sábado, 21 de julho de 2012

Justiça do Rio de Janeiro desclassifica para homicídio culposo o acidente que matou o filho de Cissa Guimarães

Conforme noticiado nos meios midiáticos de ontem, dia 21 de julho de 2012, o réu Rafael Bussamra, acusado de ser o condutor do automóvel que atropelou e matou o filho da atriz Cissa Guimarães, em julho do ano de 2010, conseguiu a desclassificação da acusação do cometimento de homicídio doloso (eventual) para homicídio culposo (pena de 1 (um) a 3 (três) anos).
Contudo, da análise da referida decisão judicial, observa-se que o Poder Judiciário carioca não agiu com acerto ao realizar a referida desclassificação.
De fato, como bem destacado na citada decisão, existe uma linha muito tênue que separa a culpa consciente do dolo eventual, que só pode ser resolvido a partir da análise de caso caso concreto, mas, frise-se, que na maioria dos casos causa grande tormenta aos operadores do Direito.
Pois bem. 
Contudo, da análise das circunstâncias que circundam o caso em epígrafe, acreditamos que o referido decisum merece ser modificado, uma vez que o fundamento utilizado pelo Poder Judiciário carioca para realizar a desclassificação foi analisado equivocadamente. Neste ponto, cabe trazer à baila trecho da citada decisão, in verbis:

Pois bem. No texto da inicial acusatória constou expressamente que o primeiro denunciado agiu ´completamente indiferente ao resultado que pudesse advir´. Entretanto, a meu sentir, as circunstâncias do evento conduzem a conclusão diametralmente oposta. Assim que atropelou a vítima, o réu Rafael Bussamra parou o seu veículo no local - onde viria, instantes depois, a ser abordado pelos policiais militares - e, de seu celular, ligou de imediato para a Polícia Militar (190) e para a SAMU (192) - ligações efetuadas entre 01:38 e 01:42 horas. (...) Não pode ser classificado como ´indiferente´ o motorista que, imediatamente, após um atropelamento, estaciona no local e procura providenciar socorro e aciona órgãos de Segurança Pública. Se o condutor do veículo atropelador tivesse consentido com o resultado lesivo, estivesse ´indiferente´ ao mesmo, certamente teria agido de outra forma, ainda mais favorecido pelo horário (N. N).

Da análise do decisum, observa-se que o fundamento suficiente para realizar a desclassificação de homicídio doloso (dolo eventual) para culposo foi apenas porque se entendeu que o réu não foi indiferente quanto ao resultado (morte a vítima), pelo simples fato de ter, frise-se, após ter desrespeitado diversas normas de trânsito (velocidade acima do permitido, entre 90 a 100 Km/hs, realizando "Racha" ou "pega"), ligado para o SAMU e para a polícia para informar do "acidente" ocorrido.
Impende destacar, que a análise de que o agente foi "indiferente" ou não quanto ao resultado deve ser feita antes da ocorrência deste, ou seja, não após. 
No caso em apreço, a indiferença do réu quanto ao resultado está bastante delineada na peça acusatória:

(...) o 1º denunciado - Rafael de Souza Bussamra, assumindo o risco de forma livre e consciente, não desacelerou seu veículo que trafegava a aproximadamente 100 km/h e, com o objetivo de vencer a disputa criminosa, ultrapassou pela direita o automóvel conduzido pelo 2º denunciado. Ao efetuar esta ultrapassagem em alta velocidade, o veículo atropelou Rafael Mascarenhas que, logo após a curva, realizava uma manobra com seu skate no lado direito da pista. Assim, o 1º denunciado assentiu com o possível e provável atropelamento pois, além de criar o perigo ao trafegar em alta velocidade em via interditada, decidiu não diminuir a velocidade ao avistar pessoas na pista. Ao contrário, efetuou uma manobra brusca e repentina para ultrapassar o outro veículo, completamente indiferente ao resultado que pudesse advir. A vítima, que estava distante de seus três amigos, após a última curva do túnel, manobrava, de costas, seu skate, quando foi atropelado pelo automóvel conduzido pelo 1º denunciado. No choque, seu corpo colidiu sucessivamente com o para-choque, capô, para-brisa dianteiro e teto do automóvel, sendo arremessado a vários metros do local. Dessa forma, a vítima sofreu traumatismo craniano e hemorragia interna que causaram sua morte (N. N).

Desta forma, verifica-se que o réu Rafael Bussamra foi completamente indiferente ao resultado (morte), uma vez que da sua conduta era perfeitamente previsível a ocorrência de algum dano a quem quer que estivesse em seu caminho. Ademais, resta claro que o mesmo agiu com dolo eventual, tendo em vista que após avistar pessoas dentro do túnel poderia ter desistido de realizar o referido "racha", mas assim não o fez, preferiu ir até o fim na sua empreitada, sendo indiferente quanto ao resultado.
Outrossim, para se visualizar a fragilidade do fundamento de desclassificação - de que o réu não foi indiferente quanto ao resultado -, basta pensar na seguinte situação hipotética: jovens que jogam gasolina em alguém e depois colocam fogo, mas, logo após, ligam para o SAMU pedindo ajuda. De acordo com o fundamento utilizado pela Justiça carioca, por eles não terem agido com indiferença (uma vez  que ligaram para pedir socorro para a vítima), deveriam responder apenas por homicídio culposo ou lesão seguida de morte.
Infelizmente, esse tipo de decisão faz a sociedade não acreditar no Poder Judiciário.
Diante o exposto, esperamos que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro consiga reverter a referida decisão, conseguindo que o réu seja pronunciado por homicídio doloso (eventual) e que o Tribunal do Júri decida por sua absolvição ou condenação, uma vez que o colegiado popular é o órgão constitucional competente para o julgamento de crimes dolosos (dolo direto e eventual) contra a vida.

Um comentário:

  1. Muito Bom. Beira ao ridículo a fundamentação do juiz. Entendimento dos Tribunais Superiores é que Racha é dolo eventual. Essa desclassificação é uma piada de muito mal gosto.

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