domingo, 19 de fevereiro de 2012

Erros na sentença que condenou Lindemberg Alves


Não obstante a vontade imensa da população leiga em ver o réu Lindemberg Alves condenado a pegar uma pena “pesada”, vontade esta que se concretizou na dosagem da pena realizada pela magistrada Milena Dias, que o condenou a uma pena de 98 (noventa e oito) anos e 10 (dez) meses de reclusão, percebemos a existência de vários erros técnicos na douta sentença*, sob o ponto de vista técnico-jurídico.
Inicialmente, pode-se citar a conduta da juíza em fixar a pena-base (primeira fase) no valor máximo para todos os crimes (homicídio consumado, homicídio tentado, cárcere privado e disparo de arma de fogo), pois como é sabido, a única hipótese em fixar a pena-base no patamar máximo, ponto este ainda divergente na doutrina e jurisprudência, frise-se, seria no caso em que todas as circunstâncias judiciais (Art. 59 do CP- O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime) fossem desfavoráveis ao réu. Contudo, pelo menos duas circunstâncias judiciais eram a seu favor, como por exemplo a conduta social (rapaz trabalhador responsável pelo sustento da casa) e os antecedentes (réu primário e de bons antecedentes). Desta forma, não poderia a juíza fixar no patamar máximo a pena-base, ante a ausência de requisito legal apto a fundamentar tal ato.
Outrossim, existe mais um erro da juíza na dosagem da pena na primeira fase, que se deu porque a mesma levou em consideração para aumentar a pena a motivação do crime, ou nas próprias palavras da magistrada, "os seus egoísticos e abjetos motivos". Ora, se o homícidio foi duplamente qualificado, mormente pelo motivo ser torpe, configurado está que a magistrada incorreu no odioso bis in iden, ou seja, penalizou o réu duas vezes pelo mesmo fato, no caso, o motivo torpe. Desta forma, o erro está porque se o motivo serviu para qualificar o homícidio, não poderia ser considerado para aumentar a reprimenda na pena-base.
Outro deslize foi a juíza afirmar que não existia agravantes a serem consideradas. Como é cediço, quando o homicídio possui mais de uma qualificadora, uma serve para a qualificação e a outra para ser usada como circunstância negativa, seja como circunstância judicial ou agravante. Desta forma, a magistrada poderia usar uma das qualificadoras como circunstância judicial negativa (como efetivamente fez), mas deveria ter motivado expressamente tal atitude para que a Defesa possa exercitar plenamente o direito à ampla defesa no momento de oferecimento de eventual recurso (Apelação).
Ademais, a fixação da pena no patamar máximo no suposto homícidio tentado contra o policial - bem como para todos os outros crimes, conforme demonstrado anteriormente - foi totalmente desproporcional e irrazoável, tendo a douta magistrada deixado de lado os princípios da proporcionalidade e razoabilidade que devem nortear o magistrado no seu mister de aplicar a pena para a devida ressoacialização do condenado. Como é que alguém pode ser condenado a 10 (dez) anos de reclusão simplesmente por ter dado um tiro a ermo, sem direção nenhuma? Na prática forense, vemos casos de homícidios consumados em que os condenados pegam menos tempo de cadeia. Então, houve justiça? É proporcional e razoável? Nem vou adentrar na questão do acerto da condenação neste crime, que é bastante questionável, frise-se.
Por fim, cabe destacar uma contradição existente na sentença, pois no inicio a juíza afirma que as circunstâncias judiciais não são totalmente desfavoráveis ao réu, mas ao final da sentença, quando da escolha do regime de cumprimento inicial da pena, a juíza afirmou que “Como fundamentado na primeira etapa da dosimetria da pena, as circunstâncias judiciais são totalmente desfavoráveis ao réu (§3º do artigo 33, do Código Penal)”.
A meu ver, a condenação a Lindemberg já era esperada, tendo em vista as provas constantes dos autos, contudo, foi totalmente desproporcional, para não dizer injusta e, a um certo tom, equivocada, tendo em vista os erros elencados mais visíveis.
Noutro giro, não pode ser olvidado que o tamanho da condenação de Lindemberg também está associado ao show pirotécnico que a midia realizou, ou nas próprias palavras da Advogada de defesa, Ana Lúcia Assad, a "transformação do caso em um reality show".
A mídia inculcou no pessoal leigo que Lindemberg é um monstro sanguinário e como tal deve ser tratado, não merecendo sequer um julgamento justo, não devendo as "regras do jogo"(Processo Penal) lhe serem aplicadas, devendo ficar preso pelo resto de sua vida. No entanto, espero que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo realize a correção da pena aplicada injustamente ao Lindemberg, adequando-a ao parâmentros legais e constitucionais, pois, conforme demonstrado, vários principios e preceitos legais foram inobservados no caso vertido.
Após a correção, a pena deve ser reduzida para aproximadamente 40 a 55 anos.
Mas isso não é importa, não é? O importante é que o reality show rendeu muito IBOPE para a mídia sensacionalista.
Tomemos cuidado com a mídia, pois amanhã o próximo reality show pode ser estrelado por um de nós!!!

