domingo, 17 de outubro de 2010

Princípios éticos no Código de Defesa do Consumidor

1ºVULNERABILIDADE

É necessária a vulnerabilidade para que o consumidor possa ser tutelado pelo Código de Defesa do Consumidor. Conforme o art.2º do CDC, todo consumidor é, por natureza, vulnerável perante o fornecedor.
Segundo Fábio Konder Comparatto, “consumidor, certamente, é aquele que não dispõe de controle sobre os bens de produção e, por conseguinte, consumidor é , de modo geral, aquele que se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, os empresários”.
O CDC tem como desiderato proteger a parte mais fraca na relação consumerista, qual seja, o consumidor. Destarte, é justamente a vulnerabilidade presente nos consumidores que justifica a existência do Código de Defesa do Consumidor.
O CDC tem como objetivo proteger o consumidor (parte vulnerável), promover o equilíbrio contratual, buscando soluções justas e harmônicas.
Segundo Leonardo de Medeiros Garcia, citando ensinamentos de Cláudia Lima Marques, há três tipos de vulnerabilidade: a técnica, a jurídica e a fática ou sócio-econômica.
Em apertada síntese, a vulnerabilidade técnica seria aquela na qual o comprador não possui conhecimentos específicos sobre o produto ou o serviço, podendo portanto, ser mais facilmente iludido no momento da contratação.
A vulnerabilidade jurídica seria a própria falta de conhecimentos jurídicos, ou de outros pertinentes à relação, como contabilidade, matemática financeira e economia.
Já a vulnerabilidade fática é a vulnerabilidade real diante do parceiro contratual, seja em decorrência do grande poderio econômico deste último, seja pela sua posição de monopólio, ou em razão da essencialidade do serviço que presta, impondo, na relação contratual uma posição de superioridade, como por exemplo, as cláusulas contratuais inseridas nos contratos de plano de saúde.
Ao contrário da visão tradicional de contrato, onde a força obrigatória do contrato teria seu fundamento na vontade das partes, na nova concepção de contrato é a lei que reserva um espaço para a autonomia da vontade, para a auto regulação dos interesses privados, sendo permitido ao juiz um controle do conteúdo do contrato, uma interpretação teleológica, onde os valores da lei delimitam o espaço do poder da vontade, no exercício do intervencionismo estatal, mesmo que as partes não queiram, não tenham previsto, ou tenham expressamente excluído no instrumento contratual.
No Direito Civil existe o principio do pacta sunt servanda – os pactos devem ser cumpridos - que é uma das bases do direito privado. Reza esse principio, que as avenças contraídas por pessoas com aptidão para a prática de negócios jurídicos, devem cumprir com os seus acertos, isto é, o que os contratantes acertarem, devem executar e agir conforme o pactuado. Entretanto, este regime não se coaduna com os princípios norteadores do CDC (Lei nº 8.078/90). Segundo Rizzatto Nunes[1]
“Acontece que isto não serve para as relações de consumo. Esse esquema legal privatista para interpretar contratos de consumo é completamente equivocado, porque o consumidor não senta à mesa para negociar cláusulas contratuais”.

Diante disso, em virtude das normas do CDC serem de natureza de ordem pública e interesse social, não é possível a aplicabilidade do pacta sunt servanda, isto é, a força obrigatória dos contratos firmados. O principal motivo se dá porque o CDC afirma ser o consumidor vulnerável. A vulnerabilidade do consumidor se dá sob vários viés: o econômico, técnico, cultural, etc. Destarte, percebe-se que o consumidor é a parte mais fraca (hipossuficiente) na relação jurídica de consumo, assim como o empregado na relação empregatícia.
A partir do momento em que se cristalizou e corporificou-se com muita luta a idéia de fragilidade do consumidor, a partir daí, estava assentado o embrião do CDC.
Cumpre frizar, que antes do CDC, os danos provenientes das relações de consumo eram quase todas que diluídas, haja vista a difícil (quase que impossível) obtenção do conjunto probatório, isto é, a chamada prova diabólica[2].
Com o objetivo de se assegurar a efetiva proteção e defesa do consumidor, o Código de Defesa do Consumidor com “um toque de mágica” inverteu o ônus probatório (art. 6, VIII). Agora, cabe ao réu (fornecedor) a obrigação de provar que as alegações do consumidor são inverídicas.
A sistemática do CDC é justamente a de proteger o consumidor diante do “poder destrutivo” do capital. E ele faz isso com a criação de princípios e normas que tendem a defender a parte mais fraca na relação jurídica de consumo, qual seja, o consumidor.
Cumpre destacar, que o CDC brasileiro é um microssistema jurídico, isto é, é um Código que possui normas de direito material, direito processual e sanção. O nosso CDC é um diploma legal bastante eficaz e moderno. Cumpre destacar, que vários países “copiaram” as normas e princípios do nosso Código de defesa do Consumidor, países como a argentina, por exemplo.


