sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A Prescrição Administrativa nos processos de multa de trânsito!!!

No que tange aos processos administrativos com finalidade de aplicação de multas de trânsito, infelizmente, reina em diversas Autoridades de Trânsito no Brasil o Princípio da Demora ou Omissão em julgar os referidos processos, chegando ao irrazoável de milhares de processos administrativos estarem em tramitação a mais de 5 (cinco) e 8 (oito) anos, levando os motoristas penalizados a percorrer uma verdadeira via crucis até ver ser julgados seus pleitos.
Contudo, esquecem as autoridades responsáveis pelo julgamento de tais penalidades, a superveniência da prescrição (administrativa), o que indubitavelmente levaria à decretação de extinção do direito do Estado punir os motoristas infratores. Neste ponto, analisemos o que diz a doutrina a respeito da prescrição.
Segundo Clóvis Beviláqua (1980, p.286), “prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso delas, durante um determinado espaço de tempo”. Também, no caso do processo administrativo, o objetivo primordial do prazo prescricional é tolher a insegurança entre os indivíduos no trato de suas relações jurídicas e manter a paz social.
No âmbito do direito administrativo também ocorre o fenômeno da prescrição, que se chama de prescrição administrativa. De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002, p.609), “a prescrição administrativa indica a perda do prazo para aplicação de penalidades administrativas”.
Cabe salientar, que o Código de Trânsito Brasileiro – CTB (Lei nº 9.503/97) é silente quanto a prazos prescricionais para a extinção dos processos administrativos “parados” sem julgamento ou à espera de algum despacho. Diante disso, necessário se faz a utilização de outros dispositivos legais para a aplicação do instituto da prescrição e conseqüentemente alcançar a tão almejada “paz social”.
Di Pietro (2002, p.610) entende que, no silêncio da lei, a prescrição administrativa ocorre em cinco anos, nos termos do Decreto n° 20.910/32. Nestes termos, dispõe o decreto em exame:


Art.1° As dividas passivas da União, dos estados e dos municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.



Na mesma senda, consoante a Ministra do STJ, Eliana Calmon, na ausência de uma definição legal especifica sobre a matéria, o prazo prescricional para a cobrança de multa, crédito de natureza administrativa, deve ser fixado em cinco anos, até porque não seria legitimo gozarem a União, o estado ou o município de tratamento diferenciado em relação ao administrado.
Diante do exarado, o direito da Administração Pública de aplicar penalidades administrativas – e a multa de trânsito o é por excelência – prescreve em cinco anos com base no art.1° do Decreto n° 20.910/32.
Diante da inércia da Administração – por no mínimo cinco anos – forçoso é reconhecer a perda do jus puniend da mesma e conseqüentemente a extinção das penalidades impostas pelas Autoridades de Trânsito no exercício do seu poder de policia.
Com o escopo de expurgar a insegurança jurídica no processo administrativo - que se prolongue há mais de cinco anos sem julgamento – e manter aceso o postulado da paz social que é inerente a um Estado Democrático de Direito, forçoso é reconhecer a ocorrência da prescrição administrativa.



Referências

BEVILAQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980.

PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 14ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Breve noção de Controle de Constitucionalidade

