sábado, 3 de abril de 2021

O STF decide sobre a desproporcionalidade da pena do crime de importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária

 

No dia 24.03.2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o Recurso Extraordinário nº979962, com repercussão geral reconhecida, o qual versou sobre a proporcionalidade da pena do crime de importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária, previsto no inciso I do §1º-B do art.273 do CP.

De acordo com o inciso I do §1º-B do art.273 do CP, está sujeito às penas deste artigo (art.273, CP) quem pratica as ações previstas no §1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente, cuja pena também é de 10 (dez) a 15 (quinze) anos de reclusão, e multa.

Com efeito, a pena referida é muito desproporcional quando se compara as penas de crimes mais graves, a exemplo do estupro de vulnerável (art.217-A, CP), cuja pena é de 8 (oito) a 15 (quinze) anos; do crime de extorsão mediante sequestro (art.159, CP), com pena de 8 (oito) a 15 (quinze) anos ou até do crime de tráfico de drogas (art.33, Lei nº11.343/06), cuja pena varia de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos.

Diz-se desproporcional porque a gravidade dos crimes do parágrafo anterior é incomparável com a pena do inciso I do §1º-B do art.273 do CP, onde o agente apenas realizou a importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária.

Considerando o princípio da individualização da pena, tem-se que a pena prevista em lei deve ser proporcional à violação do bem jurídico protegido pela norma penal.

No meu manual sobre a aplicação da pena, ao tratar do princípio da proporcionalidade, escrevi (2020, p.48):

 

[...] verifica-se que não basta a tipificação de uma conduta humana como delituosa por intermédio da lei em sentido estrito – a qual deve possuir no seu preceito secundário a quantidade mínima e máxima de pena -, necessário se faz ainda que o tipo penal observe uma proporção entre a gravidade da conduta criminosa praticada e a quantidade de pena a ser aplicada, sob pena de violação ao princípio da proporcionalidade.

 

Sendo assim, no caso concreto, havendo desproporcionalidade entre a pena prevista e a gravidade da conduta, deve o magistrado aplicar a pena que seja proporcional para aquele crime, tendo em vista o respeito ao princípio da proporcionalidade.

Nesse sentido, o STF fixou a seguinte tese:

 

É inconstitucional a aplicação do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.677/98 (reclusão, de 10 a 15 anos, e multa), à hipótese prevista no seu § 1º-B, I, que versa sobre a importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para esta situação específica, fica repristinado o preceito secundário do art. 273, na redação originária (reclusão, de 1 a 3 anos, e multa)

 

Em outras palavras, o STF entendeu que a pena do inciso I do §1º-B do art.273 do CP é desproporcional com a referida figura típica, aplicando-se, em seu lugar, a pena prevista antes (repristinando) da alteração feita pela Lei nº9.677/98, que era de apenas 1 (um) a 3 (três) anos e multa.

Cabe lembrar, que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), de forma semelhante, vem considerando a desproporcionalidade do crime do inciso V do §1º-B do art.273, referente ao produto ser de procedência ignorada, cuja pena também é de 10 (dez) a 15 (quinze) anos de reclusão, porém, aplicando-se, em seu lugar, a pena de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos, referente ao crime de tráfico de drogas.

Nesse sentido, conferir as decisões do STJ: AgRg no AREsp 1192979/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, 5ª TURMA, DJe 01/02/2019 e AI no HC 239.363/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, CORTE ESPECIAL, DJe 10/04/2015.

Com efeito, considerando a desproporcionalidade constante dos incisos I e V do §1º-B do art.273 do CP, tem-se como acertado o entendimento do STF e STJ, ao não aplicar a pena atualmente prevista de 10 (dez) a 15 (quinze) anos de reclusão, ante a necessidade de respeito aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena.

 

REFERÊNCIA

GOMES, Adão Mendes. Aplicação da Pena: doutrina e jurisprudência. 1ª ed. Taboão da Serra, SP: Vicenza Edições Acadêmicas, 2020.

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