terça-feira, 30 de outubro de 2012

STF decide que a imposição legal de cumprimento de pena em regime inicialmente fechado nos crimes hediondos É INCONSTITUCIONAL

O Supremo Tribunal Federal, finalmente, em decisão histórica realizada no mês de junho do corrente ano (2012), ao analisar o HC nº 111.840/ES¹, Relator Min. Dias Toffoli, julgou que a obrigatoriedade de cumprimento de pena aos condenados por crimes hediondos e assemelhados em regime inicialmente fechado (art.2º, §1º da Lei nº 8.072/90) é inconstitucional, uma vez que viola o Princípio constitucional da Individualização da Pena (art.5º, XLVI, CF/88).
No caso do citado HC, o impetrante foi condenado à pena de 06 anos de reclusão pelo cometimento do crime de tráfico de drogas, a ser cumprido em regime inicial fechado, não obstante possuir circunstâncias judiciais favoráveis, o que lhe garantiria a eleição de regime semi-aberto.
Insta registrar que o julgamento do STF foi incidental de inconstitucionalidade, ou seja, seus efeitos valem somente naquele caso específico, o que equivale a dizer que o referido dispositivo está em pleno vigor em nosso ordenamento jurídico, tanto é que, no dia 11.10.12, o juízo da 12ª Vara Criminal de Barra Funda, na Capital Paulista, fixou regime de cumprimento de pena inicialmente fechado a um condenado por tráfico de drogas a 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, fundamentado no referido art.2º, §1º da Lei nº 8.072/90. Neste diapasão, em artigo publicado na internet (29.10.2012), o eminente jurista Luiz Flávio Gomes², ao analisar a decisão da 12ª Vara  Criminal paulista, obtemperou que:

A juíza, ao fixar a pena, considerou o fato de o acusado ser primário, não possuir antecedentes, confessar a prática do tráfico e não haver indício de que faça parte de alguma organização criminosa para reduzir a pena base em 2/3. Mesmo assim, fixou o regime inicial fechado para cumprimento de pena por se tratar de crime hediondo (negrito nosso).

Desta forma, percebe-se que a magistrada paulista aplicou integralmente a determinação da Lei de Hediondos, que fixa o regime inicial fechado, independentemente do quantum aplicado na sentença e das circunstâncias judiciais favoráveis ao condenado (art.33, §2º, b, do CP), contrariamente ao entendimento firmado pelo STF, frise-se, nesse ano, quando do julgamento do HC nº 111.840/ES.
O referido dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos, fixa de forma autoritária que os condenados por crimes hediondos (e assemelhados, como por exemplo o tráfico de drogas e entorpecentes) deveriam iniciar o cumprimento da pena em regime fechado, tirando, desta forma, o prudente arbítrio do juiz para fixar o regime de cumprimento da pena necessário e suficiente para cada indivíduo infrator da lei penal.
Como se sabe, no julgamento do HC nº 82.959/SP (DJ de 01.09,2006), Relator Min. Marco Aurélio, o STF, mudando seu entendimento sobre o tema, entendeu que a vedação de progressão de regime aos condenados por crimes hediondos era inconstitucional por também ferir o Princípio da Individualização da Pena, in casu, na terceira etapa da individualização, qual seja, a fase da execução da pena. A partir desta decisão do STF, o legislador através da Lei nº 11.464/2007, alterou a Lei de Crimes Hediondos, passando a aceitar a progressão de regime aos condenados por estes crimes, mas determinou, frise-se, de forma indevida (ou melhor inconstitucional), que o cumprimento da pena seria inicialmente fechado.
No que tange ao entendimento exarado no HC nº 111.840/ES, concordamos plenamente com Pretório Excelso, uma vez que a fixação de cumprimento de pena em regime inicial fechado também violenta o Princípio da Individualização da Pena, tendo em vista que subtrai do magistrado a opção que melhor se ajusta ao caso concreto, pois se sabe que, no momento da escolha do regime de cumprimento da pena, o juiz deverá analisar as circunstâncias judiciais encartadas no art.59 do Código Penal (como por exemplo, a culpabilidade, antecedentes, personalidade, circunstâncias e motivo do crime, etc.,) e, caso estas sejam favoráveis ao condenado, poderá influir na eleição do regime de cumprimento da reprimenda. 
De fato, a lei de crimes hediondos fixava a eleição de regime inicial fechado independentemente do quantum estabelecido na sentença penal condenatória, seja 1 (um) ano ou 15 (quinze) anos, todos devem iniciar o cumprimento da pena em regime fechado. Vê-se que tal entendimento não é consentâneo com os Princípios da Individualização da pena, Razoabilidade e Proporcionalidade que devem nortear a atividade jurisdicional. Neste diapasão, confira a ementa do julgamento do HC nº 111.840/ES, de relatoria da lavra do Min. Dias Toffoli:

