sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Caso Dorothy Stang: Erros técnicos-jurídicos na sentença que condenou VITALMIRO BASTOS DE MOURA


Ontem, no dia 19 de setembro de 2013, foi concluído o julgamento do mandante do homicídio praticado em 2005 contra a missionária Dorothy Stang, tendo VITALMIRO BASTOS DE MOURA sido condenado pela 2ª Vara do Tribunal do Júri de Belém/PA à pena de 30 (trinta) anos de reclusão (link abaixo).
Ocorre que, da análise cuidadosa da sentença condenatória, verifica-se que a mesma possui erros técnicos-jurídicos, os quais acabaram por acarretar uma reprimenda mais dura do que a que seria devida, considerando-se a fundamentação esposada.
Insta registrar, que o Conselho de Sentença reconheceu a presença de 2 (duas) qualificadoras, quais sejam, a da promessa de recompensa (art.121, §2º, I, Código Penal) e a que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima (art.121, §2º, IV, CP). Outrossim, fora reconhecida ainda a agravante do art.61, II, "h", do CP, ante a vítima possuir mais de 60 (sessenta) anos.
Passemos a analisar a fundamentação do édito condenatório. 
Inicialmente, calha destacar, que das 6 (seis) circunstâncias judiciais consideradas desfavoráveis ao réu, 3 (três) delas foram valoradas (negativamente) indevidamente, senão vejamos.
A primeira delas foi a conduta social do réu. Segundo trecho da sentença, "CONDUTA SOCIAL e PERSONALIDADE, entendo voltadas para a violência, além de perversa e covarde, demonstrando ser o corréu pessoa inadaptada ao convívio social por não vicejarem no seu espírito sentimentos de amor, amizade, generosidade e solidariedade para com o semelhante, colocando acima de qualquer valor relevante suas pretensões patrimoniais".
Da análise do referido trecho, vê-se claramente que foram "misturados" os conceitos de conduta social (do réu) e personalidade, ambas circunstâncias judiciais previstas no art.59 do CP. Da fundamentação exposta acima, a mesma serviria apenas para justificar o recrudescimento da personalidade, jamais a da conduta social.
Isto porque, a conduta social se refere ao sentimento que a comunidade tem sobre o réu, como por exemplo, se é bem visto em sua comunidade, considerado amigo pela vizinhança, um bom pai, se é querido no trabalho, etc. A fundamentação usada acima, assim, nada tem a ver com conceito de conduta social aceita pacificamente pela doutrina e jurisprudência pátrias. Neste sentido, ao discorrer sobre a conduta social, GUILHERME DE SOUZA NUCCI ensina que:

É o papel do réu na comunidade, inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança, dentre outros, motivo pelo qual além de simplesmente considerar o fator conduta social preferimos incluir a expressão inserção social. Não somente a conduta antecedente do agente em seus vários setores de relacionamento, mas sobretudo o ambiente no qual está inserido são capazes de determinar a justa medida da reprovação que seu ato criminoso possa merecer. (Individualização da Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.200/201). (negritei)

Assim, o aumento decorrente pela valoração negativa da conduta social constitui-se em deslize técnico-jurídico.
Outro deslize ocorrido no processo dosimétrico foi valorar negativamente as circunstâncias do crime, colhe-se da sentença o seguinte: "(...) As CIRCUNSTÂNCIAS desfavoráveis ao mesmo, e as CONSEQUÊNCIAS do crime entendo graves, pois foi ceifada a vida de um ser humano". - sublinhei.
Ora, da análise do trecho referente às circunstâncias, observa-se claramente que não há nenhuma fundamentação concreta, havendo somente a afirmativa de que as circunstâncias são negativas, mas, frise-se, sem declinar nenhum fundamento apto a justificar o recrudescimento da sanção penal. Sobre o tema, RICARDO SCHMITT afirma que: "A sentença que não fundamenta sua valoração das circunstâncias do crime ou que não indica os elementos concretos que formaram o convencimento do juiz quanto a essa valoração padece de nulidade". (Sentença Penal Condenatória. 7ª Ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p.138).

