domingo, 30 de maio de 2021

A competência para o julgamento do estelionato após a Lei 14.155/2021

 

A Lei 14.155/2021, que entrou em vigor no dia 28.05.2021, realizou importante alteração na competência para o julgamento de algumas modalidades do crime de estelionato (art.171, CP).

A referida Lei inseriu um §4º ao art.70 do Código de Processo Penal, in verbis:

 

§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção.    

 

Da análise do dispositivo legal transcrito, verifica-se que ele não se aplica no caso de estelionato por meio de cheque falsificado, pois o cheque falsificado não consta na citada redação legal.

Desta forma, ainda aplicável a Súmula 48 do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque”.

Sendo assim, tem-se que a alteração em análise somente incidirá quando o estelionato for praticado mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, ou seja, a nova regra legal não abarca todas as hipóteses do estelionato previstas no art.171 do CP.

Já com relação ao estelionato praticado por meio de cheque sem fundo ou quando há frustração do pagamento (art. 171, § 2º, VI), a nova lei realizou alteração.

Com efeito, prescreve o art. 171 do Código Penal, obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: § 2º - Nas mesmas penas incorre quem: VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.

Nessas hipóteses de estelionato praticado por meio de cheque sem fundo ou quando há frustração do pagamento, a competência para o processo e julgamento do feito criminal será definida pelo local do domicílio da vítima, conforme a nova regra trazida pelo §4º ao art.70 do CPP.

Destarte, tem-se que restam superadas as Súmulas 244 do STJ e 521 do STF, in verbis:

Súmula 244 do STJ: Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato mediante cheque sem provisão de fundos.

Súmula 521 do STF: O foro competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade da emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o do local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado.

 

Isto porque, as referidas súmulas estabeleciam que a competência no caso estelionato por meio de cheque sem fundo seria do local onde houve a recusa da agência bancária ao pagamento do cheque, ou seja, o local da agencia bancária do estelionatário, que recusou o pagamento por causa da falta de fundos.

Todavia, em se tratando de estelionato praticado por meio de cheque sem fundo ou quando há frustração do pagamento, a regra §4º ao art.70 do CPP inova ao estabelecer que a competência para o julgamento será do local do domicílio da vítima.

Outrossim, em se tratando de estelionato mediante depósito ou transferência de valores de forma eletrônica, a competência para o processo era do local da consumação do crime, ou seja, no local da agência do estelionatário, vez que nele houve a obtenção da vantagem ilícita, quando o criminoso se apossou do dinheiro, ou seja, no momento em que o valor foi depositado em sua conta bancária, conforme já vinha decidindo majoritariamente o STJ, 3ª Seção, CC 169.053/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/12/2019.

Todavia, a partir da regra §4º ao art.70 do CPP, no caso de estelionato mediante depósito ou transferência de valores de forma eletrônica, a competência para o processo e julgamento será do domicílio da vítima.

Importa registrar que quando houver várias vítimas do estelionatário em comarcas diversas, a competência firmar-se-á pela prevenção.

Quanto a prevenção, o art. 83 do CPP dispõe que verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa.

Dessa forma, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção, isto é, no caso de algum dos juízos dos domicílios de alguma das vítimas tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa.

Por fim, cabe esclarecer se a regra trazida no §4º ao art.70 do CPP deve servir para alterar a competência para as ações penais já em curso quando da entrada em vigor da nova lei.

Tem-se que a resposta negativa se impõe, diante da aplicação, por analogia (art.3º, CPP), da regra da perpetuatio jurisdictionis constante do art.43 do Código de Processo Civil/2015, in verbis:

Art. 43. Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.

 

Desta forma, considerando que a competência territorial em razão do domicílio da vítima é relativa, não absoluta, é irrelevante a modificação legal quanto à referida competência, devendo os processos criminais em curso continuarem nas respectivas unidades jurisdicionais.