1 – INTRODUÇÃO

O modelo de constitucionalidade brasileiro é um mesclado dos dois modelos de constitucionalidade então existentes. O modo de controle brasileiro é hibrido, haja vista ser este a fusão do modelo difuso (predominante nos Estados Unidos da América) com o controle concentrado predominante na Europa.
No modelo de controle de constitucionalidade difuso ou concreto, a aferição de constitucionalidade de leis e atos do poder público compete a qualquer juiz ou tribunal, ou seja, há uma descentralização da competência de fazer o controle de constitucionalidade, porque tal aferição poderá ser feita por qualquer magistrado e não apenas por uma corte suprema. O modelo difuso é originário e predominante nos EUA. Cumpre salientar, que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso, faz efeitos apenas inter partes, ou seja, entre as pessoas envolvidas naquele processo especifico.
Agora, o modelo concentrado resguarda apenas a uma Corte Suprema[1]a competência para a análise da constitucionalidade das leis e atos do poder público, sendo impossibilitado aos demais membros do Poder Judiciário a competência em comento. No controle Concentrado, feito no Brasil pelo STF, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade são erga omnes (não apenas entre as partes no processo) e vinculam todos os órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo em todas as esferas.
Entrementes, o ordenamento jurídico brasileiro inovou na matéria de controle de constitucionalidade e adotou um sistema sui generis ao prever a competência para qualquer juiz fazer o controle e ao STF a cargo de exercer o controle concentrado, típico do modelo concentrado adotado por muitos países da Europa, como por exemplo, a Áustria, Alemanha, Itália, etc.
Como foi dito, através do modelo concentrado apenas a Corte Constitucional pode declarar se uma norma possui a moléstia mais grave prevista pelo ordenamento jurídico, qual seja a inconstitucionalidade.

2 – EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

A lei inconstitucional é nula de pleno direito[2], porque de norma inconstitucional não se origina direitos e isso ocorre porque este vício é o mais gravoso que pode acometer uma lei (em sentido lato sensu) ou ato do poder público.
Por ser a inconstitucionalidade a moléstia mais danosa prevista no ordenamento, a mesma não pode ser convalidada e diante disso a única saída é a expurgação desta norma inconstitucional do ordenamento jurídico.
Os efeitos da sentença que decretar a inconstitucionalidade de alguma norma (lato sensu) serão em regra ex tunc - doa a quem doer – ou seja, retroagirá e irá desfazer todos os efeitos jurídicos provenientes da norma declarada inconstitucional.
Destarte, a regra geral é a de que, com a declaração de inconstitucionalidade sejam produzidos efeitos retroativos (ex tunc) elidindo a norma que padece de tal enfermidade e desconstituindo todos os efeitos que a mesma criou durante seu período de vida. Mas, como toda regra tem sua exceção, diante de alguns casos, o STF reconheceu que os efeitos retroativos iriam prejudicar direitos adquiridos de terceiros e atentariam contra o postulado da segurança jurídica. Diante disso, surgiu o a Lei n°9868/99 que previu a chamada modulação dos efeitos da declaração de Inconstitucionalidade. Eis a transcrição do seu art. 27, caput:

Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.


Com base no dispositivo em comento, foi atribuído ao Pretório Excelso – desde que presentes razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social – o poder de restringir os efeitos da sentença que declarar a inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo do poder público. Mas, cabe ressaltar, que este poder conferido ao STF é totalmente EXCEPCIONAL, ou seja, em regra a declaração de inconstitucionalidade produzirá efeitos retroativos. Só e somente por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social poderá o STF modular os efeitos da sentença que declarar a inconstitucionalidade e determinar que produza efeitos prospectivos[3] ou ainda, que só tenha eficácia em outro momento fixado.
Cabe salientar ainda, que a Lei n°9868/99 em tela não admite a intervenção de terceiros nos processos de ação direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade[4]. E também é vedada a desistência da ação depois de iniciada as ações supracitadas.

3 – ROL DE LEGITIMADOS PARA A PROPOSITURA DE ADI E ADC

O texto constitucional é bem claro ao dispor sobre que são NOVE as pessoas legitimadas para propor a ação direta de inconstitucionalidade e a declaratória de constitucionalidade, é o que se depreende do seu art. 103 e incisos.

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
I – o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da câmara dos deputados;
IV – a mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
[5]
VI – o Procurador Geral da República;[6]
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Cabe frisar, com relação ao inciso VIII que possui legitimidade para intentar a ADI o partido político que possua até 1 (um) representante no Congresso Nacional, ou seja, até este número está legitimado para interpor a tanto a ADI como a ADC. Este é o pensamento do Pretório Excelso. Agora, partido político sem representante no Congresso Nacional está impossibilitado por não ter legitimidade (art. 103, VIII).