Habeas corpus. Penal. Tráfico de entorpecentes. Crime praticado
durante  a  vigência  da  Lei  nº  11.464/07.  Pena  inferior  a  8  anos  de
reclusão.  Obrigatoriedade  de  imposição  do  regime  inicial  fechado.
Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei
nº  8.072/90.  Ofensa  à  garantia  constitucional  da  individualização  da
pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88). Fundamentação necessária (CP,
art. 33, § 3º, c/c o art. 59). Possibilidade de fixação, no caso em exame, do
regime semiaberto para o início de cumprimento da pena privativa de
liberdade. Ordem concedida.
1. Verifica-se que o delito foi praticado em 10/10/09, já na vigência da
Lei  nº  11.464/07,  a  qual  instituiu  a  obrigatoriedade  da  imposição  do
regime inicialmente fechado aos crimes hediondos e assemelhados.
2.  Se  a  Constituição  Federal  menciona  que  a  lei  regulará  a
individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os
critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar
com  as  garantias  constitucionais,  sendo  necessário  exigir-se  sempre  a
fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo
ou equiparado.
3. Na situação em análise, em que o paciente, condenado a cumprir
pena  de  seis  (6)  anos  de  reclusão,  ostenta  circunstâncias  subjetivas
favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o
semiaberto.
4. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado,
em  eventual  apreciação  das  condições  subjetivas  desfavoráveis,  vir  a
estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça  em razão de
elementos  concretos  e  individualizados,  aptos  a  demonstrar  a
necessidade  de  maior  rigor  da  medida  privativa  de  liberdade  do
indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal.
5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do
§ 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07,
o qual determina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida
inicialmente  em  regime  fechado“.  Declaração  incidental  de
inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da obrigatoriedade de fixação
do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente da
condenação por crime hediondo ou equiparado.


Ademais, no dia 25.09.2012, a Primeira Turma do STF, através do voto da Min. Rosa Weber, ao analisar o HC nº 107.407/MG³, ratificou o entendimento esposado no julgamento do HC nº 111.840/ES, fixando regime inicial diverso do fechado a condenado a 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias por tráfico de drogas. In casu, a douta Ministra fixou o regime semi-aberto, eis a ementa de seu julgado:

DIREITO  PENAL.  HABEAS  CORPUS.  TRÁFICO  DE  DROGAS.
DOSIMETRIA.  REGIME  INICIAL  DE  CUMPRIMENTO  DA  PENA.
INCONSTITUCIONALIDADE  DO  §  1º  DO  ARTIGO  2º  DA  LEI  Nº
8.072/90.  POSSIBILIDADE  DE  IMPOSIÇÃO  DE  REGIME  INICIAL
DIVERSO DO FECHADO. 
1. Em sessão realizada em 27.6.2012, no HC 111.840/ES, rel. Min.
Dias  Toffoli,  o  Pleno  desta  Suprema  Corte  declarou  a
inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, com a redação
dada pela Lei 11.464/07, que consagrara a obrigatoriedade de imposição
do  regime  inicial  fechado  para  o  cumprimento  da  pena  de  crimes
hediondos e equiparados.
2. Em absoluto ignorou-se o caráter danoso do tráfico de drogas na
sociedade  moderna,  a  reclamar,  em  geral,  tratamento  jurídico  mais
rigoroso,  permitindo  apenas,  forte  no  postulado  constitucional  da
individualização  das  penas,  a  concessão  de  regime  inicial  de
cumprimento de pena diverso do fechado, quando circunstancialmente
viável.
3. A fixação do regime inicial de cumprimento da pena não está
condicionada somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame
das  circunstâncias  judiciais  do  artigo  59  do  Código  Penal,  conforme
remissão  do  art.  33,  §3º,  do  mesmo  diploma  legal.  Em  tese,  viável  a
imposição de regime inicial fechado mesmo para o cumprimento de pena
inferior a oito anos em condenações por tráfico de drogas. Se a decisão
atacada  fixou,  porém,  o  regime  fechado  tão  somente  com  base  no
dispositivo reputado inconstitucional, impõe-se a revisão.
4. Habeas corpus concedido.