2ºPRINCIPIO DO DEVER GOVERNAMENTAL
Em virtude do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, surge a necessidade de se promover a proteção do elo mais fraco pelos meios legislativos e administrativos, visando garantir o equilíbrio e a harmonia nas relações de consumo.
A atuação do Estado (ação governamental) como verdadeiro poder/dever é feita através da instituição de órgãos públicos de defesa do consumidor (exemplo, PROCONs), como também incentivo à criação de associações destinadas à defesa de tais interesses. Compete ao Estado proteger efetivamente o consumidor, intervindo no mercado de consumo para evitar distorções e desequilíbrios, zelando pela garantia dos produtos ou serviços com padrões adequados de qualidade e segurança, bem como durabilidade e desempenho.


3ºPRINCIPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

A boa-fé objetiva estabelece um dever de conduta entre consumidores e fornecedores no sentido de sempre agirem com lealdade e confiança na busca do fim comum, que é o adimplemento do contrato, protegendo, assim, as expectativas de ambas as partes.
Em outros termos, a boa-fé objetiva constitui um conjunto de padrões éticos de comportamentos, aferíveis objetivamente, que devem ser seguidos pelas partes contratantes em todas as fases de existência da relação contratual, desde a sua criação, durante o período de cumprimento e, até mesmo, após a sua extinção.


EXEMPLO DE PADRÃO ÉTICO NO CDC

Consoante o art.32 do CDC, o fabricante e o importador tem o dever de fornecer e assegurar peças de reposição enquanto durarem a produção ou a importação do produto, e mesmo depois, por um tempo razoável de duração. O CDC não estabelece qual seria este prazo e nem o que seria este “período razoável de tempo”, que o fornecedor deve disponibilizar as peças no mercado de consumo.
Com o objetivo de definir a expressão “período razoável de tempo”, o Decreto-Lei nº2187/97, em seu art.13, XXI, dispõe que o “período razoável” nunca poderá ser inferior ao tempo de vida útil do produto ou serviço.
A jurisprudência tem se inclinado a estabelecer o prazo de 5 anos após o termino da importação ou produção dos produtos ou serviços. Destarte, o fornecedor terá que manter as peças de reposição durante o prazo de cinco anos.
O CDC como norma de interesse público e social, carregado de uma forte carga ética, procura, através dos seus princípios norteadores, proteger consumidor perante o mercado de consumo.


Referências

GARCIA, Leonardo Medeiros de. Direito do Consumidor: Código comentado, jurisprudência, doutrina, questões. 6ª edição. Niterói: Impetus, 2010.
[1] NUNES, Luis Antônio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Editora Saraiva, 4ª edição. São Paulo: 2009.
[2] SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Cilvil. 2º edição, Editora Atlas. São Paulo: 2009.