4 – CONCLUSÃO
Portanto, a regra geral quanto ao controle de constitucionalidade brasileiro, é que a sentença que declara a INCONSTITUCIONALIDADE de lei ou ato normativo estadual ou federal produzirá efeitos retrospectivos (ex tunc) e expurgará a norma eivada de tal vicio. Esta é a regra geral – doa a quem doer a os efeitos da sentença declaratória de inconstitucionalidade retroagiram e eliminará todos os efeitos emanados da norma maculada.
A exceção é a que consta na lei n°9.868/99 que confere ao Supremo Tribunal Federal o poder de restringir/limitar – apenas por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social - os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou ainda fixar data para que esta declaração comece a produzir efeitos jurídicos (art.27).
Destarte, a regra é a retroatividade dos efeitos da sentença que declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do poder público.

[1] No caso brasileiro, compete ao Supremo Tribunal Federal – STF, (art.102, CF/88).
[2] O grande mestre Ruy Barbosa.
[3] Efeitos ex nunc.
[4] Respectivamente, art. 7° e 18 da Lei n°9868/99.
[5] Incisos IV e V dados pela EC/45-04.
[6] Cabe salientar, que antes da novel Constituição da República/88, apenas o Procurador da República era legitimado para propor a ação de inconstitucionalidade. Destarte, fica claro que a nova carta suprema dilatou o rol de legitimados para propor a ADI e ADC, mas infelizmente, não inseriu o cidadão como legitimado para tal – e ainda chamada de Constituição Cidadã, assim definida por Ulysses Guimarães – como o fizeram outros países, como a Alemanha, por exemplo.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Contrato de Comodato

O contrato de comodato, de acordo com o eminente Coelho da Rocha, citado por Maria Helena Diniz (2003), conceitua empréstimo como o contrato pelo qual uma pessoa entrega a outra, gratuitamente, uma coisa, para que dela se sirva com a obrigação de restituir.
Data venia, este conceito não nos parece o mais adequado, ou melhor, é um tanto insuficiente por não comportar o conceito de mútuo. Coelho da Rocha conceitua apenas o empréstimo de comodato, por isso, pode-se afirmar que este conceito é um tanto insuficiente para se entender o que é a modalidade contratual de empréstimo.
Diante do exposto, preferimos a definição do saudoso mestre baiano, Orlando Gomes (1978), que conceitua empréstimo como o contrato em que uma das partes recebe, para uso ou utilização uma coisa que, depois de certo tempo, deve restituir ou dar outra do mesmo gênero, quantidade ou qualidade. A definição do citado autor trás em seu bojo tanto a definição de comodato quanto a de mútuo, que são as duas espécies de empréstimo.
Ainda, com base no pensamento de Orlando Gomes (1978), comodato é a cessão gratuita de uma coisa para seu uso com estipulação de que será devolvida em sua individualidade, após algum tempo.
Com base no conceito dado, diferem-se os seguintes caracteres do empréstimo de comodato: Gratuidade, Infungibilidade, Unilateralidade, Real e Temporariedade.
O comodato é contrato gratuito porque haverá liberalidade sem contraprestação. Em virtude de ser contrato gratuito, ou seja, em que o comodante nada recebe em contraprestação a liberalidade dada, repugnaria o pensamento jurídico caso este tive-se alguma obrigação a fazer. Segundo Orlando Gomes (1978), a gratuidade é da essência do contrato de comodato, o que inocorre com relação ao mútuo, onde a gratuidade é de sua natureza. Diante, se houver contraprestação (pagamento) à liberalidade, será locação de coisa e não comodato. Como disse o renomado mestre baiano, a gratuidade é da essência do contrato de comodato.
Como no comodato a coisa emprestada deverá ser restituída (devolvida) pelo comodatário, percebe-se que a coisa dada em comodato deverá ser infungível, porque deverá ser considera em sua individualidade. Coisa infungível é aquela que não pode ser substituída por coisa de mesmo gênero, quantidade e qualidade. Como exemplo, A empresta um livro que tem muito apreço a B, findo o prazo (tempo suficiente para B ler o livro), este deverá restituir o mesmo livro que pegou na mão de A.
O comodato por ser contrato unilateral, gera obrigação para apenas um dos contratantes, que no caso recai sobre o comodatário. Como exemplo, este deverá conservar a coisa emprestada como se sua fosse, porque, se por motivo de força maior ou caso fortuito, ele devera salvar em primeiro lugar a coisa emprestada sob pena de pagar perdas e danos (art. 582, CC/02).
O comodato é contrato real, porque se concretiza apenas com a traditio da coisa, ou seja, só estará perfeito e concluído com a entrega do objeto dado em comodato. Não havendo entrega do objeto, não haverá comodato (art. 579, CC/02).
Para a caracterização do comodato, mister que seja um empréstimo com prazo para devolução determinado ou indeterminado. O que não se aceita é que seja perpetuo, pois, caso isto ocorra não será comodato, mas, contrato de doação. Caso haja prazo determinado, a coisa emprestada deverá ser devolvida no prazo avençado, sob pena do comodatário responder por mora.
Como todos o contratos, o comodato extingue-se normalmente com o término do prazo e a consequente devolução da coisa emprestada. Mas também, pode ocorrer por inadimplencia contratual.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Transporte Coletivo: serviço público?

