quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Progressão do condenado com resultado morte, reincidente genérico

 

A Lei de Execução Penal, após as alterações promovidas pela Lei nº13.964/2019 (Pacote Anticrime), promoveu importantes alterações na questão do direito de progredir de regime de pena privativa de liberdade, recrudescendo ainda mais as referidas regras.

Sobre o art.112 da LEP, escrevemos em nossa obra (2020, p.132):

 

[...] como era de se esperar, recrudesceram a situação do sentenciado, já que o espírito da referida lei é estar associada com o direito penal do inimigo.

As novas disposições consideram principalmente, para a progressão, se o preso é primário ou reincidente, se o crime foi com ou sem violência ou grave ameaça à pessoa ou se o crime é ligado a facções criminosas.


Todavia, da análise das regras estabelecidas pelo art.112 da LEP, verifica-se que nele não consta regra quanto ao fato do preso ser condenado por crime hediondo com resultado morte, reincidente não específico.

Em outras palavras, há omissão da Lei no caso de ser condenado com resultado morte, reincidente, mas não reincidente em crime de hediondo com resultado morte.

Nesse sentido, confira o texto do art.112, in verbis:

 

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

[...]

V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)


De fato, da análise das referidas regras legais, constata-se efetivamente de que nelas não constam o regramento no que se refere ao condenado com resultado morte, reincidente, mas não reincidente em crime de hediondo com resultado morte.

Nessa senda, após quase 1 ano de vigência das regras do art.112 da LEP, tal questão chegou ao STJ, que decidiu o seguinte:


HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. CRIMES HEDIONDOS. PROGRESSÃO DE REGIME. APENADO REINCIDENTE. REQUISITO OBJETIVO. LEI N. 13.964/2019. LACUNA NA NOVA REDAÇÃO DO ART. 112 DA LEP. INTERPRETAÇÃO IN BONAM PARTEM. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. PARECER ACOLHIDO. 

1. A Lei de Crimes Hediondos não fazia distinção entre a reincidência genérica e a específica para estabelecer o cumprimento de 3/5 da pena para fins de progressão de regime, é o que se depreende da leitura do § 2º do art. 2º da Lei n. 8.072/1990: A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal).

2. Já a Lei n. 13.964/2019 trouxe significativas mudanças na legislação penal e processual penal, e, nessa toada, revogou o referido dispositivo legal. Agora, os requisitos objetivos para a progressão de regime foram sensivelmente modificados, tendo sido criada uma variedade de lapsos temporais a serem observados antes da concessão da benesse.

3. Ocorre que a atual redação do art. 112 revela que a situação ora em exame (condenado por crime hediondo com resultado morte, reincidente não específico) não foi contemplada na lei nova. Nessa hipótese, diante da ausência de previsão legal, o julgador deve integrar a norma aplicando a analogia in bonam partem. Impõe-se, assim, a aplicação do contido no inciso VI, a, do referido artigo da Lei de Execução Penal, exigindo-se, portanto, o cumprimento de 50% da pena para a progressão de regime, caso não cometida falta grave.

4. Ordem concedida para que a transferência do paciente para regime menos rigoroso observe, quanto ao requisito objetivo, o cumprimento de 50% da pena privativa de liberdade a que condenado, salvo se cometida falta grave. (STJ, HC 581.315/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, 6ª TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 19/10/2020).


Desta forma, verifica-se que o STJ decidiu que ante a lacuna (omissão) do art.112, no que se refere ao condenado com resultado morte, reincidente genérico, mas não reincidente em crime de hediondo com resultado morte, deve-se aplicar o menor percentual previsto na Lei (50%, constante do inciso VI, alínea a, art.112, LEP), isto é, o mesmo previsto para o condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, ante a aplicação de analogia in bonam partem.

Tem-se que o entendimento do STJ é acertado, haja vista a omissão da lei, não podendo o sentenciado ser prejudicado com aplicação de regra mais gravosa para situação que a dele não é igual, porém, cabe aguardar mais julgados do STJ e, também, do STF, para se verificar se o referido entendimento será cristalizado pelos Tribunais Superiores.

Por fim, para maior aprofundamento sobre a lei de execução penal, com todas as alterações trazidas pela Lei nº13.964/2019 (Pacote Anticrime), confira a nossa obra: 

GOMES, Adão Mendes. Lei de Execução Penal: comentários e jurisprudência. Taboão da Serra, SP: Vicenza Edições Acadêmicas, 2020.