Dosimetria da pena


SENTENÇA

GERALDO DA CONCEIÇÃO (ver nota), fora acusado pelo crime de lesão corporal de natureza gravíssima, haja vista ter arremessado uma garrafa de cerveja em seu irmão, mas a garrafa acertou numa menor de idade – Marcela Menezes -, filha do dono do bar onde ocorreu o fato delituoso.
Em harmonia com o exposto, julgo procedente o pedido, condenando o acusado Geraldo da Conceição, como incurso na sanção do art. 129, §§2º, IV, 4º do CP.
Doravante, passo à dosimetria da pena.
Preambularmente, cabe salientar, que no caso sub judice ocorreu o que a doutrina denomina de aberractio ictus, isto é, erro na execução do crime. Segundo o festejado penalista, Fernando Capez, “aberractio ictus com unidade simples ocorre quando o agente acerta bem jurídico diverso do pretendido (Curso de Direito Penal, p.236)”.
Diante disso, deverá ser considerado como parâmetro para a fixação da pena do caso em concreto, as características da vitima virtual, isto é, da pessoa que o agente queria acertar (seu irmão Lúcio) e não da efetivamente acertada (a menor de idade Marcela Menezes). Inclusive é o que prescreve o art.73 do CP: “quando por acidente ou erro nos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela”.
Da análise das circunstâncias judiciais insculpidas no art.59 do CP, conclui-se que o acusado possui uma personalidade tranqüila, não possuindo até este momento de sua vida, qualquer história de violência. É uma pessoa querida no trabalho e no bairro onde mora, sendo um bom pai e marido. Entretanto, a conseqüência do crime foi assaz gravosa, tendo em vista que a vitima perdeu a visão do olho atingido, sem falar na enorme cicatriz que a mesma terá que suportar por toda a sua vida. Portanto, tendo em vista haver um maior número de critérios em favor do agente, a pena-base deverá ter um aumento um pouco acima do mínimo previsto legalmente. Destarte, fixo a pena-base em 3 (três) anos.
Na 2ª fase de aplicação da pena há uma agravante, tendo em vista que o crime foi cometido contra o irmão do réu, conforme a inteligência do art.61, II, “e” do CP. Entrementes, há a ocorrência de 2 atenuantes genéricas:
a) procurado, logo após o crime, minorar-lhe as conseqüências do crime e, por fim, b) ter confessado espontaneamente a autoria do crime. Em virtude do número maior de atenuantes, reduzo a pena de 3 (três) anos para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
Por fim, na 3ª e última fase de dosimetria da pena, percebe-se que há uma causa de diminuição da pena, tendo em vista que o réu estava sob influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vitima (o soco que levou de seu irmão), conforme preceitua o art.129, §4 do CP. Diante deste fato, reduzo a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses em 1/6, perfazendo um total de 2 (dois) anos e 1(um) mês de reclusão. E torno-a definitiva, haja vista a inexistência de qualquer causa aumentadora ou diminutiva da pena.
Para a determinação do regime inicial de cumprimento da pena, após a observância dos critérios elencados no art.59 do CP e, tendo em vista que a condenação fora inferior a 4 (quatro) anos e também, por não ser o condenado reincidente, determino que o mesmo cumpra a pena em regime inicialmente aberto, conforme determina o art.33, §2, “c” do CP.
Após o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu no rol dos culpados para a execução da pena.
Salvador, 06 de Junho de 2010.
Juiz-Presidente

Nota: Todos os nomes e dados pessoais inclusos no texto são fictícios.

Lei de Registros Públicos: possibilidade de alteração do nome

A Lei de Registros Públicos (6.015/73) prevê a imutabilidade dos nomes das pessoas, como uma forma de salvaguardar interesses de terceiros. Entretanto, esta mesma lei prevê a possibilidade de alteração do nome, na seguinte situação: quando o nome ou o nome e sobrenome levarem o seu possuidor a ser motivo de chacota, humilhação, gaiatice, isto é, quando a pessoa for vítima de gozação.

Consoante a supracitada lei dos registros públicos, quando alguém possuir um nome ridículo, como por exemplo, um dois três de oliveira quatro, esta pessoa tem o direito de alterar o seu nome, haja vista ser motivo de chacota na sociedade, o que a lei repudia e proíbe. Diante disso, qualquer pessoa que se sentir humilhada ou desgostosa pode se dirigir à defensoria pública e requerer que eles ingressem com uma ação para alterar seu nome. O principal meio de prova é arrolar (levar) algumas testemunhas para provar o seu desgosto e a chacota, tendo todo o direito de alterar o seu nome, haja visto que a lei proibe que o nome seja motivo de chacota e exponha o seu possuidor ao ricículo.

