quinta-feira, 28 de junho de 2012

STF julga inconstitucional dispositivo da Lei de Crimes Hediondos que fixa o regime inicial fechado

O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou ontem, dia 27 de junho de 2012 (quarta-feira), o HC 111840, impetrado pela Defensoria Pública do Espirito Santo, onde era pedido a concessão da ordem para determinar que um condenado a 6 (seis) anos de reclusão pelo cometimento do crime de tráfico de drogas pudesse começar a cumprir a pena em regime inicialmente semi-aberto, circunstância que afronta o Art.2º, §1º da Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), que fixa o regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e assemelhados (caso do condenado por tráfico de drogas). Vale a pena conferir a ementa do Julgado, da lavra do Ministro Relator, Dias Toffoli:


Habeas corpus. Penal. Tráfico de entorpecentes. Crime praticado
durante a vigência da Lei nº 11.464/07. Pena inferior a 8 anos de
reclusão. Obrigatoriedade de imposição do regime inicial fechado.
Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei
nº 8.072/90. Ofensa à garantia constitucional da individualização da
pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88). Fundamentação necessária (CP,
art. 33, § 3º, c/c o art. 59). Possibilidade de fixação, no caso em exame, do
regime semiaberto para o início de cumprimento da pena privativa de
liberdade. Ordem concedida.
1. Verifica-se que o delito foi praticado em 10/10/09, já na vigência da 
Lei nº 11.464/07, a qual instituiu a obrigatoriedade da imposição do
regime inicialmente fechado aos crimes hediondos e assemelhados.
2. Se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a
individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os
critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar
com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a
fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo
ou equiparado.
3. Na situação em análise, em que o paciente, condenado a cumprir
pena de seis (6) anos de reclusão, ostenta circunstâncias subjetivas
favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o
semiaberto.
4. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado,
em eventual apreciação das condições subjetivas desfavoráveis, vir a
CópiaHC 111.840 / ES 
estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça em razão de
elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a
necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do
indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal.
5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do
§ 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07,
o qual determina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida
inicialmente em regime fechado“. Declaração incidental de
inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da obrigatoriedade de fixação
do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente da
condenação por crime hediondo ou equiparado.

In casu, o STF concedeu o HC para permitir que o condenado por tráfico de drogas possa iniciar o cumprimento da pena em regime semi-aberto, afastando, desta forma, a determinação da Lei de Crime Hediondos que fixa o regime inicial fechado para os condenados por estes crimes e seus assemelhados, como por exemplo, a tortura e o próprio tráfico de drogas.
No caso em epígrafe, o STF declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do Art.2º, §1º da Lei dos Crimes Hediondos por entender que tal dispositivo legal viola flagrantemente o Princípio constitucional da Individualização da pena (Art. 5º, XLVI, CF/1988), ou seja, o Pretório Excelso afirmou que cabe ao Poder Judiciário (através do magistrado) individualizar a pena de cada condenado, analisando caso por caso e não ao Poder legislativo fixar normas restritivas que vão de encontro aos Princípios constitucionais. Neste ponto, cumpre trazer à baila trecho do voto do Ministro Dias Toffoli:

No inciso XLIII do rol das garantias constitucionais – artigo 5º - afastam-se, tão somente, a fiança, a graça e a anistia, assegurando-se, em inciso posterior (XLVI), de forma abrangente, sem excepcionar essa ou aquela prática delituosa, a individualização da pena. No tocante ao tema, assinalo que, a partir do julgamento do HC nº 82.959/SP (Tribunal Pleno, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 1º/9/06), esta Corte Suprema passou a admitir a possibilidade de progressão de regime aos condenados pela prática de crimes hediondos, dada a declaração de inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90. Tal possibilidade veio a ser acolhida posteriormente pela Lei nº 11.464/07, que modificou a Lei nº 8.072/90, positivando-se, desse modo, a possibilidade da mencionada progressão. Contudo, como já dito, essa lei estipulou que a pena imposta pela prática de qualquer dos crimes nela mencionados fosse, obrigatoriamente, cumprida inicialmente no regime fechado. Tal como já indagado no julgamento do HC nº 82.959/SP, tinha e tem o legislador ordinário poder para isso estabelecer? A minha resposta é negativa. Destarte, tenho como inconstitucional o preceito do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, o qual foi modificado pela Lei nº 11.464/07. (negrito nosso)