*Sentença:http://media.folha.uol.com.br/cotidiano/2012/02/16/sentena_finall_lindemberg.pdf


22 comentários:

  1. Parabéns pelo texto!

    Numa sociedade hipotética onde até a política é judicializada (a comunidade mesma também é) e que seus membros em situações esdrúxulas recorrem ao Judiciário - sem haver qualquer pretensão resistida, contrariando o próprio conceito de lide -, pois, não desenvolveram métodos de autocomposição, qual será o seu destino, se além de seus integrantes errarem por costume esse supremo poder judicante tem o fado de errar por último?

    Trazendo para nossa realidade, qualquer comparação com a parábola citada é mera coincidência, em qualquer tipo de matéria, não somente a penal, os tribunais tem "direito" de errar por último?

    Essa reflexão pode não ter muito haver com o seu post, mas, é um comentário para a gente (re)começar e/ou continuar a pensar essa (des)estrutura onde o juiz aplica a lei diante de seus mais puros sentimentos de justiça, no caso Elóa, foi uma justiça de mão de ferro, deixando de lado os preceitos do CP e de todos os avanços constitucionais. Não quero com isso "absolver" o condenado, mas, dizer que a aplicação da lei penal é balizada pelas regras e princípios do Código Punitivo, ou seja, quero uma pena, que dá pena mesmo diante dos seus efeitos, correta, posto que existe uma resposta correta (adequada à Constituição).

    Espero que a sentença seja reformada para aplicar uma pena "justa" (correta) ao condenado, que de qualquer forma não vai ser ressocializado no nosso (meu e seu) sistema prisional. Acredito que o primeiro passo é não acharmos que estamos distantes disso tudo!

    Abração.

    Arthur Magalhães

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    1. Obrigado, Dr. Arthur,
      De fato, no caso vertido a douta magistrada deixou do lado de fora do Fórum de Santo André os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, tendo condenado o acusado a uma pena pesadíssima, expressão cunhada por um apresentador de TV, não obstante toda a sistemática legal e constitucional referente a aplicação da pena. Também espero que a pena aplicada seja corrigida por ser direito de todos os condenados o respeito ao principio da legalidade e à própria Carta de 1988. Decerto o nosso sistema prisional não ressocializa, mas por inexistir outra pena que seja eficaz, a pena privativa de liberdade ainda é necessária, ou melhor, "UM MAL NECESSÁRIO".

      Esperemos.

      Abraço, Dr. Arthur.

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  2. Belíssimo texto,pena que a mídia não o publique e por que o publicaria, não é mesmo. Fico na torcida que a justiça seja feita, não isento Lindiberg de culpa mas, uma pena justa. Imagine esse rapaz 90 anos no sistema carcerário brasileiro, que não ressocializa ninguém, depois ainda afirmam que não existe pena de morte neste país.É necessário controlar o poder da mídia neste país,delimitar o que é o sistema judiciário e qual o verdadeiro papel da imprensa.