Referências

1. HC nº 111.840/ES disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/hc111840dt.pdf

2. Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2012/10/29/drogas-regime-inicial-fechado-inconstitucionalidade-da-lei/

3. HC nº 107.407/MG disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2926620




sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A polêmica das Cartas Psicografadas como meio de prova no Júri

Um tema que gera bastante polêmica no meio jurídico e religioso é a questão da possibilidade de uso de cartas psicografadas como meio de prova (pelo menos na seara criminal, que até hoje já foi produzida e aceita).
Carta Psicografada é a carta escrita pelo médium, mas que é ditada (grosseiramente falando) pelo espirito do desencarnado (pessoa que faleceu).
De fato, desde a década de 80 que o Brasil inteiro se espantou com a notícia de que a Justiça de Goiás absolveu (primeiramente em 1º Grau, posteriormente confirmado pela realização de um júri) um jovem de 18 acusado de ter matado seu amigo de apenas 15.
Contudo, à época, a própria família da vítima (que antes do fato era católica e não acreditava na Doutrina Espirita), após entrar em contato com o saudoso CHICO XAVIER, e ter recebido algumas cartas psicografadas que supostamente foram "ditadas" pelo espirito da vítima, renunciaram ao direito de constituir um assistente de acusação e PEDIRAM ao próprio juiz a ABSOLVIÇÃO do acusado.
Segundo a família, nas cartas haviam informações que somente eles sabiam, mais ninguém, sem contar que a assinatura da carta era muito semelhante com a de seu filho.
Por fugir ao objetivo deste pequeno texto, quem quiser mais informações sobre o fato, acesse: http://antonioluizgomes.blogspot.com.br/2012/03/uma-sentenca-do-alem-ou-sentenca-que.html.
Fora este caso, existiram mais 4, sendo o mais recente no ano de 2006.
Pois bem. Deixando de fora a questão religiosa, vários doutrinadores dizem que tal prova não pode ser aceita, uma vez que seria ilegal, por todos confira o magistério de GUILHERME DE SOUZA NUCCI em seu CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COMENTADO (2009, p.354-357).
Contudo, não obstante discordarmos do eminente jurista (conforme fundamentos do acórdão abaixo), cumpre destacar que, recentemente, no Estado do Rio Grande do Sul, uma mulher foi absolvida através do uso de carta psicografada que teria sido ditada pelo seu ex-amante, a vítima do crime.
Após a absolvição, o Ministério Público recorreu, alegando principalmente a questão da ILEGALIDADE DA CARTA PSICOGRAFADA. Todavia, no ano de 2009, o TJ gaúcho ao julgar a Apelação Criminal nº 70016184012, por unanimidade, confirmou a absolvição, por entender que a referida prova É LÍCITA. Devido ao brilhantismo do conteúdo do voto do acórdão, imprescindível faz a sua transcrição, in verbis:

JÚRI.  DECISÃO ABSOLUTÓRIA. CARTA PSICOGRAFADA NÃO CONSTITUI MEIO ILÍCITO DE PROVA.  DECISÃO QUE NÃO SE MOSTRA MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS.
Carta psicografada não constitui meio ilícito de prova, podendo, portanto, ser utilizada perante o Tribunal do Júri, cujos julgamentos são proferidos por íntima convicção.
Havendo apenas frágeis elementos de prova que imputam à pessoa da ré a autoria do homicídio, consistentes sobretudo em declarações policiais do co-réu, que depois delas se retratou, a decisão absolutória não se mostra manifestamente contrária à prova dos autos e, por isso, deve ser mantida, até em respeito ao preceito constitucional que consagra a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri.
Apelo improvido.
                      (...)
Por derradeiro, analiso o apelo do assistente da acusação embasado na alínea ‘d’ do art. 593, III, do estatuto processual penal, isto é, sob a alegação de que a decisão absolutória da acusada é manifestamente contrária à prova dos autos.
 Antes de mais nada, porém, fazem-se necessárias algumas considerações em torno da questão da carta psicografada supostamente enviada pela vítima ao marido da ré e que foi utilizada pela defesa em plenário de julgamento, a qual mereceu as maiores críticas do assistente, assim como da Dra. Procuradora de Justiça, que sustenta, inclusive, sua ilicitude como meio de prova.
A matéria, naturalmente, é interessante, pitoresca e polêmica, mesmo porque refoge ao usual no quotidiano forense, ainda que não seja inédita, e envolve uma provável comunicação com o mundo dos mortos, com reflexos numa decisão judicial.  Tanto é assim que o tema ultrapassou os limites do universo judiciário e foi amplamente divulgado em jornais, em revistas de circulação nacional e em blogs da Internet, como demonstram os documentos de fls. 1.242 a 1.250 dos presentes autos.
Desde logo, consigno que não vejo ilicitude no documento psicografado e, conseqüentemente, em sua utilização como meio de prova, não obstante o entendimento contrário do sempre respeitado Prof. Guilherme de Souza Nucci, em artigo transcrito integralmente no parecer da douta representante do Ministério Público.
Na realidade, o art. 5º, VI, da Constituição Federal dispõe que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
A fé espírita, que se baseia, além de outros princípios e dogmas, na comunicação entre o mundo terreno e o mundo dos espíritos desencarnados, na linguagem daqueles que a professam, é tão respeitável quanto qualquer outra e se enquadra, como todas as demais crenças, na liberdade religiosa contemplada naquele dispositivo constitucional.
Só por isso, tenho que a elaboração de uma carta supostamente ditada por um espírito e grafada por um médium não fere qualquer preceito legal.  Pelo contrário, encontra plena guarida na própria Carta Magna, não se podendo incluí-la entre as provas obtidas por meios ilícitos de que trata o art. 5º, LVI, da mesma Lei Maior.
É evidente que a verdade da origem e do conteúdo de uma carta psicografada será apreciada de acordo com a convicção religiosa ou mesmo científica de cada um.  Mas jamais tal documento, com a vênia dos que pensam diferentemente, poderá ser tachado de ilegal ou de ilegítimo.
Afastada a possível ilicitude do documento como meio de prova, que poderia efetivamente acarretar a desconstituição do julgamento, a questão, ao menos do ponto de vista jurídico, perde o interesse, ainda que compreensível que sua utilização em plenário, máxime diante da decisão absolutória, chame tanta atenção da mídia e do público leigo em geral.
  Ocorre que, como é curial, os jurados, investidos temporariamente da função de magistrados no Tribunal do Júri, julgam por íntima convicção, deixando de fundamentar os votos que proferem, o que decorre de sua própria condição de juízes leigos e da própria sistemática do Júri Popular.
Sendo assim, não se pode sequer saber se, no caso vertente, a referida carta psicografada teve peso na decisão do Conselho de Sentença, ainda que tenha sido tão explorada pela defesa, como afirma a assistência da acusação em suas razões recursais.  Em outras palavras, não se sabe se, na ausência do documento em questão, o veredicto não teria sido o mesmo, com base nas outras provas produzidas nos autos e nos debates realizados em plenário.
Aliás, é possível  -  e não só possível, mas conveniente, como recurso teorético  -  abstrair a tal carta psicografada e examinar o restante da prova carreada aos autos, para concluir se a decisão dos juízes leigos foi efetivamente contrária, de modo manifesto, à prova dos autos, como sustenta o apelante.
