 31.927 foram enquadrados como "urbanos", recebendo R$690,27 (seiscentos e noventa reais e vinte e sete centavos), ao passo que apenas 3.421 foram enquadrados como "rural", recebendo a quantia de R$598,63 (quinhentos e noventa e oito reais e sessenta e três centavos). Outrossim, impende destacar, que os valores dispendidos a título de pagamento do auxilio-reclusão corresponderam a apenas 0,45% dos valores de benefícios previdenciários concedidos pela autarquia previdenciária.
Ademais, para se fazer jus ao auxilio-reclusão, não basta ter contribuído para a Previdência, é preciso que o segurado seja de baixa-renda, que segundo a legislação previdenciária é o segurado que recebe até R$915,05 (novecentos e quinze reais e cinco centavos), ou seja, caso um preso (segurado) que recebia mais do que esse valor, sua família não fará jus ao recebimento do referido beneficio previdenciário, pois não possui um dos requisitos, qual seja, ser de baixa renda (o preso receber até R$915,05).
Desta forma, percebe-se que não é qualquer família de preso que terá o direito ao auxílio-reclusão, mas somente a família daquele preso que contribuiu para a previdência social (trabalhando licitamente com carteira assinada, em regra) e que seja de baixa-renda, isto é, que receba valor igual ou inferior a R$915,05 (valor atualizado pela Portaria Interministerial MPS/MF 2, de 06.01.2012), pois se receber valor maior que este, NÃO fará jus ao auxílio-reclusão.
Por fim, a que se destacar, que a baixa renda a ser considerada para a concessão do auxílio-reclusão se refere ao segurado, NÃO a dos seus dependentes. Neste diapasão, IVAN KERTZMAN (2012, p.448) aduz que: "Havia, entretanto, uma grande discussão na jurisprudência se ao invés da renda do segurado, não poderia ser considerada a renda do dependente. O STF pacificou a questão, confirmando que a baixa renda que deve ser considerada é a do segurado e não a do seu dependente com a apreciação dos Recursos Extraordinários 486.413 e 587.365, reconhecendo a existência de repercussão geral".
Outrossim, há que se afirmar, que o benefício em epígrafe, durante o seu recebimento pelos dependentes do preso (segurado), não é cumulável com o recebimento de auxílio-doença e nem com a aposentadoria, sendo permitida, contudo, a escolha pelo benefício que seja mais vantajoso para a família do preso, conforme alerta Ivan Kertzman.
Diante o exposto, percebe-se que não ser injusto o recebimento do auxílio-reclusão pelos dependentes do preso (segurado), uma vez que ele é pago em decorrência das contribuições efetuadas pelo presidiário (segurado) através de seu trabalho lícito para a Previdência Social. Da mesma forma, ao contrário do que pensa a maior parte da população brasileira, é uma pequena parcela de dependentes dos segurados presos que farão jus ao auxílio reclusão, tendo em vista os requisitos acima explanados.



Referência
KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 9ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2012.

*Disponível em: http://www.mpas.gov.br/arquivos/office/3_120706-111513-210.pdf. Acesso em 12 de dezembro de 2012.


sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Ex-cônjuge tem direito à pensão por morte mesmo após renunciar aos alimentos

No Direito Previdenciário, para se fazer jus a algum benefício o indivíduo tem que ser segurado ou dependente.
Segurado obrigatório é aquele que exerce algum serviço lícito remunerado (como por exemplo, os empregados, domésticos, contribuinte individual, etc.) que os liguem ao sistema previdenciário, ou seja, quem exercer determinados serviços remunerados será obrigatoriamente vinculado ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS).
Outrossim, impende destacar, que existe uma hipótese, que apesar da pessoa não exercer nenhuma atividade remunerada, poderá optar por se vincular ao RGPS, estamos falando do Segurado Facultativo (como o estudante, a dona de casa, etc.), que deve ter pelo menos 16 (dezesseis) anos de idade para se vincular ao regime previdenciário.
Dependentes são as pessoas que possuem uma relação de dependência econômica com o segurado do RGPS, os quais, como dito anteriormente, poderão fazer jus ao recebimento de algum benefício previdenciário. Estes indivíduos podem ser beneficiados com a concessão de algum benefício previdenciário em virtude das contribuições efetuadas pelos segurados, aos quais são dependentes.
Impende destacar, que para algum dependente ter o direito ao recebimento de algum benefício previdenciário, mister se faz que ele não perca a qualidade de dependente.
Aqui é que reside o objetivo de nosso pequeno articulado, tratar da possibilidade de recebimento de benefício pelo ex-cônjuge.
Segundo o art. 17, inciso I, Decreto nº 3.048/99, a perda da condição de dependente ocorre, para o cônjuge, pela separação judicial ou divórcio, enquanto não lhe for assegurada a prestação de alimentos (...), isto é, a legislação previdenciária aduz que o ex-cônjuge mantém a condição de dependente, fazendo jus ao recebimento de algum benefício previdenciário, se receber pensão alimentícia. 
Da mesma forma, tal previsão também é aplicada à união estável (art.17, II, Decreto 3.048/99), ou seja, finda a união estável, caso o ex-companheiro receba prestação alimentícia também manterá a qualidade de dependente. Caso contrário, se não necessitar (receber) da referida prestação perderá a condição de dependente, não podendo, a partir daí, ser beneficiário de nenhum benefício do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social.
No caso de recebimento de pensão alimentícia, a legislação entende que, não obstante o término do vínculo conjugal ou da união estável, ainda permanece a dependência econômica, devendo permanecer a condição de dependente para o ex-cônjuge e ex-companheiro.
Ademais, a IN 45/2010 editada pelo INSS, em seu art. 323, §1º, aduz que "equipara-se à percepção de pensão alimentícia o recebimento de ajuda econômica ou financeira sob qualquer forma (...)".
Desta forma, observa-se que a citada IN 45/2010 possui um conceito de pensão alimentícia assaz amplo, beneficiando, desta forma, maior número de pessoas, uma vez que o recebimento de qualquer pequena ajuda econômica ou financeira é equiparada à percepção de pensão alimentícia.
Por fim, questão interessante que se coloca, é a do ex-cônjuge (e também do ex-companheiro) que durante o processo de divórcio renuncia à prestação alimentícia, porque naquele momento não necessitava de nenhuma ajuda econômica de seu consorte. Pegunta-se: após o término do vinculo, e tendo renunciado aos alimentos durante o procedimento, caso ele passe por necessidade econômica superveniente (ao divórcio ou separação), fará jus ao recebimento de algum benefício previdenciário?
Note-se que a condição de dependente apenas se mantém para o ex-consorte caso este receba pensão alimentícia, pois se não receber, perderá automaticamente sua condição de dependente após o término do vinculo conjugal, conforme previsão do art.17, incisos I e II do Decreto nº 3.048/99, vistos acima.
Todavia, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, tem posicionamento pacificado no sentido de que o ex-consorte que tenha renunciado aos alimentos tem o direito de receber pensão por morte caso comprove a necessidade superveniente (AgRg no AI nº 1.420.559 - PE)*. Digo entendimento pacificado porque foi sumulado (súmula nº 336): "A mulher que renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito à pensão previdenciária por morte do ex-marido, comprovada a necessidade econômica superveniente".
Neste diapasão, mesmo que o ex-consorte tenha renunciado à pensão alimentícia, ele fará jus ao recebimento da pensão por morte caso comprove a ocorrência de necessidade econômica superveniente. 
Perfeito o entendimento sumulado do STJ, uma vez que o ex-cônjuge somente renunciou à pensão alimentícia porque à época do término do vínculo conjugal (ou separação) não tinha nenhuma necessidade econômica, tanto é que renunciou. 