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  3. Obrigado, Elisabete, de fato, concordo com você em que a pena aplicada ao Lindemberg deve ser corrigida, ante os inúmeros erros cometidos na sentença, por ser da mais lidima justiça, partindo-se do conceito de justiça de Aristótelis (mérito). Ademais, conforme aduzido por você, sabemos que a pena privativa de liberdade está falida, mormente no Brasil em que as salutares previsões da Lei de Execução Penal não são aplicadas, contudo, conforme explanado pelo eminente penalista Guilherme de Souza Nucci, a pena privativa de liberdade é dolorida, mas é necessária, ante a inexistência de outra eficaz...quanto à mídia, é um grande problema no nosso País, que condenam as pessoas sem levar em consideração o conjunto probatório existente nos autos, apelando para o emocional da sociedade, explorando a tragédia alheia para ganhar IBOPE e condenando os acusados à morte social...

    Abraço, Elisabete.

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  4. Depois de cruzar o deserto da internet esquivando-me de idéias áridas e subnutridas é reconfortante encontrar vida inteligente em algum lugar, ainda que num blog ofuscado pela histeria coletiva e pelo grito da alcateia a beira da cruz. Parabéns pelo texto. Gostaria de publicá-lo em meu facebook, com a sua venia.


    Alex Augusto Mattos

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Dr. Adãoo Mendes, foi um privilégio e grata satisfação a leitura de teu texto. Advogo na área criminal e leciono Processo Penal na UEMG, tuas idéias nos fortalece para continuarmos acreditando num futuro mais justo e equânime. Rogo a Deus que lhe ilumine em sua jornada profissional para que possa ser instrumento de efetivação de uma Justiça revestida pelos princípios, filosofias e conhecimentos que já lhe tomam a alma. Contine assim, jamais desisita!!! Viali Filho

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    1. Olá, Viali Filho, obrigado por suas palavras de apoio, busco apenas que a justiça seja feita a todos os casos, independentemente do delito cometido, pois acredito que um erro não justifica outro a ser cometido pelo Estado. De fato o Estado tem o direito de punir, desde que dentro dos parâmetros legais e, principalmente, constitucionais como é o da individualização da pena.
      Abraço todos os colegas da Universidade do Estado de Minas Gerais.

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  7. Eu também ( como a sociedade em geral) desejei intensamente que Lindemberg fosse condenado. Entretanto,após ler seu texto e ouvir a opinião de grandes especialistas da área, percebi que a pena aplicada não foi justa.
    A mídia que tanto clamou por justiça e que durante os dias do julgamento convidou vários especialistas para, dentre outras coisas, explicarem o que era um júri,deveria ter convidado esses mesmos especialistas para apreciarem a pena aplicada.
    Penso que assim a mídia estaria mais próxima de fazer a tão almejada justiça. Mas, ela ( a mídia) quer justiça ou quer audiência? Se fosse justiça, mostraria com veemência (com a mesma em que chamou Lindemberg de monstro)os equívocos na aplicação da pena; todavia, como quer audiência, não se ocupará em mostrar ao povo que não é com um erro que se conserta o outro. Em outas palavras, não interessa se a condenação foi justa ou não, o importante é Lindemberg pegou uma "pena pesada", como desejava um certo apresentador sensacionalista.
    Eh,você tem toda razão: "Tomemos cuidado com a mídia, pois amanhã o próximo reality show pode ser estrelado por um de nós!!!"

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    1. Olá, Jaqueline, pois é, esperemos que a os Tribunais em sede de recurso corrijam a pena pesadíssima aplicada ao Lindemberg, adequando-a aos parâmetros legais. No que tange à imprensa, realmente, o que importa é condenar o sujeito - transformando-o em um ser repugnante - com o único fito de elevar o IBOPE, pois, como cediço, a imprensa não tem conhecimentos jurídicos, condenando as pessoas através do apelo emocional feito na sociedade.

