quarta-feira, 4 de abril de 2012

Distinção entre os crimes de Furto e o de Roubo


É muito comum vermos, quase que diariamente, nos jornais escritos e televisivos do Brasil, o erro cometido por estes meios de comunicação no que se refere à qualificação jurídica de determinado delito patrimonial, se furto ou roubo. Em outras palavras, para quem entende um pouco de Direito, não dá para confiar cegamente nas notícias veiculadas nos jornais, uma vez que a maior parte dos crimes em que a mídia denomina de roubo é na verdade o furto. Contudo, tal "equivoco" não é cometido por maldade, isto é, no sentido de levar conscientemente os destinatários da informação a erro sobre a informação veiculada. O que acontece na verdade, é que os meios de comunicação não se preocupam em procurar um profissional (como por exemplo, um Advogado) para tirar a sua dúvida no que tange à qualificação jurídica de determinado crime (se furto ou se roubo, por exemplo), preferindo inculcar uma informação errada na sociedade.
Ademais, reconhecemos o importante papel da mídia (escrita ou televisiva) no processo de cidadania de uma sociedade, motivo pelo qual nos propugnamos a refletir sobre a necessidade dos meios midiáticos transmitirem as informações jurídicas (conceituação dos crimes) como elas realmente são.
O que é mais comum, pois visualizado frequentemente, é o erro no que tange à distinção entre os crimes de furto e roubo. Senão vejamos.
Frequentemente a mídia assevera que alguém cometeu o crime de roubo, num Supermercado, ao esconder algum produto por debaixo da roupa e sair sem pagar ou, também, quando ocorre a subtração da coisa sem estiver ninguém por perto, quando por exemplo, alguém deixa sua carteira enquanto vai ao banheiro e quando volta, percebe que seu bem foi afanado. 
De uma vez por todas, nestes casos não houve o crime de roubo, mas sim o delito de furto (que pode ser simples ou qualificado, a depender do caso). Entendamos. 
Para a configuração do crime de roubo é preciso que o agente (criminoso) cometa violência ou grave ameaça contra a pessoa, como por exemplo, quando há assalto com arma de fogo (como na charge acima), em que o delinquente faz a ameaça com a arma, impondo medo à vitima, exigindo assim, que esta lhe entregue seu dinheiro ou bem, por exemplo. Neste caso, temos o chamado roubo próprio.
Outrossim, também haverá roubo, quando apesar do agente ter subtraído a coisa sem violência ou grave ameaça contra a pessoa (tendo cometido inicialmente furto), ele empregar violência ou grave ameaça contra a pessoa com o fito de assegurar a impunidade do fato ou detenção do objeto subtraído. A esta hipótese de roubo, a doutrina convencionou chamar de roubo impróprio.
Para configurar o delito de furto, a coisa deve ser subtraída sem o emprego de violência ou grave ameaça contra a pessoa (pois neste caso existirá o roubo). De acordo com o eminente penalista, Damásio de Jesus: "Furto é a subtração de coisa alheia móvel com fim de assenhoreamento definitivo (CP, art. 155, caput)".
Neste diapasão, a linha divisória entre o furto e roubo, é que naquele a coisa deve ser subtraída sem o emprego de violência ou grave ameaça contra a pessoa ou quando houver violência, que seja usada contra alguma coisa, como por exemplo, para destruir um cadeado ou uma janela. 
Desta forma, verifica-se que os meios midiáticos transmitem muitas informações que não condizem com a realidade (jurídica), uma vez que há importantes diferenças entre o furto e o roubo, v.g., a pena a ser aplicada, tendo em vista que a pena do furto simples é de 1 (um) a 4 (quatro) anos, enquanto a do roubo a sanção é de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.
Diante o exposto, é preciso ficar bem ligado às informações prestadas pelos meios de comunicação, uma vez que, conforme demonstrado, muitas das informações relativas à qualificação jurídica de delitos como o de furto e roubo são transmitidas sem fundamento jurídico, restando assim, comprometida a informação veiculada.


Referência
JESUS, Damásio E. de. Direito penal, vol. 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio. Ed. 27ª. São Paulo: Saraiva, 2005.


terça-feira, 3 de abril de 2012

Obrigação de alunos rezarem na escola: Violação ao direito constitucional de liberdade religiosa

Em texto publicado no início do ano (http://adaomendesdireitouneb.blogspot.com.br/2012/01/lei-n-35892011-do-municipio-de-ilheus.html) já tinhamos noticiado sobre o problema existente em Escolas e Colégios públicos brasileiros no que tange à obrigatoriedade dos alunos terem que rezar a oração do "Pai Nosso", uma vez que tal determinação violenta o direito constitucional à livre manifestação religiosa dos cidadãos brasileiros.
No caso em epígrafe, ocorrido no Estado de Minas Gerais, um adolescente de 17 (dezessete) anos foi vitima de bullying numa escola estadual pelo simples fato de não querer rezar a oração do "Pai Nosso", uma vez que o mesmo é Ateu, ou seja, não acredita na existência de Deus (es). Insta registrar que o assunto ganhou destaque quando o adolescente não suportou mais sua indignação e postou um vídeo na internet denunciando o caso, confira: http://www.youtube.com/watch?v=LObBkLmP26Y