A Lei nº14.155/2021 e as alterações no Código Penal

 

A Lei nº14.155/2021, que entrou em vigor no dia 28.05.2021, trouxe algumas alterações nos crimes de invasão de dispositivo informático (art.154-A, CP); furto (art.155, CP) e estelionato (art.171, CP).

Assim, o crime de invasão de dispositivo informático (art.154-A, CP), que antes tinha pena de 3 meses a 1 ano, e multa, passou a ter pena de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Destarte, ele deixou de ser crime de menor potencial ofensivo (art.61, Lei 9.099/95), não cabendo mais transação penal (art.76, Lei 9.099/95), embora seja possível a concessão de suspensão condicional do processo (art.89, Lei 9.099/95) e acordo de não persecução penal (art.28-A, CPP).

Ademais, a novel lei alterou parcialmente o texto do caput do art.154-A, o qual antes dispunha, in verbis:

Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:

 

Agora o art.154-A estabelece ser crime:

Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita”.

 

Assim, a pena de 1 a 4 anos também será aplicável na hipótese do § 1º do art.154-A, que dispõe que na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.

Antes da Lei nº14.155/2021 a causa de aumento da pena constante do §2º do art.154-A estabelecia o intervalo de 1/6 a 1/3, contudo, com a nova lei, o intervalo aumentou para variar entre 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se da invasão resulta prejuízo econômico.

O § 3o do art.154-A é uma qualificadora, a qual dispõe que se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido, que antes possuía pena de 6 meses a 2 anos.

Entretanto, com a Lei nº14.155/2021, a pena da qualificadora constante do § 3o do art.154-A passou a ser de 2 anos a 5 anos.

Sendo assim, ele também deixou de ser crime de menor potencial ofensivo (art.61, Lei 9.099/95), não cabendo mais transação penal (art.76, Lei 9.099/95), embora seja possível acordo de não persecução penal (art.28-A, CPP), que exige pena mínima inferior a 4 anos.

Outrossim, considerando que as referidas alterações promovidas pela Lei nº11.455/2021 no crime de Invasão de dispositivo informático (art.154-A, CP) são prejudiciais ao réu, as mesmas só podem ser aplicadas para as condutas praticadas a partir de 28.05.2021 (vigência da referida Lei), conforme regra constitucional do inciso XL do art.5º da Constituição Federal de 1988, que dispõe que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

No crime de furto (art.155, CP) também houve alteração feita pela Lei nº14.155/2021, que criou uma qualificadora, constante do art.4º-B do art.155, dispondo que a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se o furto mediante fraude é cometido por meio de dispositivo eletrônico ou informático, conectado ou não à rede de computadores, com ou sem a violação de mecanismo de segurança ou a utilização de programa malicioso, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.

Por sua vez, o § 4º-C prevê 2 (duas) causas de aumento para a forma qualificada no § 4º-B do art.155, considerada a relevância do resultado gravoso, in verbis: I – aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional; II – aumenta-se de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime é praticado contra idoso ou vulnerável.

Consoante a Lei nº10.741/03 (Estatuto do Idoso), idoso é a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Por outro lado, considerando que a nova lei não estabeleceu o conceito de vulnerável, deve-se fazer a aplicação por analogia ao conceito de vulnerável para fins do crime de estupro de vulnerável.

Sendo assim, vulnerável é o menor de 14 (catorze) anos (caput do art.217-A, CP), bem como alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência (§1º do art.217-A, CP).

Há que se relembrar, que por força da regra do Parágrafo único do art.68 do CP, no concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

Sobre essa regra do Parágrafo único do art.68 do CP, no meu manual sobre a aplicação da pena, escrevi que (2020, p.210):

[...] cabe deixar bem claro que a regra constante do citado parágrafo único do art.68 do CP somente se aplica se o concurso for entre causas de aumento ou diminuição da parte especial, assim, por exemplo, caso uma causa de aumento seja da parte geral e a outra da parte especial, as 2 (duas) deverão ser valoradas.

 

Sendo assim, somente se aplica a regra do parágrafo único do art.68 do CP quando o concurso de causas de aumento ou de diminuição da pena forem da parte especial.