Para você, leitor, o transporte coletivo público é serviço público? Para responder a esta pergunta, façamos a análise de alguns pontos.
Como é cediço, serviço público é toda prestação material feita pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, com o objetivo de satisfazer concretamente as necessidades coletivas. Diante disso, o serviço de transporte coletivo urbano, pode ser considerado um serviço Público? há quem pense que não.
De acordo com o saudoso administrativista, Hely Lopes Meirelles, "serviço público propriamente dito, é todo aquele prestado diretamente pela Administração à comunidade, por reconhecer sua essencialidade e necessidade para a sobrevivência do grupo social e do próprio Estado (1995, p.295)." Exemplo disso, são os serviços de defesa nacional, de polícia e de preservação da saúde pública. Diante desse conceito, percebe-se que para o autor supra, somente a Administração Pública tem competencia para prestar o serviço público. Ainda faz a distinção de serviço público e de serviços de utilidade pública.
Serviços de utilidade pública são os que reconhecida sua conveniência(não são essenciais) para a sociedade, a Administração os presta diretamente ou delega sua pretação a terceiros (concessionárias, permissionárias de serviços públicos), mas sob controle do poder público. Como exemplo, ele cita o serviço de transporte coletivo, energia elétrica, etc. 
Nos tempos hodiernos, é inadimissivel tal entendimento. Segundo dados do IBOPE de 2008, A maioria da população (42%) não tem carro, usa transporte coletivo quando necessário e anda muito a pé ou de bicicleta. Vinte e seis por cento não têm carro e utilizam transporte coletivo. Diante disso, pode-se afirmar categoricamente que o transporte coletivo é um serviço ESSENCIAL e de extrema NECESSIDADE por parte da população brasileira. 
O serviço de transporte coletivo é uma necessidade do mundo moderno (ou pós-moderno como querem alguns). A população tem que se locomover diariamente para seus trabalhos, escolas, faculdades, lazer, etc. O que se vê quando acontece uma greve na prestação desse serviço, é que a cidade pára. Destarte, podemos afirmar que o transporte coletivo é um serviço público como também é o de energia elétrica, água, etc.
A ilustre administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p.114), nos dá um conceito de serviço público em que assentimos plenamente. Segundo a autora, serviço público é toda atividade material a que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.
Diante o exposto, levando em consideração a enorme importância da prestação do serviço de transporte coletivo público para toda a sociedade brasileira, não há como negar o rótulo de serviço público para o transporte coletivo.


Referência

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed São Paulo: Atlas, 2006.


MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 20. ed São Paulo: Malheiros, 1995.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Lei Maria da Penha: o que mudou?