Ademais, confira a matéria do Jornal Folha de São Paulo (disponível em http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1070839-aluno-ateu-diz-que-foi-perseguido-por-nao-rezar-na-aula-veja-video.shtml(03/04/2012):


"A atitude de uma professora que repreendeu um aluno ateu após ele permanecer em silêncio durante uma oração feita por ela causou polêmica em uma escola estadual de Minas Gerais. A informação é da reportagem de Ricardo Gallo publicada na edição desta terça-feira da Folha.
O caso ocorreu há duas semanas na escola estadual Santo Antonio, em Miraí, cidade de 13,8 mil habitantes que fica na Zona da Mata, a 335 km de Belo Horizonte.
Quem discutiu com a professora de geografia foi Ciel Vieira, 17, ateu há dois anos. "Eu disse que o que ela fazia era impraticável segundo a Constituição. E a professora disse que essa lei não existia".
Ao notar a reação do estudante, ela lhe disse, segundo o relato do aluno, que "um jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida". O aluno se irritou, os dois discutiram, e o caso foi parar na diretoria da escola. O garoto gravou parte da oração e pôs no YouTube.
Lila Jane de Paula, a docente, não quis falar com a reportagem. Procurada, a Secretaria de Estado da Educação informou que a professora foi orientada a não rezar mais dentro da classe".


Como é cediço, o Brasil é um Estado laico, isto é, em que não existe oficialmente a imposição de uma religião aos cidadãos, podendo, então, cada cidadão escolher seguir a religião que bem lhe aprouver e, até mesmo, a de não seguir nenhuma, como é o caso dos ateus.
Neste ponto, a obrigação dos estudantes terem que rezar qualquer oração é inconstitucional por violar um dos mais importantes direitos individuais, qual seja, o da liberdade religiosa. Destarte, parece claro que não é possível obrigar os alunos a rezarem o Pai Nosso, pois, a depender da crença religiosa que cada um deles segue, será um grande constrangimento e também um martírio, como é hipótese ocorrida em Minas Gerais.

Por fim, cabe parabenizar o adolescente pelo ato de coragem em denunciar tal irregularidade, pois violenta, como bem afirmado por ele, principalmente a Constituição Federal de 1988, que garante o direito à liberdade religiosa.