De fato, o STF andou muito bem em declarar a inconstitucionalidade (por enquanto incidental, isto é, somente no caso sub judice) do referido dispositivo legal (art.2º, §1º da Lei nº 8.072/90), tendo em vista que tal dispositivo violenta sobremaneira o Princípio constitucional da Individualização da pena ao prever que os condenados por crimes hediondos, tortura, tráfico de entorpecentes e drogas afins e terrorismo devam iniciar o cumprimento da pena em regime fechado, uma vez que tal mister é destinado ao Poder Judiciário, através da prudência do magistrado que analisando caso por caso (isto é, ponderando os requisitos objetivos e subjetivos), deverá fixar o regime inicial de cumprimento da pena.
Desta forma, como bem destacado no voto do Ministro Dias Toffoli, independentemente do preso ser condenado por crime hediondo ou assemelhado, desde que ele satisfaça os requisitos objetivos e subjetivos previstos no Art. 33, §2º do Estatuto Repressivo, terá direito a iniciar o cumprimento de sua pena corporal em regime que não seja o fechado.
Por fim, cabe destacar que, devido á importância do tema julgado pelo STF no HC 111840, é possível que a Lei de Hediondos seja novamente alterada no que concerne ao início de cumprimento de pena para as pessoas condenadas pelo cometimento daqueles crimes, assim como aconteceu quando do julgamento do HC nº 82.959/SP, que o STF passou a admitir a progressão de regime para os condenados pela prática de crimes hediondos e assemelhados, que antes da Lei nº 11.464/2007 era terminantemente proibido.
Agora é esperar para ver os efeitos de tal decisão na comunidade jurídica. Parabéns STF.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Distinção entre Vício e Defeito do produto

