domingo, 17 de outubro de 2010

Princípios éticos no Código de Defesa do Consumidor

1ºVULNERABILIDADE

É necessária a vulnerabilidade para que o consumidor possa ser tutelado pelo Código de Defesa do Consumidor. Conforme o art.2º do CDC, todo consumidor é, por natureza, vulnerável perante o fornecedor.
Segundo Fábio Konder Comparatto, “consumidor, certamente, é aquele que não dispõe de controle sobre os bens de produção e, por conseguinte, consumidor é , de modo geral, aquele que se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, os empresários”.
O CDC tem como desiderato proteger a parte mais fraca na relação consumerista, qual seja, o consumidor. Destarte, é justamente a vulnerabilidade presente nos consumidores que justifica a existência do Código de Defesa do Consumidor.
O CDC tem como objetivo proteger o consumidor (parte vulnerável), promover o equilíbrio contratual, buscando soluções justas e harmônicas.
Segundo Leonardo de Medeiros Garcia, citando ensinamentos de Cláudia Lima Marques, há três tipos de vulnerabilidade: a técnica, a jurídica e a fática ou sócio-econômica.
Em apertada síntese, a vulnerabilidade técnica seria aquela na qual o comprador não possui conhecimentos específicos sobre o produto ou o serviço, podendo portanto, ser mais facilmente iludido no momento da contratação.
A vulnerabilidade jurídica seria a própria falta de conhecimentos jurídicos, ou de outros pertinentes à relação, como contabilidade, matemática financeira e economia.
Já a vulnerabilidade fática é a vulnerabilidade real diante do parceiro contratual, seja em decorrência do grande poderio econômico deste último, seja pela sua posição de monopólio, ou em razão da essencialidade do serviço que presta, impondo, na relação contratual uma posição de superioridade, como por exemplo, as cláusulas contratuais inseridas nos contratos de plano de saúde.
Ao contrário da visão tradicional de contrato, onde a força obrigatória do contrato teria seu fundamento na vontade das partes, na nova concepção de contrato é a lei que reserva um espaço para a autonomia da vontade, para a auto regulação dos interesses privados, sendo permitido ao juiz um controle do conteúdo do contrato, uma interpretação teleológica, onde os valores da lei delimitam o espaço do poder da vontade, no exercício do intervencionismo estatal, mesmo que as partes não queiram, não tenham previsto, ou tenham expressamente excluído no instrumento contratual.
No Direito Civil existe o principio do pacta sunt servanda – os pactos devem ser cumpridos - que é uma das bases do direito privado. Reza esse principio, que as avenças contraídas por pessoas com aptidão para a prática de negócios jurídicos, devem cumprir com os seus acertos, isto é, o que os contratantes acertarem, devem executar e agir conforme o pactuado. Entretanto, este regime não se coaduna com os princípios norteadores do CDC (Lei nº 8.078/90). Segundo Rizzatto Nunes[1]
“Acontece que isto não serve para as relações de consumo. Esse esquema legal privatista para interpretar contratos de consumo é completamente equivocado, porque o consumidor não senta à mesa para negociar cláusulas contratuais”.

Diante disso, em virtude das normas do CDC serem de natureza de ordem pública e interesse social, não é possível a aplicabilidade do pacta sunt servanda, isto é, a força obrigatória dos contratos firmados. O principal motivo se dá porque o CDC afirma ser o consumidor vulnerável. A vulnerabilidade do consumidor se dá sob vários viés: o econômico, técnico, cultural, etc. Destarte, percebe-se que o consumidor é a parte mais fraca (hipossuficiente) na relação jurídica de consumo, assim como o empregado na relação empregatícia.
A partir do momento em que se cristalizou e corporificou-se com muita luta a idéia de fragilidade do consumidor, a partir daí, estava assentado o embrião do CDC.
Cumpre frizar, que antes do CDC, os danos provenientes das relações de consumo eram quase todas que diluídas, haja vista a difícil (quase que impossível) obtenção do conjunto probatório, isto é, a chamada prova diabólica[2].
Com o objetivo de se assegurar a efetiva proteção e defesa do consumidor, o Código de Defesa do Consumidor com “um toque de mágica” inverteu o ônus probatório (art. 6, VIII). Agora, cabe ao réu (fornecedor) a obrigação de provar que as alegações do consumidor são inverídicas.
A sistemática do CDC é justamente a de proteger o consumidor diante do “poder destrutivo” do capital. E ele faz isso com a criação de princípios e normas que tendem a defender a parte mais fraca na relação jurídica de consumo, qual seja, o consumidor.
Cumpre destacar, que o CDC brasileiro é um microssistema jurídico, isto é, é um Código que possui normas de direito material, direito processual e sanção. O nosso CDC é um diploma legal bastante eficaz e moderno. Cumpre destacar, que vários países “copiaram” as normas e princípios do nosso Código de defesa do Consumidor, países como a argentina, por exemplo.


2ºPRINCIPIO DO DEVER GOVERNAMENTAL
Em virtude do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, surge a necessidade de se promover a proteção do elo mais fraco pelos meios legislativos e administrativos, visando garantir o equilíbrio e a harmonia nas relações de consumo.
A atuação do Estado (ação governamental) como verdadeiro poder/dever é feita através da instituição de órgãos públicos de defesa do consumidor (exemplo, PROCONs), como também incentivo à criação de associações destinadas à defesa de tais interesses. Compete ao Estado proteger efetivamente o consumidor, intervindo no mercado de consumo para evitar distorções e desequilíbrios, zelando pela garantia dos produtos ou serviços com padrões adequados de qualidade e segurança, bem como durabilidade e desempenho.


3ºPRINCIPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

A boa-fé objetiva estabelece um dever de conduta entre consumidores e fornecedores no sentido de sempre agirem com lealdade e confiança na busca do fim comum, que é o adimplemento do contrato, protegendo, assim, as expectativas de ambas as partes.
Em outros termos, a boa-fé objetiva constitui um conjunto de padrões éticos de comportamentos, aferíveis objetivamente, que devem ser seguidos pelas partes contratantes em todas as fases de existência da relação contratual, desde a sua criação, durante o período de cumprimento e, até mesmo, após a sua extinção.


EXEMPLO DE PADRÃO ÉTICO NO CDC

Consoante o art.32 do CDC, o fabricante e o importador tem o dever de fornecer e assegurar peças de reposição enquanto durarem a produção ou a importação do produto, e mesmo depois, por um tempo razoável de duração. O CDC não estabelece qual seria este prazo e nem o que seria este “período razoável de tempo”, que o fornecedor deve disponibilizar as peças no mercado de consumo.
Com o objetivo de definir a expressão “período razoável de tempo”, o Decreto-Lei nº2187/97, em seu art.13, XXI, dispõe que o “período razoável” nunca poderá ser inferior ao tempo de vida útil do produto ou serviço.
A jurisprudência tem se inclinado a estabelecer o prazo de 5 anos após o termino da importação ou produção dos produtos ou serviços. Destarte, o fornecedor terá que manter as peças de reposição durante o prazo de cinco anos.
O CDC como norma de interesse público e social, carregado de uma forte carga ética, procura, através dos seus princípios norteadores, proteger consumidor perante o mercado de consumo.


Referências

GARCIA, Leonardo Medeiros de. Direito do Consumidor: Código comentado, jurisprudência, doutrina, questões. 6ª edição. Niterói: Impetus, 2010.
[1] NUNES, Luis Antônio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Editora Saraiva, 4ª edição. São Paulo: 2009.
[2] SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Cilvil. 2º edição, Editora Atlas. São Paulo: 2009.

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