Referência
KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 9ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012.

A inelegibilidade contida na alínea “e” do art 1º da Lei da Ficha Limpa é uma farsa!


Logo abaixo vai o brilhante texto do professor José Orlando Rocha de Carvalho acerca da 

interpretação possível para a hipótese legal de inelegibilidade contida na alínea "e" da Lei da Ficha 

Limpa. Leitura obrigatória.



Elaborado em 09/2012.





A lei pretendeu estabelecer, exatamente, o seguinte: os condenados na primeira instância somente estariam inelegíveis após o trânsito em julgado, e os que fossem já condenados primevamente por órgão colegiado, já teriam sua inelegibilidade tracejada a partir da própria condenação.
Não se discute que a  grande vedete dessas eleições é a denominada Lei da Ficha Limpa. Aliás, ela pretendeu atender aos anseios de mais de 1,3 milhões de assinaturas de eleitores brasileiros, o que representa mais de 1% do eleitorado nacional.
Por outro lado, atendeu ainda à imprensa (tanto a chamada “nanica” quanto a grande imprensa) que a “glamourizou” ao ponto de acreditar que ela tivesse, realmente, o condão de impedir que criminosos contumazes obtivessem  condições de elegibilidade.
Também a maioria dos juristas da nação (mesmo os especializados em Direito Eleitoral)  proclamaram a sua crença na eficácia da novel legislação, ainda que eventualmente demonstrassem certa indignação por conta de eventuais violações ao principio de ampla defesa e do contraditório.
Nada mais ingênuo, no entanto. Como ingênua, até, foi a indignação do ilustre ministro Carlos Ayres Britto, atual Presidente do STF, quando, acreditando nessa Lei, durante o debate do julgamento da Lei da Ficha Limpa indagou se “uma pessoa que desfila pela passarela quase inteira do Código Penal, ou da Lei de Improbidade Administrativa, pode se apresentar como candidato?
Na verdade o Congresso Nacional nada mais fez do  que dar um “zignal” em todos que acrediditavam na seriedade e sinceridade da citada lei.
Se bem examinado, por via de um processo hermenêutico adequado, ver-se-á que mesmo os homicidas, os latrocidas, os estupradores, os ladrões, ainda que com condenação mantida pelos Tribunais, continuam com a possibilidade de se candidatarem a qualquer cargo eletivo.
Como se pode observar, a interpretação comum de que esses estariam inelegíveis, decorre da má avaliação e interpretação equivocada do preceito legislativo contido na alinea “e” do art 1º. da LC 135/10.
Senão, vejamos. O preceito aludido expressa, exatamente, que estariam inelegíveis:
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: 
Tendo em vista que não se pode interpretar preceito que restringe um direito inerente à cidadania (como é o de se apresentar candidato), de forma elástica, é de se buscar, nesta hermenêutica, uma interpretação estrita: é o que se contém no preceito e nada mais.
É evidente, por conseguinte, que há, no preceito invocado (alinea “e” do art 1º. da LC 135/10) um trato duplo da matéria, no tocante à decisão condenatória que levaria à inelegibilidade ... e sua incidência depende do juízo prolator da decisão originariamente proferida.
Significa dizer que a premissa básica para  buscar-se o sentido e o objetivo da norma, seria a necessária distinção entre a decisão condenatória proferida por juízo singular e a decisão condenatória prolatada (ou proferida) por juízo colegiado - para dispensar-se, quanto a este último, o trânsito em julgado.
A decisão condenatória, portanto, prolatada por órgão judicial singular, ou de primeiro grau, remete, obrigatoriamente, à necessidade de seu crivo pelo Tribunal ao qual cabe a reapreciação do julgado, em virtude de sua função constitucional de órgão revisor.
Já a referência à decisão condenatória proferida por órgão colegiado direciona, necessariamente, a compreensão de acórdão proferido em ação penal originária, ou seja, a uma condenação obtida diretamente pelo Tribunal, não em razão de sua função revisora, mas sim de sua competência originária  de julgamento, sem que tenha havido anterior julgamento por qualquer instância antecedente.
Pontua-se, assim, que a única interpretação plausível para o citado dispositivo da LC, é a de que somente existem duas formas de aplicação do estatuído na alínea “e” do Inciso I, do Art. 1º. da Lei Complementar 64/90, quais sejam:
a) Os condenados em processos iniciados no juízo singularsomente não teriam assegurada a sua condição de elegibilidade após o TRÂNSITO EM JULGADO da decisão condenatória de primeiro grau; e
b) Os condenados em processos originariamente iniciados em órgão judicial colegiadojá estariam inelegíveis desde a condenação na aludida AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA, não necessitando, portanto, do TRÂNSITO EM JULGADOpara a sua eficácia.
E esse entendimento é facilmente obtido da própria  redação da alínea “e” em comento.  Ora, ao estabelecer que estariam inelegíveis “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, a lei criou uma duplicidade de situações. A primeira, que se refere aos que forem condenados em “decisum” de primeiro grau (cuja inelegibilidade somente  ocorreria somente quando do trânsito em julgado desta condenação originária), e a segunda daqueles cuja condenação originária era obtida diretamente do julgamento do Tribunal em ação penal originária (caso de prefeitos, deputados estaduais ... e outros detentores de foro privilegiado).
E esta é a única interpretação possível, diante da dualidade de situações previstas na lei. “condenados em decisão transitada em julgado, ou proferida por orgão colegiado”. Afinal, é elementar que as conjunções disjuntivas exprimem exclusão ou alternativa.
Como se verifica, o preceito legal é alternativo ou disjuntivo, tanto que a lei se utiliza da partícula “OU” para definir as duas situações distintas e excludentes entre si. O que significa dizer que a lei pretendeu estabelecer, exatamente, o seguinte: “os condenados na primeira instância somente estariam  inelegíveis após o trânsito em julgado, e os que fossem já condenados primevamente por órgão colegiado, já teriam sua inelegibilidade tracejada a partir da própria condenação”.
É óbvio que esta é a interpretação mais consentânea e adequada, porquanto não se pode entender que a lei seja antinômica e contraditória dentro do contexto de um mesmo preceito legal. D’outro lado não se pode admitir que a lei contenha palavras inúteis. Ora, como se pode admitir que a lei fale em “trânsito em julgado” e ao mesmo tempo mencione “decisão proferida por órgão colegiado sem trânsito em julgado”? Se a lei pretendesse tornar inelegível quem já tivesse condenação mantida por órgão colegiado, teria mencionado a expressão “trânsito em julgado” em sua parte inicial? Então a expressão “trânsito em julgado” seria preceito inútil contido na lei? Então teriamos “palavras inúteis” na Lei?
