terça-feira, 1 de junho de 2021

É crime dar ou usar atestado médico falso para poder vacinar contra a COVID-19?

Durante a Pandemia da COVID-19 algumas doenças (comorbidades) são elencadas como motivo para que os seus portadores possam ser vacinados de imediato, como por exemplo, diabetes, hipertensão e arritmias cardíacas, sem ter que esperar pela vacinação etária ou por conta de sua profissão.

Com efeito, desde o dia 27.05.2021 ganhou notoriedade caso de um médico que foi preso no Rio de Janeiro, sob a acusação de supostamente estar vendendo falsos atestados médicos de comorbidades para que pessoas pudessem se vacinar contra a Covid-19, frise-se, caso concreto que ainda está em fase de investigação.

Assim, resta analisar se a venda de atestado médico falso é crime e, caso positivo, quais infrações penais podem estar sendo cometidas pelo médico e pela pessoa que faz uso do atestado médico falso para poder se vacinar contra a COVID-19.

Quanto ao médico, não resta dúvida de que ele comete o crime capitulado no art.302 do Código Penal (CP), in verbis: “Dar o médico, no exercício da sua profissão, atestado falso: Pena - detenção, de um mês a um ano. Parágrafo único - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.”

Cabe destacar que o crime do art.302 é uma espécie de falsidade ideológica, em que apenas o médico pode ser o sujeito ativo (quem comete o crime), razão pela qual é um tipo de crime próprio, pois só aquele profissional pode cometê-lo.

Desta forma, caso a conduta seja praticada por um dentista, o crime será de falsidade ideológica do art.299 do Código Penal, in verbis:

 

Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.  

 

Com sua peculiar argúcia, o mestre Nelson Hungria (1958, p.294) lecionava que: “A falsidade deve versar sobre a existência ou inexistência de alguma enfermidade ou condição higiênica, atual ou pretérita, do indivíduo a que se destina o atestado”.

Sendo assim, quando o médico dar, no exercício da sua profissão, atestado falso atestando a existência de comorbidade para que seja possível a vacinação contra COVID-19, ele estará sujeito à pena do crime do art.302 do CP, além de sofrer penalidades no âmbito administrativo do Conselho de Medicina.

Em outras palavras, é crime a conduta do médico que dar atestado médico falso atestando a existência de comorbidade para que seja possível a vacinação contra COVID-19.

Ademais, caso ele tenha praticado o crime visando o recebimento de valores, isto é, por ter vendido o atestado falso, ele ainda estará sujeito à pena de multa, conforme estabelece o Parágrafo único do art.302 do CP.

Destaque-se que a pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, conforme regra do art.49 do CP.

Outrossim, o valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário (§ 1º do art.49 do CP).

Para um maio aprofundamento legal e jurisprudencial sobre a aplicação da pena de multa, conferir meu livro Aplicação da Pena: doutrina e jurisprudência (2020, 258 páginas).

Já no que se refere à pessoa que usa o atestado falso, onde consta o atestado da existência de comorbidade para que seja possível a vacinação contra COVID-19, ele estará sujeito à pena do crime do art.304 do CP, in verbis: “Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração”.

Traz-se novamente à baila os ensinamentos do mestre, Nelson Hungria (1958, p.297): “Não menos criminoso que a falsificação documental, material ou ideológica, é o uso do documento falso. [...] O nosso Código Penal submete à mesma pena o falsificador e o usuário” (negritei).

Em outras palavras, tanto o médico como a pessoa que usou o atestado falso responderão pela mesma pena do art.302 do CP.

Cabe destacar, porém, que se o médico que fizer o atestado falso for do Sistema Único de Saúde (SUS), ele responderá pelo crime do art. art. 301 do CP: “Atestar ou certificar falsamente, em razão de função pública, fato ou circunstância que habilite alguém a obter cargo público, isenção de ônus ou de serviço de caráter público, ou qualquer outra vantagem: Pena - detenção, de dois meses a um ano”.

Por fim, caso o usuário receba um atestado médico verdadeiro, mas realize uma falsificação material, alterando o documento, ele responderá pelo crime de falsificação de documento particular (art.298, CP), com pena de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, caso se trate de atestado dado por médico particular ou então pelo crime de Falsificação de documento público (art.297, CP), com pena de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa, no caso de atestado fornecido por médico do SUS.

Diante o exposto, tem-se que é crime tanto a conduta do médico que dá ou vende atestado médico falso atestando a existência de doença inexistente para que alguém possa se vacinar contra a COVID-19, bem como também é crime a conduta da pessoa que se utiliza do referido atestado médico falso, onde todos responderão pelo crime do art.302 do CP (no caso de médico particular) ou do art.301 (no caso de médico do SUS).

 

REFERÊNCIAS

GOMES, Adão Mendes. Aplicação da Pena: doutrina e jurisprudência. Taboão da Serra, SP: Vicenza Edições Acadêmicas, 2020. Link para a compra do livro: https://livrariavicenza.com.br/produto/aplicacao-da-pena-comentarios-e-jurisprudencia/

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, vol. IX, arts.250 a 361. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1958.

 

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