A esse respeito, não custa referir, de início, que, consoante se diz e se repete de forma até enfadonha, só tem cabimento a desconstituição do julgamento pelo Tribunal do Júri por esse fundamento, quando a decisão dos jurados é inteiramente divorciada da prova dos autos, chegando às raias da arbitrariedade.  A contrario sensu, havendo nos autos qualquer adminículo probatório que respalde aquela decisão, é impositiva a manutenção do veredicto, o que é corolário do preceito constitucional que consagra a soberania do Júri Popular.
In casu, a participação da apelada na morte da vítima, como mandante e patrocinadora dessa empreitada criminosa, é relatada pelo co-réu Leandro da Rocha Almeida, em suas declarações perante a autoridade policial, quando aquele confessa a prática do homicídio, narrando que a ré Iara lhe teria prometido a importância de R$ 20.000,00 para dar um corretivo na vítima e que, se esta viesse a morrer, não seria má idéia, tudo em razão de ciúmes decorrentes de um antigo relacionamento amoroso que mantivera com a vítima.  Posteriormente, em juízo,  Leandro mantém a acusação contra Iara, mas nega a prática do crime, alegando que ela manteve contato direto com o indivíduo conhecido como Pitoco, que teria sido o executor.  Por fim, em plenário de julgamento, Leandro nega tudo, inclusive qualquer participação da ré Iara no fato descrito na denúncia.
Ainda que persista a dúvida, especialmente diante da acusação inicial, formulada no calor dos acontecimentos, a verdade é que não se pode considerar tão inconstantes declarações como prova cabal de que a acusada encomendou a morte da vítima.
Quanto ao restante da prova oral coletada, foi denodadamente revolvida nas longas razões apelatórias, o que, por si só, enseja os maiores encômios ao ilustre procurador do assistente da acusação.
Apesar disso, só se pode apontar a autoria fazendo-se o cotejo entre os depoimentos, as deduções e as ilações que foram feitas pelo nobre causídico.  Em sede de apelação, porém, tratando-se de processo da competência do Tribunal do Júri, esse trabalho investigativo não tem cabimento, justamente porque, como já ficou dito, apenas quando inteiramente aberrante da prova dos autos a decisão dos jurados pode ser desconstituído o julgamento.
Ora, a  leitura dos depoimentos transcritos nas próprias razões recursais deixa claro que a decisão absolutória não contrariou de forma manifesta, isto é, evidente ou gritante, aquele conjunto probatório.
Com efeito, ainda que se possa pinçar, aqui e ali, nos depoimentos colhidos, alguma palavra comprometedora, a realidade é que nenhuma das inúmeras testemunhas inquiridas relata ter visto a negociação entre os acusados, ter ouvido da boca de algum deles o relato dos fatos, ter presenciado algum gesto ou movimento que possa efetivamente apontar a acusada como co-autora do homicídio.  Salvo a testemunha Osmar Brack, que afirma ter ouvido a narrativa do próprio Leandro, quando ambos se encontravam detidos na Delegacia de Polícia, depoimento que, por isso mesmo, não merece maior crédito.
Em resumo, ainda que existam nos autos elementos que embasam a acusação contra a apelada e que podem constituir uma versão contra ela, não há como deixar de reconhecer que tais elementos são frágeis e se contrapõem a outros tantos elementos que consubstanciam uma outra versão, esta inteiramente favorável à acusada.
Nesse caso, havendo duas versões a respeito dos fatos, é descabida a desconstituição do julgamento pelo Tribunal do Júri, consoante remansosa e pacífica jurisprudência, prevalecendo o veredicto proferido pelos juízes leigos, o que decorre de preceito constitucional, insculpido no art. 5º, XXXVIII, da Carta Magna.
Antes de concluir, não posso deixar de fazer uma breve referência à circunstância de que o co-réu Leandro, julgado anteriormente, em razão da cisão processual, restou condenado por homicídio qualificado pelo motivo torpe, tendo os jurados, naquela ocasião, reconhecido, pelo escore de 6 x 1, que o réu “praticou o crime mediante promessa de pagamento efetuada pela co-ré Iara Marques Barcelos” (fl. 814).
Inegável se mostra a contradição entre as duas decisões, sendo que o veredicto condenatório de Leandro foi confirmado neste grau de jurisdição e transitou em julgado.
Tal circunstância, porém, tendo havido a referida cisão processual, não impede a decisão absolutória da ora apelada, nem impõe, por si só, a submissão da ré a novo julgamento, pois, se isso fosse feito, a decisão proferida nesta instância já significaria uma antecipada condenação da acusada.
Nesse caso, a meu sentir, resta apenas à defesa de Leandro buscar obter, através dos meios cabíveis, uma alteração da situação, com a exclusão da circunstância qualificadora do motivo torpe, então reconhecida pelo Conselho de Sentença.
Em face do exposto, NÃO CONHEÇO do apelo do assistente da acusação fulcrado na alínea ‘a’ do art. 593, III, do Código de Processo Penal e NEGO PROVIMENTO ao mesmo apelo baseado nas alíneas ‘b’ e ‘d’ daquele dispositivo.