Se realmente a lei pretendesse inabilitar o que tivesse sua condenação mantida por Tribunal, iria consignar “trânsito em julgado” quando se referiu à condenação inicial? Então qual a utilidade desta expressão “trânsito em julgado”? NENHUMA ? ... Obviamente que não.
A entender-se que uma mesma condenação ora necessite de “trânsito em julgado” e ao mesmo tempo prescinda ou dispense o “trânsito em julgado” então estariamos diante de uma aporia e de uma contradição dialógica inexpugnável. É o mesmo que admitir-se que o “vivo esteja morto” e o “morto esteja vivo”, ao mesmo tempo.
Seria admissível essa alteridade terminológica na Lei, e, pior... num mesmo preceito legal?... Não! Entendemos que não, até porque se assim o admitissemos, estaríamos admitindo a possibilidade de presenciarmos o “mal  vir de braços e abraços com o bem num romance astral”, para parodiar o nosso saudoso Raul Seixas em sua famosa e melódica canção “O Trem das sete”.
E, porquanto inadmite-se a possibilidade desta absurda “contradictio in terminis” na disposição legal em comento, é que se busca resolver esta aporia através de uma possibilidade interpretativa que seja mais consentânea com a efetiva hermenêutica do texto legislado. E esta possibilidade perpassa pelo exame do texto dentro de sua efetiva conformação dialética.
O que a lei pretende dizer com  “condenados em decisão transitada em julgado, ou proferida por orgão colegiado”, finalmente? A única hermeneutica plausível é, exatamente, a de que a lei quer dizer, no preceito inicial, ou, seja, na parte inicial de seu preceito (condenados em decisão transitada em julgado)que somente estariam inelegiveis aqueles que, condenados em decisão de juízo singular, tivessem sido atingidos pela pecaminosa “pecha” jurídica do “trânsito em julgado” desta decisão condenatória. Já a segunda parte do preceito (ou proferida por orgão colegiado), quer significar, exatamente, aqueles que tiveram sua condenação diretamente lançadas por um Tribunal judicial, em virtude de decisão tomada em ação penal originária.
Essa possibilidade interpretativa ainda mais se avulta se examinarmos detidamente o preceito legal.  Como se constata, a lei menciona:  condenados em decisão transitada em julgado, ou proferida por orgão colegiado.  Ora o que significa “proferida”? Seria o mesmo que “mantida”?
Como se sabe o tribunal atua de duas formas no âmbito de suas funções constitucionais: ora como orgão revisor (em sua competência recursal) ou como orgão julgador (em sua competência jurisdicional originária). Na primeira, enquanto órgão revisor, ele simplesmente  ou nega provimento aos recursos, ou seja mantém ou reforma as decisões da primeira instância (competência derivada). Na segunda face de sua atuação, ele já atua como órgão julgador de primeiro grau, dada a sua competência originária para o julgamento dos beneficiários de privilégios de foro especial. E, neste caso, ele profere decisões iniciaisdcondenação ou absolvição, tal qual o faz o juiz de primeira instância.
Destarte, e fixados esses paradigmas atuacionais, poderíamos dizer que com relação às condenações dos juizes de primeiro grau, o Tribunal apenas mantém ou reforma aquelas decisões condenatórias. No entanto, em relação aos processos de sua competência originária, o Tribunal profere condenação ou absolvição.  Assim, e já que proferir tem significado diferente do vocábulo manter, tem-se como inarredável a percepção (aliás bastante elementar), de que se a lei pretendesse dizer que estaria inelegível aquele que teve seu recurso improvido pelo Tribunal em face de ter mantido a decisão do juízo “a quo”, a lei não teria utilizado o termo “proferida”, mas, sim, “mantida”. E, se a lei falou “proferida” é porque quis estabelecer, exatamente, que se referia a decisão tomada colegiadamente, em decisão colhida no exercício de sua atividade jurisdicional penal originária e não no âmbito de sua competência derivada.
Demais disso, é imperioso salientar que  CONDENAÇÃO PROFERIDA é noção DIFERENTE DE CONDENAÇÃO MANTIDA. Condenação proferida é decisão originária e inicial. Decisão condenatória mantida é aquela que  presupõe necessariamente uma condenação originária até porque só se mantém condenação que já foi anteriormente proferida. Portanto, é decisão derivada e ulterior.
Seguindo a mesma trilha hermenêutica é de ser observado que quando a lei (al. “a” do art 1º. da LC. 135/10) menciona   “proferida por orgão colegiado” a aludida preceituação legal pretendeu, exatamente, estabelecer que a causa de inelegibilidade é sem dúvidas, a condenação obtida originariamente no Tribunal e não aquela que resulta da manutenção do decidido na instância de piso.   Isto porque se examinarmos o preceito numa dimensão lógica - e até mesmo teleológica -, fica evidente que a terminologia “proferida” está correlacionada com o termo  “condenação” e não com o termo “decisão”.
Senão, vejamos o texto legal: os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”. Ora, nada mais evidente de que quando a lei fala em “proferida por órgão judicial colegiado”, quer especificamente estabelecer: “os que forem condenados, em decisão proferida por órgão judicial colegiado” e não os que tiverem “mantida” a “condenação proferida por outro órgão” jurisdicional de calibre inferior.
Qualquer outra interpretação desafia o bom senso ou a lógica do razoável (logos de lo razonable) de que nos falava Recaséns Siches. Se assim não fosse, a lei diria expressamente: “os que forem condenados e cuja decisão seja mantida por órgão colegiado”  ou ainda, (para os casos em que a decisão viesse a transitar em julgado por falta de recurso da sentença do juizo de primeiro grau): “os que forem condenados com trânsito em julgado em única instância ou cuja decisão seja mantida por órgão colegiado
Finalmente, é de se concluir que se a lei assim não estabeleceu e prescreveu que a inelegibilidade se daria em face de decisão condenatória PROFERIDA por órgão colegiado, então a única resposta possível (ou a única resposta correta de que nos falava Ronald Dworkin, em sua obra “Levando os Direitos à Sério”), é a de que a mencionada disposição legislativa quis exatamente vincular este caso de inelegibilidade àquela situaçâo em que o candidato fosse condenado originariamente por um Tribunal Judicial (TJ’s Estaduais – TRF’s - STM, STJ, STF ) nos casos de sua competência julgadora originária.
Portanto, a conclusão a que se chega é a de que o Congresso Nacional enganou a Nação, editando uma Lei que, aparentemente, atendia às expectativas dos milhões de brasileiros signatários da proposta de lei de iniciativa popular, mas, na verdade, construiu um belo engodo legislativo que não há “salto triplo carpado hermenêutico” (para se utilizar, mais uma vez, de outra expressão do Ministro Carlos Ayres Britto), que possa sustentar a idéia de inelegibilidade, em casos que tais.