A Lei de Registros Públicos (6.015/73) prescreve ainda que é possível a adição de nomes notórios, mas estes nomes têm que ser em lingua portuguesa, isto é, não pode ser de origem estrangeira...foi o que aconteceu com o nosso Presidente Lula, que adicionou o apelido "Lula" ao seu nome...e também a apresentadora XUXA MENEGUEL.

Portanto, segundo a supracitada lei, desde que o indíviduo possua um apelido notório, este tem o direito público subjetivo de alterar o seu nome incluindo o apelido notório.

Todavia, a regra geral é a imutabilidade do nome (prenome e sobrenome) com o objetivo de proteger interesses de terceiros e manter a segurança jurídica.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A Prescrição Administrativa nos processos de multa de trânsito!!!

No que tange aos processos administrativos com finalidade de aplicação de multas de trânsito, infelizmente, reina em diversas Autoridades de Trânsito no Brasil o Princípio da Demora ou Omissão em julgar os referidos processos, chegando ao irrazoável de milhares de processos administrativos estarem em tramitação a mais de 5 (cinco) e 8 (oito) anos, levando os motoristas penalizados a percorrer uma verdadeira via crucis até ver ser julgados seus pleitos.
Contudo, esquecem as autoridades responsáveis pelo julgamento de tais penalidades, a superveniência da prescrição (administrativa), o que indubitavelmente levaria à decretação de extinção do direito do Estado punir os motoristas infratores. Neste ponto, analisemos o que diz a doutrina a respeito da prescrição.
Segundo Clóvis Beviláqua (1980, p.286), “prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso delas, durante um determinado espaço de tempo”. Também, no caso do processo administrativo, o objetivo primordial do prazo prescricional é tolher a insegurança entre os indivíduos no trato de suas relações jurídicas e manter a paz social.
No âmbito do direito administrativo também ocorre o fenômeno da prescrição, que se chama de prescrição administrativa. De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002, p.609), “a prescrição administrativa indica a perda do prazo para aplicação de penalidades administrativas”.
Cabe salientar, que o Código de Trânsito Brasileiro – CTB (Lei nº 9.503/97) é silente quanto a prazos prescricionais para a extinção dos processos administrativos “parados” sem julgamento ou à espera de algum despacho. Diante disso, necessário se faz a utilização de outros dispositivos legais para a aplicação do instituto da prescrição e conseqüentemente alcançar a tão almejada “paz social”.
Di Pietro (2002, p.610) entende que, no silêncio da lei, a prescrição administrativa ocorre em cinco anos, nos termos do Decreto n° 20.910/32. Nestes termos, dispõe o decreto em exame:


Art.1° As dividas passivas da União, dos estados e dos municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.



Na mesma senda, consoante a Ministra do STJ, Eliana Calmon, na ausência de uma definição legal especifica sobre a matéria, o prazo prescricional para a cobrança de multa, crédito de natureza administrativa, deve ser fixado em cinco anos, até porque não seria legitimo gozarem a União, o estado ou o município de tratamento diferenciado em relação ao administrado.
Diante do exarado, o direito da Administração Pública de aplicar penalidades administrativas – e a multa de trânsito o é por excelência – prescreve em cinco anos com base no art.1° do Decreto n° 20.910/32.
Diante da inércia da Administração – por no mínimo cinco anos – forçoso é reconhecer a perda do jus puniend da mesma e conseqüentemente a extinção das penalidades impostas pelas Autoridades de Trânsito no exercício do seu poder de policia.
Com o escopo de expurgar a insegurança jurídica no processo administrativo - que se prolongue há mais de cinco anos sem julgamento – e manter aceso o postulado da paz social que é inerente a um Estado Democrático de Direito, forçoso é reconhecer a ocorrência da prescrição administrativa.



Referências

BEVILAQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980.

PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 14ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Breve noção de Controle de Constitucionalidade

1 – INTRODUÇÃO

O modelo de constitucionalidade brasileiro é um mesclado dos dois modelos de constitucionalidade então existentes. O modo de controle brasileiro é hibrido, haja vista ser este a fusão do modelo difuso (predominante nos Estados Unidos da América) com o controle concentrado predominante na Europa.
No modelo de controle de constitucionalidade difuso ou concreto, a aferição de constitucionalidade de leis e atos do poder público compete a qualquer juiz ou tribunal, ou seja, há uma descentralização da competência de fazer o controle de constitucionalidade, porque tal aferição poderá ser feita por qualquer magistrado e não apenas por uma corte suprema. O modelo difuso é originário e predominante nos EUA. Cumpre salientar, que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso, faz efeitos apenas inter partes, ou seja, entre as pessoas envolvidas naquele processo especifico.
Agora, o modelo concentrado resguarda apenas a uma Corte Suprema[1]a competência para a análise da constitucionalidade das leis e atos do poder público, sendo impossibilitado aos demais membros do Poder Judiciário a competência em comento. No controle Concentrado, feito no Brasil pelo STF, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade são erga omnes (não apenas entre as partes no processo) e vinculam todos os órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo em todas as esferas.
Entrementes, o ordenamento jurídico brasileiro inovou na matéria de controle de constitucionalidade e adotou um sistema sui generis ao prever a competência para qualquer juiz fazer o controle e ao STF a cargo de exercer o controle concentrado, típico do modelo concentrado adotado por muitos países da Europa, como por exemplo, a Áustria, Alemanha, Itália, etc.
Como foi dito, através do modelo concentrado apenas a Corte Constitucional pode declarar se uma norma possui a moléstia mais grave prevista pelo ordenamento jurídico, qual seja a inconstitucionalidade.

2 – EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

A lei inconstitucional é nula de pleno direito[2], porque de norma inconstitucional não se origina direitos e isso ocorre porque este vício é o mais gravoso que pode acometer uma lei (em sentido lato sensu) ou ato do poder público.
Por ser a inconstitucionalidade a moléstia mais danosa prevista no ordenamento, a mesma não pode ser convalidada e diante disso a única saída é a expurgação desta norma inconstitucional do ordenamento jurídico.
Os efeitos da sentença que decretar a inconstitucionalidade de alguma norma (lato sensu) serão em regra ex tunc - doa a quem doer – ou seja, retroagirá e irá desfazer todos os efeitos jurídicos provenientes da norma declarada inconstitucional.
Destarte, a regra geral é a de que, com a declaração de inconstitucionalidade sejam produzidos efeitos retroativos (ex tunc) elidindo a norma que padece de tal enfermidade e desconstituindo todos os efeitos que a mesma criou durante seu período de vida. Mas, como toda regra tem sua exceção, diante de alguns casos, o STF reconheceu que os efeitos retroativos iriam prejudicar direitos adquiridos de terceiros e atentariam contra o postulado da segurança jurídica. Diante disso, surgiu o a Lei n°9868/99 que previu a chamada modulação dos efeitos da declaração de Inconstitucionalidade. Eis a transcrição do seu art. 27, caput:

Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.


Com base no dispositivo em comento, foi atribuído ao Pretório Excelso – desde que presentes razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social – o poder de restringir os efeitos da sentença que declarar a inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo do poder público. Mas, cabe ressaltar, que este poder conferido ao STF é totalmente EXCEPCIONAL, ou seja, em regra a declaração de inconstitucionalidade produzirá efeitos retroativos. Só e somente por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social poderá o STF modular os efeitos da sentença que declarar a inconstitucionalidade e determinar que produza efeitos prospectivos[3] ou ainda, que só tenha eficácia em outro momento fixado.
Cabe salientar ainda, que a Lei n°9868/99 em tela não admite a intervenção de terceiros nos processos de ação direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade[4]. E também é vedada a desistência da ação depois de iniciada as ações supracitadas.

3 – ROL DE LEGITIMADOS PARA A PROPOSITURA DE ADI E ADC

O texto constitucional é bem claro ao dispor sobre que são NOVE as pessoas legitimadas para propor a ação direta de inconstitucionalidade e a declaratória de constitucionalidade, é o que se depreende do seu art. 103 e incisos.

