segunda-feira, 8 de junho de 2009

Lei Maria da Penha: o que mudou?

Antes da entrada em vigor da Lei Maria da Penha (Lei °11.340/06), as mulheres eram frequentemente vítimas de agressões físicas e morais por parte das pessoas que lhe deviam dar amor, carinho e respeito, que eram o seu cônjuge ou companheiro. Nessa época, as mulheres que eram agredidas por seus companheiros não denunciavam as agressões principalmente por medo de futuras represálias e por saber que a legislação vigente não lhe ampararia após a denúncia.
Antes da lei Maria da Penha, caso a mulher denuncia-se seu companheiro por agressão, durante a fase processual, a mulher é que era incumbida de entregar a intimação ao seu algoz. Isto era um total descalabro. Com isso, a mulher, já muitas vezes humilhada e cansada de apanhar de seu marido e principalmente com medo, se resignava e não fazia a denúncia, mas, continuava sendo vítima da pessoa que devia lhe defender.
Durante essa época, outro ponto bastante criticado era a pena dada ao agressor: o pagamento de cestas básicas. Esse sem duvida foi um dos principais óbices para que as mulheres denunciassem as agressões de que eram vítimas. As mulheres ao fazerem a denúncia, tinham receio de que a violência aumentasse ou até de serem assassinadas, o que infelizmente, ocorre muito em nosso país. Para quê denunciar se a pena aplicada (dificilmente quando é aplicada) é o pagamento de cestas básicas? Esta sanção pune quem maltrata, humilha, bate e até mata? indubitalvemente que não.
Para responder a essa pergunta e satisfazer ao anseio da sociedade, eis que surge a Lei n°11.340/06, denominada de lei Maria da Penha.
Em resumo, a Lei n°11.340/06 foi criada para combater a violência doméstica e familiar as mulheres, prevendo várias medidas protetivas de urgência e até a aplicação de prisão preventiva quando o agressor desrespeitar as medidas protetivas fixadas. Ademais, a nova lei trouxe vários pontos positivos como: agora, a intimação será entregue por oficial de justiça e não mais pela vítima; a pena agora é de privação de liberdade (prisão) e não mais o pagamento de cestas básicas, o juiz ao tomar conhecimento da agressão, terá que tomar medidas que façam cessar a violência imediatamente, etc.
De sua entrada em vigor até agora, o que mudou? realmente, há o que comemorar? a lei alcançou seu objetivo?
A nosso entender não, haja vista os dados apresentados no dia 30 de março do ano corrente pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ (disponivel no http://www.gazetaonline.globo.com/). Segundo o CNJ, apenas 2% dos processos julgados pela justiça resultaram na condenação dos agressores, ou seja, dos 75.829 processos sentenciados, apenas 1.801 resultaram em punição a homens acusados de agredir mulheres.
Antes da entrada em vigor da lei Maria da Penha, não havia punição porque não tinha uma legislação rígida que protege-se as mulheres contra as agressões de seu companheiro. E agora que tem esta lei (Lei n°11.340/06), porque não tem punição?
Da mesma forma, vários pontos da nova lei ainda não saíram do papel, como por exemplo a previsão de criação dos  Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde (art.29).
Neste ponto, competiria à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes (art.30).
Outro ponto negativo da nova Lei é a previsão do art.41 de que aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. Com esta restrição, não é mais possível a transação penal nos crimes cometidos no âmbito familiar, ponto aliás, que era bastante criticado. Contudo, após a análise das estatísticas do CNJ, verifica-se que tal previsão não era tão ruim assim, uma vez que pelo menos o agressor era obrigado a pagar uma(s) cesta(s) básica(s). E hoje? hoje o agressor violenta e fica por isso mesmo, isto é, 2% de condenações.
Diante o exposto, a intenção do legislador foi digna de aplausos, mas infelizmente, parece ter sido um verdadeiro "tiro no pé". 