Assim, no caso da valoração negativa das circunstâncias do crime o erro técnico-jurídico se deu porque não houve fundamentação concreta no édito condenatório. Pergunta-se. Poderia ter sido utilizada corretamente? Poderia, mas não o foi porque não houve fundamentação em dados concretos do processo.
O outro deslize foi considerar a morte da vítima como consequência desfavorável ao réu num crime de homicídio. Ora, a morte da vítima é consequência natural no delito de homicídio, logo, não pode ser valorada pelo juiz no momento da fixação da pena, sob pena de odiável dupla apenação (bis in idem), vedado em nosso ordenamento jurídico. Nessa senda, GUILHERME DE SOUZA NUCCI, leciona:

O mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico, é a consequência a ser considerada para a fixação da pena. É lógico que num homicídio, por exemplo, a consequência natural é a morte de alguém e, em decorrência disso, uma pessoa pode ficar viúva ou órfã. Diferentemente, um indivíduo que assassina a esposa na frente dos filhos menores, causando-lhes um trauma sem precedentes, precisa ser mais severamente apenado, pois trata-se de uma consequência não natural do delito. (Individualização da Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.226). - negritei

Como se sabe, o bem jurídico tutelado no delito de homicídio é a vida do indivíduo, razão pela qual, ante a gravidade da violação de tal bem jurídico e, assim, a causação da morte (decorrência natural no crime de homicídio) de alguém, o legislador fixou para o homicídio uma das maiores penas para os infratores da lei penal. Dissertando sobre a função limitadora do bem jurídico no que se refere à aplicação da pena, o insigne professor de Direito Penal da USP, DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO ensina que:

É defeso ao magistrado elevar a sanção, no trabalho de motivação e aplicação da pena, em razão da virulência do ataque ou da gravidade de lesão ao bem jurídico, tomando circunstâncias já consideradas no tipo incriminador. Se assim o fizer, incidirá no bis in idem, repetindo para a gravidade do crime a modalidade ou o grau de intensidade da ofensa, ambos já considerados e avaliados pelo legislador ao fixar a quantidade da pena mínima. (Dosimetria da Pena: causas de aumento e diminuição. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p.42).

Ora, considerar a morte da vítima no crime de homicídio como consequência desfavorável é claro bis in idem, pois o legislador, ante as graves consequências deste crime (morte de alguém), no primeiro momento de individualizar a pena (fase legislativa), fixou para este delito uma das maiores reprimendas, basta ver o homicídio qualificado (art.121, §2º, I a V, do CP), no qual a pena mínima é de 12 (doze) anos e o máximo é de 30 (trinta) anos de reclusão.
Assim, suprimindo da condenação de VITALMIRO BASTOS estas 3 (três) circunstâncias judiciais (leia-se: conduta social, circunstâncias e consequências do crime), tem-se que a pena-base deveria ter sido fixada em 18 (dezoito) anos  e 07 (sete) meses de reclusão.
Outrossim, na 2ª fase do processo dosimétrico da pena, ante a incidência da agravante constante do art.61, II, "h" do CP (vítima maior de 60 anos), com um aumento do ideal imaginário de 1/6 (um sexto), a pena provisória chegaria a 21 (vinte e um) anos e 07 (sete) meses de reclusão.
Ademais, há ainda outra agravante a ser aplicada. Explica-se, como é cediço, diante da existência de mais de 1 (uma) qualificadora - in casu, foram reconhecidas 2 (duas) pelo Conselho de Sentença -, uma serve para qualificar e a outra para usar como circunstância agravante, desde que esteja prevista no rol do art.61 ou art.62 do CP. É justamente o caso da qualificadora do art.121, §2º, IV, CP, que possui uma agravante correspondente no art.61, II, "c", do CP.
Se não houvesse previsão da qualificadora como agravante, ela deveria ser analisada na análise das circunstâncias judiciais, notadamente na análise das circunstâncias, tendo em vista que todas as circunstâncias que envolvem o fato delituoso devem ser consideradas para fins de fixação da pena.
Assim, aplicando-se esta segunda agravante (1/6), a pena definitiva de VITALMIRO BASTOS chegaria a 24 anos e 07 (sete) meses de reclusão (ante a ausência de causas de aumento ou diminuição da pena), em total respeito aos ditames do Sistema Trifásico de aplicação da pena e ao princípio constitucional da individualização da pena (art.5º, XLVI, Carta Política de 1988).









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