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
I – o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da câmara dos deputados;
IV – a mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
[5]
VI – o Procurador Geral da República;[6]
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Cabe frisar, com relação ao inciso VIII que possui legitimidade para intentar a ADI o partido político que possua até 1 (um) representante no Congresso Nacional, ou seja, até este número está legitimado para interpor a tanto a ADI como a ADC. Este é o pensamento do Pretório Excelso. Agora, partido político sem representante no Congresso Nacional está impossibilitado por não ter legitimidade (art. 103, VIII).

4 – CONCLUSÃO
Portanto, a regra geral quanto ao controle de constitucionalidade brasileiro, é que a sentença que declara a INCONSTITUCIONALIDADE de lei ou ato normativo estadual ou federal produzirá efeitos retrospectivos (ex tunc) e expurgará a norma eivada de tal vicio. Esta é a regra geral – doa a quem doer a os efeitos da sentença declaratória de inconstitucionalidade retroagiram e eliminará todos os efeitos emanados da norma maculada.
A exceção é a que consta na lei n°9.868/99 que confere ao Supremo Tribunal Federal o poder de restringir/limitar – apenas por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social - os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou ainda fixar data para que esta declaração comece a produzir efeitos jurídicos (art.27).
Destarte, a regra é a retroatividade dos efeitos da sentença que declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do poder público.

[1] No caso brasileiro, compete ao Supremo Tribunal Federal – STF, (art.102, CF/88).
[2] O grande mestre Ruy Barbosa.
[3] Efeitos ex nunc.
[4] Respectivamente, art. 7° e 18 da Lei n°9868/99.
[5] Incisos IV e V dados pela EC/45-04.
[6] Cabe salientar, que antes da novel Constituição da República/88, apenas o Procurador da República era legitimado para propor a ação de inconstitucionalidade. Destarte, fica claro que a nova carta suprema dilatou o rol de legitimados para propor a ADI e ADC, mas infelizmente, não inseriu o cidadão como legitimado para tal – e ainda chamada de Constituição Cidadã, assim definida por Ulysses Guimarães – como o fizeram outros países, como a Alemanha, por exemplo.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Contrato de Comodato

O contrato de comodato, de acordo com o eminente Coelho da Rocha, citado por Maria Helena Diniz (2003), conceitua empréstimo como o contrato pelo qual uma pessoa entrega a outra, gratuitamente, uma coisa, para que dela se sirva com a obrigação de restituir.
Data venia, este conceito não nos parece o mais adequado, ou melhor, é um tanto insuficiente por não comportar o conceito de mútuo. Coelho da Rocha conceitua apenas o empréstimo de comodato, por isso, pode-se afirmar que este conceito é um tanto insuficiente para se entender o que é a modalidade contratual de empréstimo.
Diante do exposto, preferimos a definição do saudoso mestre baiano, Orlando Gomes (1978), que conceitua empréstimo como o contrato em que uma das partes recebe, para uso ou utilização uma coisa que, depois de certo tempo, deve restituir ou dar outra do mesmo gênero, quantidade ou qualidade. A definição do citado autor trás em seu bojo tanto a definição de comodato quanto a de mútuo, que são as duas espécies de empréstimo.
Ainda, com base no pensamento de Orlando Gomes (1978), comodato é a cessão gratuita de uma coisa para seu uso com estipulação de que será devolvida em sua individualidade, após algum tempo.
Com base no conceito dado, diferem-se os seguintes caracteres do empréstimo de comodato: Gratuidade, Infungibilidade, Unilateralidade, Real e Temporariedade.
O comodato é contrato gratuito porque haverá liberalidade sem contraprestação. Em virtude de ser contrato gratuito, ou seja, em que o comodante nada recebe em contraprestação a liberalidade dada, repugnaria o pensamento jurídico caso este tive-se alguma obrigação a fazer. Segundo Orlando Gomes (1978), a gratuidade é da essência do contrato de comodato, o que inocorre com relação ao mútuo, onde a gratuidade é de sua natureza. Diante, se houver contraprestação (pagamento) à liberalidade, será locação de coisa e não comodato. Como disse o renomado mestre baiano, a gratuidade é da essência do contrato de comodato.
Como no comodato a coisa emprestada deverá ser restituída (devolvida) pelo comodatário, percebe-se que a coisa dada em comodato deverá ser infungível, porque deverá ser considera em sua individualidade. Coisa infungível é aquela que não pode ser substituída por coisa de mesmo gênero, quantidade e qualidade. Como exemplo, A empresta um livro que tem muito apreço a B, findo o prazo (tempo suficiente para B ler o livro), este deverá restituir o mesmo livro que pegou na mão de A.
O comodato por ser contrato unilateral, gera obrigação para apenas um dos contratantes, que no caso recai sobre o comodatário. Como exemplo, este deverá conservar a coisa emprestada como se sua fosse, porque, se por motivo de força maior ou caso fortuito, ele devera salvar em primeiro lugar a coisa emprestada sob pena de pagar perdas e danos (art. 582, CC/02).
O comodato é contrato real, porque se concretiza apenas com a traditio da coisa, ou seja, só estará perfeito e concluído com a entrega do objeto dado em comodato. Não havendo entrega do objeto, não haverá comodato (art. 579, CC/02).
Para a caracterização do comodato, mister que seja um empréstimo com prazo para devolução determinado ou indeterminado. O que não se aceita é que seja perpetuo, pois, caso isto ocorra não será comodato, mas, contrato de doação. Caso haja prazo determinado, a coisa emprestada deverá ser devolvida no prazo avençado, sob pena do comodatário responder por mora.
Como todos o contratos, o comodato extingue-se normalmente com o término do prazo e a consequente devolução da coisa emprestada. Mas também, pode ocorrer por inadimplencia contratual.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Transporte Coletivo: serviço público?