Ademais, considerando a pena mínima de 4 anos para a qualificadora do §4º-B do art.155 não é cabível qualquer medida despenalizadora para a forma consumada, já que por não ser ele crime de menor potencial ofensivo (art.61, Lei 9.099/95), não cabe transação penal (art.76, Lei 9.099/95) nem é cabível a suspensão condicional do processo (art.89, Lei 9.099/95), nem tampouco o acordo de não persecução penal (art.28-A, CPP), que exige pena mínima inferior a 4 anos.

No crime de estelionato (art.171, CP) também houve alteração feita pela Lei nº11.455/2021.

Tal qual como a nova qualificadora do furto, a Lei nº14.155/2021 inseriu o § 2º-A no art.171 do CP, estabelecendo que a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se a fraude é cometida com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.

Nestes termos, considerando a pena mínima de 4 anos para a qualificadora do §2º-A no art.171 não é cabível qualquer medida despenalizadora para a forma consumada, já que por não ser ele crime de menor potencial ofensivo (art.61, Lei 9.099/95), não cabe transação penal (art.76, Lei 9.099/95) nem é cabível a suspensão condicional do processo (art.89, Lei 9.099/95), nem tampouco o acordo de não persecução penal (art.28-A, CPP), que exige pena mínima inferior a 4 anos.

Igualmente como a qualificadora do § 4º-C do crime de furto, o § 2º-B do art.171 do CP, dispõe que a pena prevista no § 2º-A deste artigo, considerada a relevância do resultado gravoso, aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional.

Por sua vez, a Lei nº14.155/2021 alterou a redação do §4º do art.171, que antes dispunha que se aplicava a pena em dobro se o crime fosse cometido contra idoso, sendo que após a referida lei a pena aumentará de 1/3 ao dobro, se o crime é cometido contra idoso ou vulnerável, considerada a relevância do resultado gravoso.

 

REFERÊNCIA

GOMES, Adão Mendes. Aplicação da Pena: doutrina e jurisprudência. Taboão da Serra, SP: Vicenza Edições Acadêmicas, 2020. Link para a compra do livro: https://livrariavicenza.com.br/produto/aplicacao-da-pena-comentarios-e-jurisprudencia/

sábado, 29 de maio de 2021

Sorteio do livro Aplicação da Pena no dia 04.06.2021

 


Caros leitores, no dia 04.06.2021 o blog O Direito Na Berlinda comemora 12 anos, onde em comemoração farei o sorteio do livro Aplicação da Pena: doutrina e jurisprudência (2020), no dia 04.06.2021, às 19 horas, através de post no Instagram na página adao_mg, do autor Adão Mendes Gomes.

Para participar do sorteio precisa seguir as REGRAS

1) somente concorrerão ao sorteio do 1° livro os comentários (observados os demais requisitos) desta foto no perfil de adao_mg.


2) o ganhador do sorteio deverá informar seu endereço completo, para que possa ser enviado o livro;


3) em datas futuras, mas próximas, o segundo livro de minha autoria (1 exemplar) a ser sorteado será a obra "Lei de Execução Penal: comentários e jurisprudência" (2020); e, por fim, meu terceiro livro e último (1 exemplar) a ser sorteado em data também posterior ao segundo livro sorteado, será a obra intitulada "A Súmula 231 do STJ e a Desindividualização da Pena" (2020).


4) Cada obra sorteada terá seu próprio post de sorteio, ou seja, para cada livro sorteado o concorrente deverá estar seguindo a página adao_mg, curtir o respectivo post do livro que estará sendo sorteado e comentar o referido post, indicando 2 amigos, observadas as proibições constantes da foto (3° passo). Boa sorte!

Destarte, conforme regra nº3, em datas futuras (ainda a serem informadas) haverá também o sorteio de 1 exemplar de cada um dos outros 2 livros do autor Adão Mendes Gomes, também por meio do Instagram, na supracitada página adao_mg.

Me sigam no Instagram (adao_mg) e concorram ao sorteio. Boa sorte!