E você, leitor, qual é a sua opinião?


STJ tranca ação penal contra réu que tentou furtar uma galinha

Por isso que existe tanto processo "emperrando" a Justiça brasileira, pois chegamos ao ponto do STJ ter que extinguir uma ação penal, relativa a uma tentativa de furto, frise-se, de um galináceo (galinha), cujo valor era de aproximadamente R$30,00 (trinta reais). De fato, muito alto, não é mesmo?
In casu, a Sexta Turma do STJ ao apreciar o HC nº 243958, aplicou o Princípio da Insignificância e reformou a decisão do TJ mineiro. 
O fato "criminoso" ocorreu na Comarca de Guaxupé no estado de Minas Gerais e o julgamento no STJ foi no dia 27.09.2012, in verbis:

Trancada ação penal contra acusado de tentar furtar uma galinha
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trancou ação penal contra um homem acusado da tentativa de furtar uma galinha, avaliada em R$ 30. Os ministros aplicaram ao caso o princípio da insignificância e reformaram decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

A relatora do habeas corpus, ministra Assusete Magalhães, afirmou que a intervenção do direito penal só se justifica quando o bem jurídico protegido tenha sido exposto a um dano expressivo e a conduta seja socialmente reprovável. Para ela, a conduta do réu no caso, embora se enquadre na definição jurídica de furto tentado, é desproporcional à imposição de uma pena privativa de liberdade, tendo em vista que a lesão é “absolutamente irrelevante”.

A ministra lembrou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) considera que a adoção do princípio da insignificância é possível quando a ofensa representada pela conduta do agente for mínima, não houver periculosidade social, a ação apresentar reduzidíssimo grau de reprovação e a lesão jurídica provocada for inexpressiva.

Seguindo esse entendimento, a Turma concedeu o habeas corpus de ofício para aplicar o princípio da insignificância e trancar a ação penal, que corre na Comarca de Guaxupé (MG). A decisão foi unânime.

HC substitutivo de recurso

A relatora destacou que o habeas corpus julgado foi impetrado em substituição a recurso ordinário, que é o instrumento adequado para contestar decisão de tribunal de segundo grau. Nesses casos, em agosto deste ano, o STF passou a considerar o habeas corpus inadequado. O STJ está seguindo esse procedimento.

Isso porque o artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal estabelece que o habeas corpus serve a quem sofre ou está ameaçado de sofrer restrição em sua liberdade de locomoção. Já segundo o artigo 105, inciso II, alínea a, cabe recurso ordinário (e não outro habeas corpus) ao STJ em caso de HC negado pelos Tribunais Regionais Federais ou Tribunais de Justiça dos estados.

Contudo, Assusete Magalhães ressaltou que, em cada caso, é preciso analisar se existe manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na decisão contestada, que implique ameaça ou coação à liberdade de locomoção do réu, que justifique a concessão da ordem de ofício. No caso, ela exergou manifesto constrangimento ilegal. Por isso, o habeas corpus pedido pela defesa não foi conhecido, mas a ordem foi concedida de ofício.