Referência
CARVALHO, José Orlando Rocha de. A inelegibilidade contida na alínea “e” do art 1º da Lei da Ficha Limpa é uma farsa! O Congresso Nacional enganou a nação. Jus Navigandi, Teresina, ano 17n. 33557 set. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22572>. Acesso em: 7 dez. 2012.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Mensalão, domínio do fato e Claus Roxin


LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*




                            












Joaquim Barbosa (acompanhado por vários outros ministros) condenou José Dirceu sob o argumento de que ele tinha o comando da organização. Isso basta para condenar alguém? Foi o que a Folha de S. Paulo (de 11.11.12, p. A6) perguntou ao professor Claus Roxin (maior penalista vivo no planeta e autor da teoria do domínio do fato), que enfatizou:

“A participação no comando de esquema tem de ser provada”, ou seja, não basta ocupar posição de comando na organização, visto que a teoria do domínio do fato, invocada no caso mensalão, também exige prova da participação efetiva do agente nos fatos. Quem está na posição de comando e dá a ordem para o cometimento do crime, não pode ser considerado mero partícipe, sim, é autor, porque tem o domínio do fato.

No direito penal clássico considerava-se autor somente quem realiza o verbo núcleo do tipo (quem mata, quem subtrai, quem faz gestão fraudulenta etc.). Todos os demais que contribuem para o delito seriam partícipes.

Contra isso se insurgiu Roxin, que achava injusto punir como partícipe quem tem o comando do fato. Para ele é autor do fato não só quem executa (quem pratica o verbo núcleo do tipo), senão também “quem tem o poder de decidir sua realização e faz o planejamento estratégico para que ele aconteça”.

Mas tudo depende de prova (prova de que planejou, prova de que comandou, prova de que mandou executar etc.). Não basta ter o comando do grupo, ter posição de chefe da organização etc. “Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado”. Sua doutrina foi usada na Argentina, no Peru e na própria Alemanha (para julgar os crimes da Alemanha Oriental).

Sintetizando: não basta ter o comando da organização. “É indispensável ter comando o fato, emitido a ordem”. “A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção (“dever saber”) é do direito anglo-saxão e não a considero correta.”

A pressão da opinião pública (leia-se: da mídia e da opinião pública midiatizada) pode influenciar o juiz?

“Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública” [sempre].

Nesta última advertência do professor Claus Roxin reside o antídoto contra o populismo penal midiático. Nenhum juiz tem compromisso de atender sempre a opinião pública. Seu compromisso é com o direito e com a justiça. Quando o direito e o justo não correspondem ao que o público desejaria, cabe ao juiz emitir uma sentença contramajoritária. Mas não é isso que estamos vendo, em vários momentos, no julgamento do mensalão, que é histórico, necessário, moral e eticamente importante. Mas que em muitos momentos está deslizando para o populismo penal, quando, por exemplo, negou o duplo grau de jurisdição, violando decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 2009 (caso Barreto Leiva).

*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Estou no www.professorlfg.com.br.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

STF decide que a imposição legal de cumprimento de pena em regime inicialmente fechado nos crimes hediondos É INCONSTITUCIONAL

O Supremo Tribunal Federal, finalmente, em decisão histórica realizada no mês de junho do corrente ano (2012), ao analisar o HC nº 111.840/ES¹, Relator Min. Dias Toffoli, julgou que a obrigatoriedade de cumprimento de pena aos condenados por crimes hediondos e assemelhados em regime inicialmente fechado (art.2º, §1º da Lei nº 8.072/90) é inconstitucional, uma vez que viola o Princípio constitucional da Individualização da Pena (art.5º, XLVI, CF/88).
No caso do citado HC, o impetrante foi condenado à pena de 06 anos de reclusão pelo cometimento do crime de tráfico de drogas, a ser cumprido em regime inicial fechado, não obstante possuir circunstâncias judiciais favoráveis, o que lhe garantiria a eleição de regime semi-aberto.
Insta registrar que o julgamento do STF foi incidental de inconstitucionalidade, ou seja, seus efeitos valem somente naquele caso específico, o que equivale a dizer que o referido dispositivo está em pleno vigor em nosso ordenamento jurídico, tanto é que, no dia 11.10.12, o juízo da 12ª Vara Criminal de Barra Funda, na Capital Paulista, fixou regime de cumprimento de pena inicialmente fechado a um condenado por tráfico de drogas a 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, fundamentado no referido art.2º, §1º da Lei nº 8.072/90. Neste diapasão, em artigo publicado na internet (29.10.2012), o eminente jurista Luiz Flávio Gomes², ao analisar a decisão da 12ª Vara  Criminal paulista, obtemperou que:

A juíza, ao fixar a pena, considerou o fato de o acusado ser primário, não possuir antecedentes, confessar a prática do tráfico e não haver indício de que faça parte de alguma organização criminosa para reduzir a pena base em 2/3. Mesmo assim, fixou o regime inicial fechado para cumprimento de pena por se tratar de crime hediondo (negrito nosso).