Antes da entrada em vigor da Lei Maria da Penha (Lei °11.340/06), as mulheres eram frequentemente vítimas de agressões físicas e morais por parte das pessoas que lhe deviam dar amor, carinho e respeito, que eram o seu cônjuge ou companheiro. Nessa época, as mulheres que eram agredidas por seus companheiros não denunciavam as agressões principalmente por medo de futuras represálias e por saber que a legislação vigente não lhe ampararia após a denúncia.
Antes da lei Maria da Penha, caso a mulher denuncia-se seu companheiro por agressão, durante a fase processual, a mulher é que era incumbida de entregar a intimação ao seu algoz. Isto era um total descalabro. Com isso, a mulher, já muitas vezes humilhada e cansada de apanhar de seu marido e principalmente com medo, se resignava e não fazia a denúncia, mas, continuava sendo vítima da pessoa que devia lhe defender.
Durante essa época, outro ponto bastante criticado era a pena dada ao agressor: o pagamento de cestas básicas. Esse sem duvida foi um dos principais óbices para que as mulheres denunciassem as agressões de que eram vítimas. As mulheres ao fazerem a denúncia, tinham receio de que a violência aumentasse ou até de serem assassinadas, o que infelizmente, ocorre muito em nosso país. Para quê denunciar se a pena aplicada (dificilmente quando é aplicada) é o pagamento de cestas básicas? Esta sanção pune quem maltrata, humilha, bate e até mata? indubitalvemente que não.
Para responder a essa pergunta e satisfazer ao anseio da sociedade, eis que surge a Lei n°11.340/06, denominada de lei Maria da Penha.
Em resumo, a Lei n°11.340/06 foi criada para combater a violência doméstica e familiar as mulheres, prevendo várias medidas protetivas de urgência e até a aplicação de prisão preventiva quando o agressor desrespeitar as medidas protetivas fixadas. Ademais, a nova lei trouxe vários pontos positivos como: agora, a intimação será entregue por oficial de justiça e não mais pela vítima; a pena agora é de privação de liberdade (prisão) e não mais o pagamento de cestas básicas, o juiz ao tomar conhecimento da agressão, terá que tomar medidas que façam cessar a violência imediatamente, etc.
De sua entrada em vigor até agora, o que mudou? realmente, há o que comemorar? a lei alcançou seu objetivo?
A nosso entender não, haja vista os dados apresentados no dia 30 de março do ano corrente pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ (disponivel no http://www.gazetaonline.globo.com/). Segundo o CNJ, apenas 2% dos processos julgados pela justiça resultaram na condenação dos agressores, ou seja, dos 75.829 processos sentenciados, apenas 1.801 resultaram em punição a homens acusados de agredir mulheres.
Antes da entrada em vigor da lei Maria da Penha, não havia punição porque não tinha uma legislação rígida que protege-se as mulheres contra as agressões de seu companheiro. E agora que tem esta lei (Lei n°11.340/06), porque não tem punição?
Da mesma forma, vários pontos da nova lei ainda não saíram do papel, como por exemplo a previsão de criação dos  Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde (art.29).
Neste ponto, competiria à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes (art.30).
Outro ponto negativo da nova Lei é a previsão do art.41 de que aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. Com esta restrição, não é mais possível a transação penal nos crimes cometidos no âmbito familiar, ponto aliás, que era bastante criticado. Contudo, após a análise das estatísticas do CNJ, verifica-se que tal previsão não era tão ruim assim, uma vez que pelo menos o agressor era obrigado a pagar uma(s) cesta(s) básica(s). E hoje? hoje o agressor violenta e fica por isso mesmo, isto é, 2% de condenações.
Diante o exposto, a intenção do legislador foi digna de aplausos, mas infelizmente, parece ter sido um verdadeiro "tiro no pé". 