Para você, leitor, o transporte coletivo público é serviço público? Para responder a esta pergunta, façamos a análise de alguns pontos.
Como é cediço, serviço público é toda prestação material feita pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, com o objetivo de satisfazer concretamente as necessidades coletivas. Diante disso, o serviço de transporte coletivo urbano, pode ser considerado um serviço Público? há quem pense que não.
De acordo com o saudoso administrativista, Hely Lopes Meirelles, "serviço público propriamente dito, é todo aquele prestado diretamente pela Administração à comunidade, por reconhecer sua essencialidade e necessidade para a sobrevivência do grupo social e do próprio Estado (1995, p.295)." Exemplo disso, são os serviços de defesa nacional, de polícia e de preservação da saúde pública. Diante desse conceito, percebe-se que para o autor supra, somente a Administração Pública tem competencia para prestar o serviço público. Ainda faz a distinção de serviço público e de serviços de utilidade pública.
Serviços de utilidade pública são os que reconhecida sua conveniência(não são essenciais) para a sociedade, a Administração os presta diretamente ou delega sua pretação a terceiros (concessionárias, permissionárias de serviços públicos), mas sob controle do poder público. Como exemplo, ele cita o serviço de transporte coletivo, energia elétrica, etc. 
Nos tempos hodiernos, é inadimissivel tal entendimento. Segundo dados do IBOPE de 2008, A maioria da população (42%) não tem carro, usa transporte coletivo quando necessário e anda muito a pé ou de bicicleta. Vinte e seis por cento não têm carro e utilizam transporte coletivo. Diante disso, pode-se afirmar categoricamente que o transporte coletivo é um serviço ESSENCIAL e de extrema NECESSIDADE por parte da população brasileira. 
O serviço de transporte coletivo é uma necessidade do mundo moderno (ou pós-moderno como querem alguns). A população tem que se locomover diariamente para seus trabalhos, escolas, faculdades, lazer, etc. O que se vê quando acontece uma greve na prestação desse serviço, é que a cidade pára. Destarte, podemos afirmar que o transporte coletivo é um serviço público como também é o de energia elétrica, água, etc.
A ilustre administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p.114), nos dá um conceito de serviço público em que assentimos plenamente. Segundo a autora, serviço público é toda atividade material a que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.
Diante o exposto, levando em consideração a enorme importância da prestação do serviço de transporte coletivo público para toda a sociedade brasileira, não há como negar o rótulo de serviço público para o transporte coletivo.


Referência

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed São Paulo: Atlas, 2006.


MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 20. ed São Paulo: Malheiros, 1995.