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  8. Bem, eu sou leigo nesse assunto. Porém, após ler o texto esclarecedor, eu começo a compreender o porquê da advogada de defesa de Lindeberg mencionar que a magistrada deveria estudar mais um pouco.

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    1. De fato, conforme explanado, foram cometidos alguns erros na sentença condenatória de Lindemberg. Neste ponto, cumpre destacar a atitude do MP de São Paulo querer condená-lo por porte ilegal de armas, sabendo que ele não pode ser condenado por tal crime, uma vez que o crime de porte ilegal de arma é considerado como crime-meio para o cometimento do homicidio (pelo qual ele já foi pesadamente condenado), que é o crime fim. Neste caso, o crime-fim absorve o crime meio, restando somente o crime fim a ser apurado. Vejamos o que vai acontecer.
      abraço.

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  9. Muito bom, fiqui muito feliz com seu histórico.

    Inclusive, quando um jornalista perguntou a mãe de Eloá, sobre o que ela esperava do julgameto, iniciou, ele o jornalista) dizendo. Quanto ao MOnstro (Lindberg), ela recrutou imediatamete: Ele não é um monstro, é uma pessoa que cometeu um erro e precisa pagar por isso e se arrepender. Esta mãe deu uma lição de Justiça mas o Judiciário não entendeu>

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  10. Olá, leitor, de fato, a mãe da Elóa entende que o lindemberg não é um monstro, mas uma pessoa que errou e que merece pagar pelo que fez. Entretanto, conforme explanado por você, o Judiciário não entendeu, preferindo aplicar uma pena totalmente desarrazoada.
    abraço

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  11. Adão, gostei muito de seu texto. Preciso ao apontar de forma técnica e crítica as falhas na sentença analisada, sobretudo a desproporcionalidade da pena aplicada. Me sinto profundamente orgulhoso por ter sido seu professor inclusive nesse tema e testemunhar seu amadurecimento profissional. Parabéns e continue trilhando esse caminho. Forte abraço.
    Moacyr Pitta Lima

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  12. Obrigado, professor Moacyr, realmente as suas aulas foram muito importantes para meu aprendizado sobre o assunto de dosimetria da pena, ou melhor, da matéria de Direito Penal. A você, meu sincero obrigado.

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  13. Querido Adão,

    Excelente texto!! Apesar não me identificar muito com a esfera penal, meus poucos conhecimentos são suficientes para saber que vc está CERTO e a que sentença está ERRADA. Houve erro sim na dosimetria; mais um exemplo da grandiosidade do poder midiático em formar opiniões. Futuro magistrado, é muito bom saber que vc está atento para essas coisas... rsrsrsr

    Um grande abraço, tenho muito orgulho de ser sua colega!!!!
    Brilhe sempre...

    Idalyne Mara (aluna UNEB)

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    1. Oi, Mara, obrigado...No que tange ao seu conhecimento sobre Penal modesta como sempre, não é? Os erros da sentença são bastante visíveis, de fato, mas aguardemos o desenrolar do processo.
      Abraço, Mara.

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  14. Eu já tinha lido antes, Adão! muito bom! vou mandar p essa juíza refletir um pouco..hauahuahuah.
    Thamires Valois (Estudante UNEB).

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  15. Leiga que sou, no que tange a esfera juridico-penal, entendo perfeitamente a força que a mídia exerceu neste caso,e é bom perceber que os futuros magistrados também estão atentos aos nocivos poderes midiáticos. contudo, que estes erros sirvam de reflexão.



    Abraços...
    saudade das nossas conversas na biblioteca do CEACM !!

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  16. O seu BLOG é muito bom, jovem homem do Direito. Lembro-me de quando era meu aluno - polêmico e questionador. Muito criativo, determinado e inteligente. Tenho no meu currículo grandes histórias e boas, você é uma delas. Abraços de quem te admira muito. A JUSTIÇA É LINDA. Osnivan Porto

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