* Link para compra do livro:

https://editoravicenza.loja2.com.br/9570556-Lei-de-Execucao-Penal-comentarios-e-jurisprudencia


sábado, 22 de agosto de 2020

Lei de Execução Penal: comentários e jurisprudência


 

O presente trabalho tem como objetivo tecer comentários sobre todos os dispositivos da Lei de Execução Penal (LEP), fazendo uma análise concisa.
Para isso, além dos comentários do autor, quando se faz necessário, faz-se a devida referência aos ensinamentos dos doutrinadores.
Ademais, nos artigos que necessitam de complemento, também são apresentados os entendimentos do STJ ou STF, conforme o caso, para que o leitor possa ter noção do entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores.
Destaque-se, ainda, que a obra está atualizada com a Emenda Constitucional nº104, de 04.12.2019, que criou a polícia penal, nos âmbitos federal, estadual e distrital (art.144, VI, CF/88), bem como com as alterações promovidas pela Lei nº13.964/2019 (Pacote Anticrime).
Diante o exposto, tem-se que o presente livro se fundamenta na doutrina e na jurisprudência do STF e STJ, levando o leitor a ter conhecimento sobre as disposições legais e jurisprudenciais sobre a LEP. 

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Livro "A Súmula nº231 do STJ e a desindividualização da pena"


A Súmula nº231 do STJ dispõe que: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.

O principal argumento utilizado para defender a Súmula 231 do STJ é de necessidade de respeito ao princípio da legalidade.

Entretanto, considerando o conteúdo sumulado 231 do STJ em cotejo com os princípios constitucionais previstos na Constituição Federal de 1988, de feições claramente garantistas, tem-se que a referida súmula é flagrantemente contrária aos princípios da individualização da pena (art.5º, XLVI), da Isonomia (art.5º, caput) e da legalidade (art.5º, II).

Em relação ao princípio da individualização, há clara violação, tendo em vista que esta garantia determina que caberá à legislação ordinária a tarefa de regular a individualização da pena do condenado. Embora a Lei Maior não defina o que se deva entender por “individualização da pena”, a doutrina a define como a necessidade do magistrado adequar a sanção penal considerando a individualidade de cada réu.

Outrossim, a mesma se divide em três fases: na primeira a legislativa, onde o legislador seleciona as condutas a serem típicas, fixando as balizas mínimas e máximas; na segunda fase, a judiciária, o juiz, analisando todas as circunstâncias que envolvem o fato delituoso e o autor do delito, fixando a sanção penal; na terceira, a executiva, o juiz, mais uma vez, considerando a individualidade do condenado no cumprimento da pena, deverá verificar se é o caso de progressão de regime, bem como outros benefícios legais.

Ocorre que, na fase da fixação da pena (judiciária), ante a vedação constante da supracitada súmula, o juiz deixa de valorar a incidência da atenuante, não obstante a regra prevista no art.68, que dispõe que após a análise das circunstâncias judiciais deverão ser valoradas as atenuantes e, o 65 do CP, o qual determina que as circunstâncias atenuantes sempre atenuam a pena.

Destarte, resta por prejudicada a individualização da pena, vez que não fora considerada todas as circunstâncias que gravitam em torno do fato delituoso e do infrator da lei penal.

Por outro lado, a Súmula nº231 viola também o princípio da isonomia, para tanto, basta visualizar dois corréus, sendo que um deles possui as atenuantes da menoridade e da confissão e de outro lado, o outro corréu que não possua nenhuma atenuante e ainda mentiu durante todo o processo com o objetivo de prejudicar o descobrimento da verdade.

Ao se aplicar a referida súmula, isto é, ao não se reduzir a pena abaixo do mínimo legal em face da existência da atenuante, tem-se que ao final os dois corréus terão a mesma pena, violando o princípio da isonomia material, vez que dois indivíduos com situações jurídico-penais diversas serão tratados igualmente.

Ademais, há que se destacar, que a aplicação da súmula 231 do STJ viola ainda o princípio da legalidade, tendo em vista que o art.68 do CP é imperativo no sentido de que após a análise das circunstâncias judiciais deverão ser consideradas as circunstâncias atenuantes, principalmente em face do art.65 do CP que dispõe que as atenuantes “sempre” reduzem a pena, sem estabelecer nenhuma condicionante para a sua valoração.

Diante o exposto, ante a flagrante incompatibilidade da Súmula nº 231 do STJ com os princípios garantistas da Constituição Federal de 1988, especialmente o Princípio da Individualização da Pena e os dele decorrentes, como o da Legalidade e da Isonomia, necessário se faz, urgentemente, o cancelamento do referido texto sumulado.

Para aprofundamento teórico e jurisprudencial, conferir nosso livro: GOMES, Adão Mendes. A Súmula nº231 do STJ e a desindividualização da pena. Goiânia: Editora Espaço Acadêmico, 2020.