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Multas de Trânsito: Respeito ao Princípio da Ampla Defesa no Código de Trânsito brasileiro (Lei n°9503/97)

O Princípio da Ampla Defesa, diante de sua magnitude, isto é, por ter matriz constitucional, deve ser sempre respeitado pelos demais diplomas legais de nosso ordenamento jurídico. Todavia, o que vemos nos procedimentos de aplicação de multa de trânsito é a total violação a este importante princípio/garantia, tendo em vista que as autoridades de trânsito não anulam os procedimentos administrativos que hajam violado tal garantia. Desta forma, façamos uma pequena análise do Código de Trânsito brasileiro, à luz de uma interpretação constitucional.
Consoante o art. 282, caput, do CTB, ao ser aplicada a penalidade de trânsito pela Autoridade de Trânsito competente será obrigatoriamente expedida uma notificação ao proprietario do veiculo ou ao condutor infrator. Esta notificação é mandada pelos correios com AR (aviso de Recebimento) para que se possa saber se o infrator recebeu a noticação. Agora, quando a notificação não é recebida é necessário que seja feita a publicação do edital no orgão oficial de divulgação, ou seja, deverá ser publicizado o ato, para que o administrado possa contestar. Como exemplo,em caso de autarquia Municipal, a publicação deverá ser feita no Diário Oficial do Municipio para que não haja cerceamento de defesa contra o administrado (art.5, LV, CR/88).
Diante do exarado, percebe-se que a Autoridade de Trânsito que impuser penalidades tem o dever legal de expedir a notificação ao proprietário ou condutor infrator para que estes tenham ciência do processo administrativo de que sejam parte e precipuamente que possam se defender. Destarte, caso a Administração (Autoridade de Trânsito) não expeça a notificação (NAI ou NIP), estará violando o principio do contraditório e da ampla defesa previstos constitucionalmente, o que seria uma atitude integralmente temerária e inadmissivel num Estado Democrático de Direito (CF/88). Na mesma senda, há jurisprudência do CETRA-BA que deu provimento ao recurso porque a NAI foi enviada ao antigo proprietário do veiculo e não ao atual, o que cerceou o direito de defesa deste:

EMENTA: NAI expedida para antigo proprietário do veículo, porém, oito dias antes da infração, já tinha ocorrido a transferência para o atual proprietário e por isso, a NAI deveria ter sido enviada para este. Houve cerceamento de defesa, pois recorrente não deu causa ao atraso da transferência de propriedade do veículo.Conhecido e Provido. (RECURSO CETRAN Nº 019.06. Relator: Teófilo Luz).


Conforme ensinamentos de Maria Sylvia Zanella di Pietro (2002, p.514), "O principio do contraditório, que é inerente ao direito de defesa, é decorrente da bilateralidade do processo: quando uma das partes alega alguma coisa, há de ser ouvida também a outra, dando-se-lhe oportunidade de resposta. Ele supõe o conhecimento dos atos processuais pelo acusado e o seu direito de resposta ou de reação. Exige:


1. notificação dos atos processuais à parte interessada;


2. possibilidade de exame das provas constantes do processo;


3. direito de assistir à inquirição de testemunhas;


4. direito de apresentar defesa escrita." Diante disso, caso a administração viole o direito de defesa ao não cientificar o administrado sobre o processo administrativo de que este é parte, este ato será totalmente ilegal e consequentemente deverá ser extirpado do mundo juridico.


No mesmo sentido, a Lei n°9784/99 (lei que trata do processo administrativo da administração federal) prescreve que o administrado tem os seguintes direitos diante da administração: ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado; formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo orgão competente (art. 3°), etc.
Diante do exposto, caso a administração deixar de noticar o administrado, ou seja, expedir a NAI ou NIP ou não publicar o aviso ou o edital no orgão oficial de divulgação, este ato omissivo ensejará a invalidação do ato praticado pelo poder público. Neste sentido pode-se aplicar a súmula 473 do STF:


"A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vicios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos;ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação jucicial."


Portanto, caso a Autoridade de Trânsito desobedeça ao comando legal previsto no art. 282, caput, CTB, a penalidade decorrente de tal ato será ilegal e como é divergente do art. 5, LV, CR/88 por estar violando o principio constitucional do contraditório e da ampla defesa, a penalidade supra deverá ser extinta e a multa julgada improcedente (art.281, par. único, I, II, CTB).




Referência



PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo.14ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002.