Desta forma, percebe-se que a magistrada paulista aplicou integralmente a determinação da Lei de Hediondos, que fixa o regime inicial fechado, independentemente do quantum aplicado na sentença e das circunstâncias judiciais favoráveis ao condenado (art.33, §2º, b, do CP), contrariamente ao entendimento firmado pelo STF, frise-se, nesse ano, quando do julgamento do HC nº 111.840/ES.
O referido dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos, fixa de forma autoritária que os condenados por crimes hediondos (e assemelhados, como por exemplo o tráfico de drogas e entorpecentes) deveriam iniciar o cumprimento da pena em regime fechado, tirando, desta forma, o prudente arbítrio do juiz para fixar o regime de cumprimento da pena necessário e suficiente para cada indivíduo infrator da lei penal.
Como se sabe, no julgamento do HC nº 82.959/SP (DJ de 01.09,2006), Relator Min. Marco Aurélio, o STF, mudando seu entendimento sobre o tema, entendeu que a vedação de progressão de regime aos condenados por crimes hediondos era inconstitucional por também ferir o Princípio da Individualização da Pena, in casu, na terceira etapa da individualização, qual seja, a fase da execução da pena. A partir desta decisão do STF, o legislador através da Lei nº 11.464/2007, alterou a Lei de Crimes Hediondos, passando a aceitar a progressão de regime aos condenados por estes crimes, mas determinou, frise-se, de forma indevida (ou melhor inconstitucional), que o cumprimento da pena seria inicialmente fechado.
No que tange ao entendimento exarado no HC nº 111.840/ES, concordamos plenamente com Pretório Excelso, uma vez que a fixação de cumprimento de pena em regime inicial fechado também violenta o Princípio da Individualização da Pena, tendo em vista que subtrai do magistrado a opção que melhor se ajusta ao caso concreto, pois se sabe que, no momento da escolha do regime de cumprimento da pena, o juiz deverá analisar as circunstâncias judiciais encartadas no art.59 do Código Penal (como por exemplo, a culpabilidade, antecedentes, personalidade, circunstâncias e motivo do crime, etc.,) e, caso estas sejam favoráveis ao condenado, poderá influir na eleição do regime de cumprimento da reprimenda. 
De fato, a lei de crimes hediondos fixava a eleição de regime inicial fechado independentemente do quantum estabelecido na sentença penal condenatória, seja 1 (um) ano ou 15 (quinze) anos, todos devem iniciar o cumprimento da pena em regime fechado. Vê-se que tal entendimento não é consentâneo com os Princípios da Individualização da pena, Razoabilidade e Proporcionalidade que devem nortear a atividade jurisdicional. Neste diapasão, confira a ementa do julgamento do HC nº 111.840/ES, de relatoria da lavra do Min. Dias Toffoli:

Habeas corpus. Penal. Tráfico de entorpecentes. Crime praticado
durante  a  vigência  da  Lei  nº  11.464/07.  Pena  inferior  a  8  anos  de
reclusão.  Obrigatoriedade  de  imposição  do  regime  inicial  fechado.
Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei
nº  8.072/90.  Ofensa  à  garantia  constitucional  da  individualização  da
pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88). Fundamentação necessária (CP,
art. 33, § 3º, c/c o art. 59). Possibilidade de fixação, no caso em exame, do
regime semiaberto para o início de cumprimento da pena privativa de
liberdade. Ordem concedida.
1. Verifica-se que o delito foi praticado em 10/10/09, já na vigência da
Lei  nº  11.464/07,  a  qual  instituiu  a  obrigatoriedade  da  imposição  do
regime inicialmente fechado aos crimes hediondos e assemelhados.
2.  Se  a  Constituição  Federal  menciona  que  a  lei  regulará  a
individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os
critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar
com  as  garantias  constitucionais,  sendo  necessário  exigir-se  sempre  a
fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo
ou equiparado.
3. Na situação em análise, em que o paciente, condenado a cumprir
pena  de  seis  (6)  anos  de  reclusão,  ostenta  circunstâncias  subjetivas
favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o
semiaberto.
4. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado,
em  eventual  apreciação  das  condições  subjetivas  desfavoráveis,  vir  a
estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça  em razão de
elementos  concretos  e  individualizados,  aptos  a  demonstrar  a
necessidade  de  maior  rigor  da  medida  privativa  de  liberdade  do
indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal.
5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do
§ 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07,
o qual determina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida
inicialmente  em  regime  fechado“.  Declaração  incidental  de
inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da obrigatoriedade de fixação
do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente da
condenação por crime hediondo ou equiparado.


Ademais, no dia 25.09.2012, a Primeira Turma do STF, através do voto da Min. Rosa Weber, ao analisar o HC nº 107.407/MG³, ratificou o entendimento esposado no julgamento do HC nº 111.840/ES, fixando regime inicial diverso do fechado a condenado a 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias por tráfico de drogas. In casu, a douta Ministra fixou o regime semi-aberto, eis a ementa de seu julgado:

DIREITO  PENAL.  HABEAS  CORPUS.  TRÁFICO  DE  DROGAS.
DOSIMETRIA.  REGIME  INICIAL  DE  CUMPRIMENTO  DA  PENA.
INCONSTITUCIONALIDADE  DO  §  1º  DO  ARTIGO  2º  DA  LEI  Nº
8.072/90.  POSSIBILIDADE  DE  IMPOSIÇÃO  DE  REGIME  INICIAL
DIVERSO DO FECHADO. 
1. Em sessão realizada em 27.6.2012, no HC 111.840/ES, rel. Min.
Dias  Toffoli,  o  Pleno  desta  Suprema  Corte  declarou  a
inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, com a redação
dada pela Lei 11.464/07, que consagrara a obrigatoriedade de imposição
do  regime  inicial  fechado  para  o  cumprimento  da  pena  de  crimes
hediondos e equiparados.
2. Em absoluto ignorou-se o caráter danoso do tráfico de drogas na
sociedade  moderna,  a  reclamar,  em  geral,  tratamento  jurídico  mais
rigoroso,  permitindo  apenas,  forte  no  postulado  constitucional  da
individualização  das  penas,  a  concessão  de  regime  inicial  de
cumprimento de pena diverso do fechado, quando circunstancialmente
viável.
3. A fixação do regime inicial de cumprimento da pena não está
condicionada somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame
das  circunstâncias  judiciais  do  artigo  59  do  Código  Penal,  conforme
remissão  do  art.  33,  §3º,  do  mesmo  diploma  legal.  Em  tese,  viável  a
imposição de regime inicial fechado mesmo para o cumprimento de pena
inferior a oito anos em condenações por tráfico de drogas. Se a decisão
atacada  fixou,  porém,  o  regime  fechado  tão  somente  com  base  no
dispositivo reputado inconstitucional, impõe-se a revisão.
4. Habeas corpus concedido.