É muito comum vermos a confusão feita pelas pessoas no que se refere à definição de produto defeituoso ou que possui vício (qualidade ou quantidade). Outrossim, a mídia (televisão, jornais, etc) também ajuda na formação da referida miscelânea, quando transmite informações equivocadas para os seus ouvintes.
Desta forma, faremos uma breve análise dos referidos conceitos (defeito e vício) com o fito de mostrar para as pessoas (consumidores) as diferenças existentes e, isso é importante, pois as consequências jurídicas daí advindas também o serão.
De fato, impende destacar que é corriqueiro ouvir das pessoas que algum produto que acabaram de adquirir (comprar) é defeituoso, ou seja, possui DEFEITO. Vamos exemplificar a questão para visualizar com maior nitidez: a senhora Patrícia comprou um celular na loja X. Contudo, alguns dias depois, o referido produto deixou de efetuar e receber ligações, se tornando imprestável para a finalidade para o qual foi adquirido, afinal, para que serve um aparelho celular (produto móvel) que não efetua ou recebe chamadas? Evidentemente, que para nada.
No entanto, a maior parte das pessoas, em casos desse tipo, erroneamente, frise-se, afirmam que o produto adquirido é defeituoso. Senão vejamos.
Em casos deste jaez, não existe defeito, mas sim VÍCIO do produto. 
Cumpre destacar que o defeito é uma característica que leva o produto ou serviço a causar um DANO patrimonial ou moral ao consumidor, isto é, pode causar prejuízos à saúde ou ao patrimônio do consumidor. Como exemplo, podemos citar o caso de um aparelho celular que durante a ligação realizada, simplesmente explode no rosto do consumidor, causando, desta forma, dano à sua integridade física (saúde). Neste caso, houve DEFEITO do produto, pois ocasionou um dano à integridade física (prejuízo material e moral) do consumidor, que teve vulnerada sua justa expectativa de fruir seu produto de forma que não lhe causasse nenhum dano deste jaez. Da mesma forma, haverá DEFEITO quando o dano decorrente do mesmo causar algum dano material ao consumidor, como por exemplo, no caso de um computador que explode e ocasiona um incêndio que consome toda a casa do consumidor (dano material e também moral).
Nesta esteira, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) dispõe em seu Art.12, §1º, que o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera.
No que tange ao VÍCIO do produto (ou serviço), o dano causado ao consumidor é interno ao produto, equivale a dizer que, o dano material se refere apenas ao produto, que deixa de funcionar da maneira que lhe é esperada, contudo, é preciso que fique bem claro, o vício não é suscetível de ocasionar prejuízos à integridade física (saúde) do consumidor, restringindo-se apenas ao próprio produto, que neste caso não funcionará (vício de qualidade) da forma como era esperado, como por exemplo, no caso supracitado do celular que não efetua ligações ou recebe chamadas. Neste caso, tal circunstância (VÍCIO) é suscetível de causar algum dano à integridade do consumidor, isto é, à sua saúde ou patrimônio? Obviamente que não.
Desta forma, nestes casos existe VÍCIO do produto (ou serviço), uma vez que tal circunstância (vício) não é capaz de causar qualquer dano à integridade do consumidor ou ao seu patrimônio, diferentemente do que ocorre com o DEFEITO.
Diante o exposto, a diferença basilar entre vício e defeito do produto, é saber se tal problema é suscetível de ocasionar algum dano à integridade do consumidor ou ao seu patrimônio (pois neste caso restará configurado o DEFEITO), mas, se tal assertiva for negativa, será caso de VÍCIO, pois o "problema" é interno ao produto, sendo que tal fato apenas frusta a justa expectativa do consumidor fruir a utilidade de seu bem da vida, mas, pelo menos, não lhe causa danos maiores, restando apenas sem utilidade o produto (ou serviço) viciado.
É importante fazer a distinção entre vício e defeito do produto (ou serviço), tendo em vista que os prazos para se requerer reparação são diferentes, frise-se, bastante diferentes.
No que toca ao vício, o prazo que dispõe o consumidor para reclamar é de 30 (trinta) dias se o produto ou serviço é de natureza não durável (alimentos, por exemplo) e, de 90 (noventa) diasse o produto ou serviço for de natureza durável (celular, computador, automóvel, etc.).
Se o vício for aparente ou de fácil constatação (Art.26, §1º do CDC), o prazo começa a correr a partir do momento em que o consumidor recebe o produto ou quando do término da execução do serviço. Contudo, no caso de vício oculto (aquele que só aparece algum tempo depois, quando o consumidor já está a usar o produto) o início do prazo só começa a correr a partir do momento em que ficar evidenciado o referido problema, conforme previsão encartada no Art.26, §3º do CDC.
Por fim, no que tange ao defeito, o consumidor tem o prazo de 5 (cinco) anos, a partir do conhecimento do dano e de sua autoria, para requerer a devida reparação por danos  (material e moral) decorrentes de defeitos de produtos (ou serviços), conforme dispõe o Art.27, caput, CDC.
Viram que existem diferenças entre vício e defeito do produto (ou serviço)? Espero que tenha ajudado a reduzir a confusão existente sobre o tema.
Vai uma dica: quem tiver interesse em se aprofundar mais sobre direito do consumidor, vale a pena fazer o curso online de "Introdução ao Direito do Consumidor" promovido pelo Instituto Legislativo Brasileiro (ILB SENADO FEDERAL), totalmente gratuito e você ainda ganha um certificado de 40 (quarenta) horas. Recomendo. O link está logo abaixo, é só clicar.




Referência
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: Código comentado e jurisprudência. 6ª Ed. Nitéroi: Impetus, 2010.


Link:http://www.senado.gov.br/sf/senado/ilb/asp/ED_Cursos_IntroducaoDireitoConsumidor.asp


Como citar este texto:
GOMES, Adão Mendes. Distinção entre Vício e Defeito do produto. O Direito na Berlinda. Disponível em:<http://adaomendesdireitouneb.blogspot.com.br/2012/06/distincao-entre-vicio-e-defeito-do.html>. Acesso em: dia, mês e ano.