quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Mensalão, domínio do fato e Claus Roxin


LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*




                            












Joaquim Barbosa (acompanhado por vários outros ministros) condenou José Dirceu sob o argumento de que ele tinha o comando da organização. Isso basta para condenar alguém? Foi o que a Folha de S. Paulo (de 11.11.12, p. A6) perguntou ao professor Claus Roxin (maior penalista vivo no planeta e autor da teoria do domínio do fato), que enfatizou:

“A participação no comando de esquema tem de ser provada”, ou seja, não basta ocupar posição de comando na organização, visto que a teoria do domínio do fato, invocada no caso mensalão, também exige prova da participação efetiva do agente nos fatos. Quem está na posição de comando e dá a ordem para o cometimento do crime, não pode ser considerado mero partícipe, sim, é autor, porque tem o domínio do fato.

No direito penal clássico considerava-se autor somente quem realiza o verbo núcleo do tipo (quem mata, quem subtrai, quem faz gestão fraudulenta etc.). Todos os demais que contribuem para o delito seriam partícipes.

Contra isso se insurgiu Roxin, que achava injusto punir como partícipe quem tem o comando do fato. Para ele é autor do fato não só quem executa (quem pratica o verbo núcleo do tipo), senão também “quem tem o poder de decidir sua realização e faz o planejamento estratégico para que ele aconteça”.

Mas tudo depende de prova (prova de que planejou, prova de que comandou, prova de que mandou executar etc.). Não basta ter o comando do grupo, ter posição de chefe da organização etc. “Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado”. Sua doutrina foi usada na Argentina, no Peru e na própria Alemanha (para julgar os crimes da Alemanha Oriental).

Sintetizando: não basta ter o comando da organização. “É indispensável ter comando o fato, emitido a ordem”. “A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção (“dever saber”) é do direito anglo-saxão e não a considero correta.”

A pressão da opinião pública (leia-se: da mídia e da opinião pública midiatizada) pode influenciar o juiz?

“Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública” [sempre].

Nesta última advertência do professor Claus Roxin reside o antídoto contra o populismo penal midiático. Nenhum juiz tem compromisso de atender sempre a opinião pública. Seu compromisso é com o direito e com a justiça. Quando o direito e o justo não correspondem ao que o público desejaria, cabe ao juiz emitir uma sentença contramajoritária. Mas não é isso que estamos vendo, em vários momentos, no julgamento do mensalão, que é histórico, necessário, moral e eticamente importante. Mas que em muitos momentos está deslizando para o populismo penal, quando, por exemplo, negou o duplo grau de jurisdição, violando decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 2009 (caso Barreto Leiva).

*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Estou no www.professorlfg.com.br.

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