Referências

1. HC nº 111.840/ES disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/hc111840dt.pdf

2. Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2012/10/29/drogas-regime-inicial-fechado-inconstitucionalidade-da-lei/

3. HC nº 107.407/MG disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2926620




sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A polêmica das Cartas Psicografadas como meio de prova no Júri

Um tema que gera bastante polêmica no meio jurídico e religioso é a questão da possibilidade de uso de cartas psicografadas como meio de prova (pelo menos na seara criminal, que até hoje já foi produzida e aceita).
Carta Psicografada é a carta escrita pelo médium, mas que é ditada (grosseiramente falando) pelo espirito do desencarnado (pessoa que faleceu).
De fato, desde a década de 80 que o Brasil inteiro se espantou com a notícia de que a Justiça de Goiás absolveu (primeiramente em 1º Grau, posteriormente confirmado pela realização de um júri) um jovem de 18 acusado de ter matado seu amigo de apenas 15.
Contudo, à época, a própria família da vítima (que antes do fato era católica e não acreditava na Doutrina Espirita), após entrar em contato com o saudoso CHICO XAVIER, e ter recebido algumas cartas psicografadas que supostamente foram "ditadas" pelo espirito da vítima, renunciaram ao direito de constituir um assistente de acusação e PEDIRAM ao próprio juiz a ABSOLVIÇÃO do acusado.
Segundo a família, nas cartas haviam informações que somente eles sabiam, mais ninguém, sem contar que a assinatura da carta era muito semelhante com a de seu filho.
Por fugir ao objetivo deste pequeno texto, quem quiser mais informações sobre o fato, acesse: http://antonioluizgomes.blogspot.com.br/2012/03/uma-sentenca-do-alem-ou-sentenca-que.html.
Fora este caso, existiram mais 4, sendo o mais recente no ano de 2006.
Pois bem. Deixando de fora a questão religiosa, vários doutrinadores dizem que tal prova não pode ser aceita, uma vez que seria ilegal, por todos confira o magistério de GUILHERME DE SOUZA NUCCI em seu CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COMENTADO (2009, p.354-357).
Contudo, não obstante discordarmos do eminente jurista (conforme fundamentos do acórdão abaixo), cumpre destacar que, recentemente, no Estado do Rio Grande do Sul, uma mulher foi absolvida através do uso de carta psicografada que teria sido ditada pelo seu ex-amante, a vítima do crime.
Após a absolvição, o Ministério Público recorreu, alegando principalmente a questão da ILEGALIDADE DA CARTA PSICOGRAFADA. Todavia, no ano de 2009, o TJ gaúcho ao julgar a Apelação Criminal nº 70016184012, por unanimidade, confirmou a absolvição, por entender que a referida prova É LÍCITA. Devido ao brilhantismo do conteúdo do voto do acórdão, imprescindível faz a sua transcrição, in verbis:

JÚRI.  DECISÃO ABSOLUTÓRIA. CARTA PSICOGRAFADA NÃO CONSTITUI MEIO ILÍCITO DE PROVA.  DECISÃO QUE NÃO SE MOSTRA MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS.
Carta psicografada não constitui meio ilícito de prova, podendo, portanto, ser utilizada perante o Tribunal do Júri, cujos julgamentos são proferidos por íntima convicção.
Havendo apenas frágeis elementos de prova que imputam à pessoa da ré a autoria do homicídio, consistentes sobretudo em declarações policiais do co-réu, que depois delas se retratou, a decisão absolutória não se mostra manifestamente contrária à prova dos autos e, por isso, deve ser mantida, até em respeito ao preceito constitucional que consagra a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri.
Apelo improvido.
                      (...)
Por derradeiro, analiso o apelo do assistente da acusação embasado na alínea ‘d’ do art. 593, III, do estatuto processual penal, isto é, sob a alegação de que a decisão absolutória da acusada é manifestamente contrária à prova dos autos.
 Antes de mais nada, porém, fazem-se necessárias algumas considerações em torno da questão da carta psicografada supostamente enviada pela vítima ao marido da ré e que foi utilizada pela defesa em plenário de julgamento, a qual mereceu as maiores críticas do assistente, assim como da Dra. Procuradora de Justiça, que sustenta, inclusive, sua ilicitude como meio de prova.
A matéria, naturalmente, é interessante, pitoresca e polêmica, mesmo porque refoge ao usual no quotidiano forense, ainda que não seja inédita, e envolve uma provável comunicação com o mundo dos mortos, com reflexos numa decisão judicial.  Tanto é assim que o tema ultrapassou os limites do universo judiciário e foi amplamente divulgado em jornais, em revistas de circulação nacional e em blogs da Internet, como demonstram os documentos de fls. 1.242 a 1.250 dos presentes autos.
Desde logo, consigno que não vejo ilicitude no documento psicografado e, conseqüentemente, em sua utilização como meio de prova, não obstante o entendimento contrário do sempre respeitado Prof. Guilherme de Souza Nucci, em artigo transcrito integralmente no parecer da douta representante do Ministério Público.
Na realidade, o art. 5º, VI, da Constituição Federal dispõe que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
A fé espírita, que se baseia, além de outros princípios e dogmas, na comunicação entre o mundo terreno e o mundo dos espíritos desencarnados, na linguagem daqueles que a professam, é tão respeitável quanto qualquer outra e se enquadra, como todas as demais crenças, na liberdade religiosa contemplada naquele dispositivo constitucional.
Só por isso, tenho que a elaboração de uma carta supostamente ditada por um espírito e grafada por um médium não fere qualquer preceito legal.  Pelo contrário, encontra plena guarida na própria Carta Magna, não se podendo incluí-la entre as provas obtidas por meios ilícitos de que trata o art. 5º, LVI, da mesma Lei Maior.
É evidente que a verdade da origem e do conteúdo de uma carta psicografada será apreciada de acordo com a convicção religiosa ou mesmo científica de cada um.  Mas jamais tal documento, com a vênia dos que pensam diferentemente, poderá ser tachado de ilegal ou de ilegítimo.
Afastada a possível ilicitude do documento como meio de prova, que poderia efetivamente acarretar a desconstituição do julgamento, a questão, ao menos do ponto de vista jurídico, perde o interesse, ainda que compreensível que sua utilização em plenário, máxime diante da decisão absolutória, chame tanta atenção da mídia e do público leigo em geral.
  Ocorre que, como é curial, os jurados, investidos temporariamente da função de magistrados no Tribunal do Júri, julgam por íntima convicção, deixando de fundamentar os votos que proferem, o que decorre de sua própria condição de juízes leigos e da própria sistemática do Júri Popular.
Sendo assim, não se pode sequer saber se, no caso vertente, a referida carta psicografada teve peso na decisão do Conselho de Sentença, ainda que tenha sido tão explorada pela defesa, como afirma a assistência da acusação em suas razões recursais.  Em outras palavras, não se sabe se, na ausência do documento em questão, o veredicto não teria sido o mesmo, com base nas outras provas produzidas nos autos e nos debates realizados em plenário.
Aliás, é possível  -  e não só possível, mas conveniente, como recurso teorético  -  abstrair a tal carta psicografada e examinar o restante da prova carreada aos autos, para concluir se a decisão dos juízes leigos foi efetivamente contrária, de modo manifesto, à prova dos autos, como sustenta o apelante.
A esse respeito, não custa referir, de início, que, consoante se diz e se repete de forma até enfadonha, só tem cabimento a desconstituição do julgamento pelo Tribunal do Júri por esse fundamento, quando a decisão dos jurados é inteiramente divorciada da prova dos autos, chegando às raias da arbitrariedade.  A contrario sensu, havendo nos autos qualquer adminículo probatório que respalde aquela decisão, é impositiva a manutenção do veredicto, o que é corolário do preceito constitucional que consagra a soberania do Júri Popular.
In casu, a participação da apelada na morte da vítima, como mandante e patrocinadora dessa empreitada criminosa, é relatada pelo co-réu Leandro da Rocha Almeida, em suas declarações perante a autoridade policial, quando aquele confessa a prática do homicídio, narrando que a ré Iara lhe teria prometido a importância de R$ 20.000,00 para dar um corretivo na vítima e que, se esta viesse a morrer, não seria má idéia, tudo em razão de ciúmes decorrentes de um antigo relacionamento amoroso que mantivera com a vítima.  Posteriormente, em juízo,  Leandro mantém a acusação contra Iara, mas nega a prática do crime, alegando que ela manteve contato direto com o indivíduo conhecido como Pitoco, que teria sido o executor.  Por fim, em plenário de julgamento, Leandro nega tudo, inclusive qualquer participação da ré Iara no fato descrito na denúncia.
Ainda que persista a dúvida, especialmente diante da acusação inicial, formulada no calor dos acontecimentos, a verdade é que não se pode considerar tão inconstantes declarações como prova cabal de que a acusada encomendou a morte da vítima.
Quanto ao restante da prova oral coletada, foi denodadamente revolvida nas longas razões apelatórias, o que, por si só, enseja os maiores encômios ao ilustre procurador do assistente da acusação.
Apesar disso, só se pode apontar a autoria fazendo-se o cotejo entre os depoimentos, as deduções e as ilações que foram feitas pelo nobre causídico.  Em sede de apelação, porém, tratando-se de processo da competência do Tribunal do Júri, esse trabalho investigativo não tem cabimento, justamente porque, como já ficou dito, apenas quando inteiramente aberrante da prova dos autos a decisão dos jurados pode ser desconstituído o julgamento.
Ora, a  leitura dos depoimentos transcritos nas próprias razões recursais deixa claro que a decisão absolutória não contrariou de forma manifesta, isto é, evidente ou gritante, aquele conjunto probatório.
Com efeito, ainda que se possa pinçar, aqui e ali, nos depoimentos colhidos, alguma palavra comprometedora, a realidade é que nenhuma das inúmeras testemunhas inquiridas relata ter visto a negociação entre os acusados, ter ouvido da boca de algum deles o relato dos fatos, ter presenciado algum gesto ou movimento que possa efetivamente apontar a acusada como co-autora do homicídio.  Salvo a testemunha Osmar Brack, que afirma ter ouvido a narrativa do próprio Leandro, quando ambos se encontravam detidos na Delegacia de Polícia, depoimento que, por isso mesmo, não merece maior crédito.
Em resumo, ainda que existam nos autos elementos que embasam a acusação contra a apelada e que podem constituir uma versão contra ela, não há como deixar de reconhecer que tais elementos são frágeis e se contrapõem a outros tantos elementos que consubstanciam uma outra versão, esta inteiramente favorável à acusada.
Nesse caso, havendo duas versões a respeito dos fatos, é descabida a desconstituição do julgamento pelo Tribunal do Júri, consoante remansosa e pacífica jurisprudência, prevalecendo o veredicto proferido pelos juízes leigos, o que decorre de preceito constitucional, insculpido no art. 5º, XXXVIII, da Carta Magna.
Antes de concluir, não posso deixar de fazer uma breve referência à circunstância de que o co-réu Leandro, julgado anteriormente, em razão da cisão processual, restou condenado por homicídio qualificado pelo motivo torpe, tendo os jurados, naquela ocasião, reconhecido, pelo escore de 6 x 1, que o réu “praticou o crime mediante promessa de pagamento efetuada pela co-ré Iara Marques Barcelos” (fl. 814).
Inegável se mostra a contradição entre as duas decisões, sendo que o veredicto condenatório de Leandro foi confirmado neste grau de jurisdição e transitou em julgado.
Tal circunstância, porém, tendo havido a referida cisão processual, não impede a decisão absolutória da ora apelada, nem impõe, por si só, a submissão da ré a novo julgamento, pois, se isso fosse feito, a decisão proferida nesta instância já significaria uma antecipada condenação da acusada.
Nesse caso, a meu sentir, resta apenas à defesa de Leandro buscar obter, através dos meios cabíveis, uma alteração da situação, com a exclusão da circunstância qualificadora do motivo torpe, então reconhecida pelo Conselho de Sentença.
Em face do exposto, NÃO CONHEÇO do apelo do assistente da acusação fulcrado na alínea ‘a’ do art. 593, III, do Código de Processo Penal e NEGO PROVIMENTO ao mesmo apelo baseado nas alíneas ‘b’ e ‘d’ daquele dispositivo.

E você, leitor, qual é a sua opinião?


STJ tranca ação penal contra réu que tentou furtar uma galinha

Por isso que existe tanto processo "emperrando" a Justiça brasileira, pois chegamos ao ponto do STJ ter que extinguir uma ação penal, relativa a uma tentativa de furto, frise-se, de um galináceo (galinha), cujo valor era de aproximadamente R$30,00 (trinta reais). De fato, muito alto, não é mesmo?
In casu, a Sexta Turma do STJ ao apreciar o HC nº 243958, aplicou o Princípio da Insignificância e reformou a decisão do TJ mineiro. 
O fato "criminoso" ocorreu na Comarca de Guaxupé no estado de Minas Gerais e o julgamento no STJ foi no dia 27.09.2012, in verbis:

Trancada ação penal contra acusado de tentar furtar uma galinha
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trancou ação penal contra um homem acusado da tentativa de furtar uma galinha, avaliada em R$ 30. Os ministros aplicaram ao caso o princípio da insignificância e reformaram decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

A relatora do habeas corpus, ministra Assusete Magalhães, afirmou que a intervenção do direito penal só se justifica quando o bem jurídico protegido tenha sido exposto a um dano expressivo e a conduta seja socialmente reprovável. Para ela, a conduta do réu no caso, embora se enquadre na definição jurídica de furto tentado, é desproporcional à imposição de uma pena privativa de liberdade, tendo em vista que a lesão é “absolutamente irrelevante”.