domingo, 1 de abril de 2012

O Direito Alternativo e seus reflexos na sociedade brasileira

Atualmente o descrédito do Poder Judiciário perante a sociedade brasileira está muito elevado, o que pode ser reflexo de suas várias decisões consideradas injustas e que, ao invés de resolver o conflito social existente posto na sua mão através da lide, tende a aumentar a tensão social, tendo em vista que não observa a real finalidade da lei, que é a busca pelos fins sociais a que ela se dirige e o bem comum (Art. 5º, LICC), especialmente os interesses das classes excluídas.
De fato, as bases estruturantes do direito moderno (liberal-individualismo e o direito de propriedade) têm que ser revistas, não é mais possível mantê-las intactas, favorecendo apenas as classes dominantes, como sempre se fez desde a época colonial no Brasil até os dias hodiernos, em detrimento da maior parte da população brasileira, que sempre ficou à margem social.
É preciso que as decisões judiciais - a partir de agora - tenham um novo olhar sobre as causas que lhe são apresentadas, buscando decidir sempre de olho no fim social colimado pela lei, sendo que tal decisório, ademais, deve buscar dissolver os males sociais, reconhecendo, desta forma, o caráter político do jurista.
Neste ponto, cumpre destacar que o estudo sobre o Movimento do Direito Alternativo pode ser um importante meio de consecução para uma justiça democrática, ante o reconhecimento de que a Ciência Jurídica (Direito) tem que ser utilizada em favor da libertação da população excluída.
O embrião do Movimento do Direito Alternativo brasileiro veio da Itália da década de setenta, ante a existência de magistrados italianos que procuravam aplicar a lei em favor da classe pobre, realizando para tal desiderato, uma interpretação da norma jurídica em favor da emancipação de tal categoria social.
Cumpre destacar que o Movimento do Direito Alternativo possui 3 (três) divisões - com diferentes recortes - a saber: o Uso Alternativo do Direito; o Positivismo de Combate e o Direito Alternativo em Sentido estrito (Pluralismo Jurídico, Direito Achado na Rua, etc.).
Contudo, nossa breve análise se limitará ao estudo do Uso Alternativo do Direito, corrente iniciada por alguns magistrados gaúchos (mormente o Desembargador Amilton Bueno de Carvalho) e professores universitários.
Para os defensores da Corrente do Uso Alternativo do Direito, o ordenamento jurídico é composto por várias lacunas, contradições e ambiguidades, devendo os operadores do direito (e não apenas os magistrados) realizarem uma interpretação das normas jurídicas com o fito de garantir uma justiça democrática, tendo por fim acabar com os conflitos sociais. Ademais, tal expediente de interpretação das normas deve se direcionar no sentido de buscar emancipar os grupos historicamente excluídos (a maioria da população brasileira) de nossa Terra Brasilis.
Neste ponto, cumpre asseverar que os juristas do Direito Alternativo têm como principais "armas" no seu desiderato de emancipação dos grupos excluídos, as normas (mormente o art. 5º, CF/88) e Princípios constitucionais e o Art. 5º da LICC.
É preciso deixar bem vincado, sublinhe-se, que o direito alternativo não lança mão de um direito "alternativo" propriamente dito, isto é, de um direito criado pelos próprios magistrados do direito alternativo, mas sim das normas jurídicas que estão positivadas no nosso ordenamento jurídico, como por exemplo as normas constitucionais e a LICC (art. 5º). Desta forma, verifica-se que o rótulo de direito alternativo se dá somente na questão da interpretação das normas que irão regular os casos concretos, pois, como afirmado anteriormente, os juristas do direito alternativo apenas buscam interpretar as leis (lato sensu) com o objetivo de superar as lacunas, contradições e ambiguidades, alcançando assim, uma justiça democrática em favor dos grupos excluídos.
Para visualizar uma situação de aplicação do direito alternativo, basta pensar nas constantes "invasões" de terra realizadas pelo Movimento Sem Terra (MST) nos grandes latifúndios com o objetivo de pressionar o Poder Público a realizar a tão almejada Reforma Agrária. Neste caso, um magistrado que não conhecer (ou discordar) do direito alternativo, irá somente realizar uma subsunção do fato (invasão) à norma (Art.1.228, Código Civil de 2002: "O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha"), determinando, in continenti, uma liminar em ação possessória, mandando enxotar os "invasores".
Contudo, um jurista do Direito Alternativo refletirá sobre a questão da terra no Brasil, que, conforme é notório (até as pedras da rua sabem), a maioria esmagadora da propriedade imobiliária brasileira  90% (noventa por cento) está na mão de apenas 10% (dez por cento) da sociedade brasileira (elite nacional). Levará em conta ainda o mandamento constitucional que diz que a Propriedade imóvel cumprirá sua função social (Art. 5º, XXIII, CF/88). Pesará ainda, que o único defeito do Movimento Sem Terra é permanecer no Utopismo de querer dividir as terras improdutivas e as que também não cumprem sua função social da nossa Terra Brasilis. É o que podemos chamar de "Utopismo Tupiniquim".
Assim sendo, o magistrado do direito alternativo negaria a medida liminar numa ação possessória, como no caso dos membros do MST, mantendo os "invasores" no imóvel ocupado (termo mais adequado). Uma decisão com essa fundamentação está em sintonia com os Princípios constitucionais da dignidade humana, isonomia, moradia, trabalho, etc., com o bem comum e com os fins sociais a que a lei deve atender.
Desta forma, percebe-se que o Direito deve ser um instrumento usado em favor da emancipação dos grupos excluídos, mormente num Estado que se intitula de Estado Democrático de Direito, como é o caso do Brasil.
Quando isso acontecer, a sociedade brasileira verá o Poder Judiciário como um aliado, sabendo que seus conflitos sociais serão sempre apaziguados.
Diante o exposto, o uso do direito alternativo é um importante movimento na luta da democratização da justiça e na busca pela emancipação dos grupos historicamente excluídos, frise-se, através do uso do próprio ordenamento jurídico brasileiro, mormente a Constituição Federal de 1988 e o art.5º da antiga LICC, quando afirma que "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".


*Disponível em: http://jornalismob.wordpress.com/tag/preconceito/. Acesso em: 01/04/2012.


Referência:
GOMEZ, Diego J. Duquelsky. Entre a Lei e o Direito: Uma Contribuição à Teoria do Direito Alternativo. Trad. Amilton Bueno de Carvalho e Salo de Carvalho. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001.

Como citar este texto:
GOMES, Adão Mendes. O Direito alternativo e seus reflexos na sociedade brasileira. O Direito na Berlinda. Disponível em:<http://adaomendesdireitouneb.blogspot.com.br/2012/04/o-direito-alternativo-e-seus-reflexos.html>. Acesso em: dia, mês e ano.