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Multas de Trânsito: Respeito ao Princípio da Ampla Defesa no Código de Trânsito brasileiro (Lei n°9503/97)

O Princípio da Ampla Defesa, diante de sua magnitude, isto é, por ter matriz constitucional, deve ser sempre respeitado pelos demais diplomas legais de nosso ordenamento jurídico. Todavia, o que vemos nos procedimentos de aplicação de multa de trânsito é a total violação a este importante princípio/garantia, tendo em vista que as autoridades de trânsito não anulam os procedimentos administrativos que hajam violado tal garantia. Desta forma, façamos uma pequena análise do Código de Trânsito brasileiro, à luz de uma interpretação constitucional.
Consoante o art. 282, caput, do CTB, ao ser aplicada a penalidade de trânsito pela Autoridade de Trânsito competente será obrigatoriamente expedida uma notificação ao proprietario do veiculo ou ao condutor infrator. Esta notificação é mandada pelos correios com AR (aviso de Recebimento) para que se possa saber se o infrator recebeu a noticação. Agora, quando a notificação não é recebida é necessário que seja feita a publicação do edital no orgão oficial de divulgação, ou seja, deverá ser publicizado o ato, para que o administrado possa contestar. Como exemplo,em caso de autarquia Municipal, a publicação deverá ser feita no Diário Oficial do Municipio para que não haja cerceamento de defesa contra o administrado (art.5, LV, CR/88).
Diante do exarado, percebe-se que a Autoridade de Trânsito que impuser penalidades tem o dever legal de expedir a notificação ao proprietário ou condutor infrator para que estes tenham ciência do processo administrativo de que sejam parte e precipuamente que possam se defender. Destarte, caso a Administração (Autoridade de Trânsito) não expeça a notificação (NAI ou NIP), estará violando o principio do contraditório e da ampla defesa previstos constitucionalmente, o que seria uma atitude integralmente temerária e inadmissivel num Estado Democrático de Direito (CF/88). Na mesma senda, há jurisprudência do CETRA-BA que deu provimento ao recurso porque a NAI foi enviada ao antigo proprietário do veiculo e não ao atual, o que cerceou o direito de defesa deste:

EMENTA: NAI expedida para antigo proprietário do veículo, porém, oito dias antes da infração, já tinha ocorrido a transferência para o atual proprietário e por isso, a NAI deveria ter sido enviada para este. Houve cerceamento de defesa, pois recorrente não deu causa ao atraso da transferência de propriedade do veículo.Conhecido e Provido. (RECURSO CETRAN Nº 019.06. Relator: Teófilo Luz).


Conforme ensinamentos de Maria Sylvia Zanella di Pietro (2002, p.514), "O principio do contraditório, que é inerente ao direito de defesa, é decorrente da bilateralidade do processo: quando uma das partes alega alguma coisa, há de ser ouvida também a outra, dando-se-lhe oportunidade de resposta. Ele supõe o conhecimento dos atos processuais pelo acusado e o seu direito de resposta ou de reação. Exige:


1. notificação dos atos processuais à parte interessada;


2. possibilidade de exame das provas constantes do processo;


3. direito de assistir à inquirição de testemunhas;


4. direito de apresentar defesa escrita." Diante disso, caso a administração viole o direito de defesa ao não cientificar o administrado sobre o processo administrativo de que este é parte, este ato será totalmente ilegal e consequentemente deverá ser extirpado do mundo juridico.


No mesmo sentido, a Lei n°9784/99 (lei que trata do processo administrativo da administração federal) prescreve que o administrado tem os seguintes direitos diante da administração: ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado; formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo orgão competente (art. 3°), etc.
Diante do exposto, caso a administração deixar de noticar o administrado, ou seja, expedir a NAI ou NIP ou não publicar o aviso ou o edital no orgão oficial de divulgação, este ato omissivo ensejará a invalidação do ato praticado pelo poder público. Neste sentido pode-se aplicar a súmula 473 do STF:


"A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vicios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos;ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação jucicial."


Portanto, caso a Autoridade de Trânsito desobedeça ao comando legal previsto no art. 282, caput, CTB, a penalidade decorrente de tal ato será ilegal e como é divergente do art. 5, LV, CR/88 por estar violando o principio constitucional do contraditório e da ampla defesa, a penalidade supra deverá ser extinta e a multa julgada improcedente (art.281, par. único, I, II, CTB).




Referência



PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo.14ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002.