A ministra lembrou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) considera que a adoção do princípio da insignificância é possível quando a ofensa representada pela conduta do agente for mínima, não houver periculosidade social, a ação apresentar reduzidíssimo grau de reprovação e a lesão jurídica provocada for inexpressiva.

Seguindo esse entendimento, a Turma concedeu o habeas corpus de ofício para aplicar o princípio da insignificância e trancar a ação penal, que corre na Comarca de Guaxupé (MG). A decisão foi unânime.

HC substitutivo de recurso

A relatora destacou que o habeas corpus julgado foi impetrado em substituição a recurso ordinário, que é o instrumento adequado para contestar decisão de tribunal de segundo grau. Nesses casos, em agosto deste ano, o STF passou a considerar o habeas corpus inadequado. O STJ está seguindo esse procedimento.

Isso porque o artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal estabelece que o habeas corpus serve a quem sofre ou está ameaçado de sofrer restrição em sua liberdade de locomoção. Já segundo o artigo 105, inciso II, alínea a, cabe recurso ordinário (e não outro habeas corpus) ao STJ em caso de HC negado pelos Tribunais Regionais Federais ou Tribunais de Justiça dos estados.

Contudo, Assusete Magalhães ressaltou que, em cada caso, é preciso analisar se existe manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na decisão contestada, que implique ameaça ou coação à liberdade de locomoção do réu, que justifique a concessão da ordem de ofício. No caso, ela exergou manifesto constrangimento ilegal. Por isso, o habeas corpus pedido pela defesa não foi conhecido, mas a ordem foi concedida de ofício. 

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Justiça Paulista "tranca" o Inquérito Policial contra a advogada de Lindemberg Alves

Finalmente a Justiça de São Paulo resolveu acatar o pedido da OAB-SP e trancar o inquérito Policial que apurava suposto crime contra a honra cometido pela Advogada do réu Lindemberg Alves, Ana Lúcia Assad, contra a magistrada Presidente do Tribunal do Júri que condenou seu cliente. 
Parabéns à OAB paulista e à Justiça Paulista pela decisão, uma vez que a nobre defensora realmente não teve a intenção de ofender a honra da juíza, bem como o Código Penal aduz que não constituem injúria ou difamação punível a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou seu procurador (art.142, I). Eis a notícia veiculada no site do OAB-SP*:



OAB SP TRANCA NO TJ-SP INQUÉRITO CONTRA ANA LÚCIA ASSAD

Ações do documento

10/09/2012

Em julgamento realizado nesta segunda-feira (10/9), o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou o trancamento do inquérito policial contra a advogada Ana Lúcia Assad, ao conceder Habeas Corpus ajuizado pela OAB SP. A defensora de Lindemberg Alves Fernandes era investigada por suposto crime contra a honra da juíza Milena Dias, durante o julgamento de seu cliente.


“Essa é uma vitória do direito de defesa, porque o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, pois se no exercício profissional sentir-se intimidado, sem liberdade de atuação, seu trabalho certamente ficará comprometido. Sempre estivemos ao lado da advogada Ana Lucia Assad no sentido de preservar suas prerrogativas profissionais. Desde a abertura de um inquérito contra ela (advogada) para apurar eventual crime contra a honra, a Ordem reagiu no sentido de trancar esse procedimento, que não tem o menor fundamento, agora obtendo sucesso no Tribunal de Justiça”, afirma o presidente em exercício da OAB SP, Marcos da Costa.

A OAB SP impetrou Habeas Corpus perante o TJ-SP no dia 3 de maio, que foielaborado pelo advogado Antonio Ruiz Filho, conselheiro seccional e presidente da Comissão Direitos e Prerrogativas da OAB SP, após o HC impetrado perante o Colégio Recursal da Comarca de Santo André ser denegado. Ruiz Filho  reforça que não houve crime, porque a advogada Ana Lúcia Assad não teve intenção de ofender a juíza  Milena Dias e que, portanto, o inquérito policial não teria justa causa.
A impetração ressalta que os crimes contra a honra, para serem imputados a alguém, precisam do elemento subjetivo, da intenção deliberada de atentar contra a honra alheia, o que não teria ocorrido no caso, pois a advogada não agiu com dolo, mas “no calor da inquirição de testemunha, sob alta tensão”.
Ainda de acordo com a peça formulada pela OAB SP, a extensa cobertura do caso pela mídia causou enorme comoção social, provocando grande desgaste mental e físico em quem nele atuou. O recurso argumenta que foi Assad quem se sentiu ofendida e com a credibilidade posta em xeque, e agiu em benefício exclusivamente da defesa, para não pôr todo seu trabalho a perder.
A impetração cita decisão do Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do ministro Hamilton Carvalhido, segundo a qual a ação penal contra advogado por crime contra a honra do magistrado deve ser trancada se também houve “palavras desonrosas doJuízo”.

Outro argumento é que a Constituição, em seu artigo 133, prevê a inviolabilidade doadvogado, o que é reafirmado no artigo 7º, parágrafo 2º, do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei Federal 8.906/94). O Código Penal, no artigo 142, inciso II, afirma que não constitui injúria ou difamação punível a ofensa feita em juízo, na discussão de uma causa, o que inclui os advogados e os juízes.

Na sentença prolatada contra Fernandes, condenado em fevereiro pela morte daestudante Eloá Pimentel, em 2008, a magistrada decidiu pelo envio de cópia da decisão ao Ministério Público para tomada de providências contra Ana Lúcia Assad. O caso teve como questão central o episódio acontecido no segundo dia de julgamento, quando a advogada tentou fazer nova pergunta após sua participação no depoimento de uma testemunha, e, ao ser impedida pela juíza, disse “e o princípio da descoberta da verdade real dele?”. A magistrada respondeu: “pelo que eu saiba, esse termo não existe ou não tem esse nome”.

Em réplica, Assad disse “então a senhora precisa voltar a estudar”, o que deu causa à instauração da investigação sobre suposto crime contra a honra, afirma o habeas corpus apresentado pela OAB SP (segundo o qual o princípio citado por Assad de fato existe).