quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Lei 14.994/2024: Análise jurídica da figura autônoma do feminicídio


A violência e morte de mulheres no Brasil cresce assustadoramente, razão pela qual foi editada a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) e, posteriormente, a Lei 13.104/2015, que criou a figura do Feminicídio, isto é, a morte de mulheres em decorrência do simples fato da vítima pertencer ao sexo feminino.

De acordo com Francisco Dirceu Barros e Renee do Ó Souza (2021, p.24): “Feminicídio pode ser definido como uma qualificadora do crime de homicídio motiva pelo ódio contra as mulheres ou crença na inferioridade da mulher, caracterizado por circunstâncias específicas nas quais o pertencimento da mulher ao sexo feminino é central na prática do delito.”

Inicialmente cabe destacar que a Lei 13.104/2015 tratou o Feminicídio como uma qualificadora – inciso VI do §2º do art.121 do CP: “Matar mulher por razões da condição do sexo feminino” - do crime de homicídio (art.121, Código Penal), ou seja, não se tratava de uma infração penal autônoma, ao contrário do quanto trazido agora pela Lei 14.994, de 09 de outubro de 2024.

Acerca das qualificadoras, já tive a oportunidade de me manifestar em minha obra Aplicação da Pena: doutrina e jurisprudência (2020, p.202-203): “As qualificadoras, embora se tratem de circunstâncias também ligadas ao fato delituoso ou ao agente, elas servem para inaugurar um tipo penal mais gravoso, isto é, que possuam uma pena mais grave que a do delito na sua forma simples. [...] Assim, constatada a existência de uma qualificadora, o tipo penal na sua forma simples será desconsiderado, [...] no caso da prática de homicídio (art.121, CP), o qual tem pena de 6 a 20 anos (homicídio simples), caso reste comprovado que o referido delito foi praticado mediante promessa de recompensa (art.121, §2º, I, CP), aquela pena será desconsiderada pelo julgador, o qual deverá aplicar a sanção a partir da pena mínima de 12 (doze) anos e máxima de 30 (trinta) anos.”

O §2º-A do art.121 do CP, trazido pela Lei 13.104/2015 dispunha, in verbis: Considera-se que há razões da condição do sexo feminino quando o crime envolve:

I – violência doméstica e familiar;    

II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher. 

Insta registrar que a Lei 14.994/2024 revogou o aludido §2º-A do art.121 do CP, porém, manteve a referida conceituação/explicação no §1º do art.121-A do CP.

Parte da doutrina já vinha criticando o termo utilizado pelo legislador de matar em decorrência da “condição do sexo feminino”. Nesse ponto, ao comentar a Lei 14.994/2024, Amanda Bessoni Boudoux Salgado registrou que:

“Perdeu-se a oportunidade de aperfeiçoar a norma, por exemplo, no seu próprio aspecto conceitual, ou seja, na proposta de um modelo de tipificação mais claro e preciso, que não fosse tão dependente de fórmulas subjetivas e internas como a referência ao “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.

Outra grande oportunidade perdida foi a de adequar a definição legal ao desenvolvimento sociológico da categoria do feminicídio pela substituição da palavra “sexo” por “gênero”, haja vista que o fundamento material da figura está muito mais relacionado a esta última categoria.”

 

Da análise da novel Lei 14.994/2024, com relação a questão penal do feminicídio, verifica-se que ela basicamente repetiu a normatização trazida pela Lei 13.104/2015, com exceção de poucos de seus dispositivos, conforme se observará. Observemos o atual panorama legal dado ao feminicídio, in verbis:

 

Art. 121-A. Matar mulher por razões da condição do sexo feminino:      (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

Pena – reclusão, de 20 (vinte) a 40 (quarenta) anos.     (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

§ 1º Considera-se que há razões da condição do sexo feminino quando o crime envolve:     (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

I – violência doméstica e familiar;     (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.     (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

§ 2º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime é praticado:     (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

I – durante a gestação, nos 3 (três) meses posteriores ao parto ou se a vítima é a mãe ou a responsável por criança, adolescente ou pessoa com deficiência de qualquer idade;     (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental;     (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;     (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha);     (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

V – nas circunstâncias previstas nos incisos III, IV e VIII do § 2º do  art. 121 deste Código.       (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

Coautoria      (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

§ 3º Comunicam-se ao coautor ou partícipe as circunstâncias pessoais elementares do crime previstas no § 1º deste artigo.      (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)

 

Inicialmente, verifica-se desde logo que o termo - “Matar mulher por razões da condição do sexo feminino” (inciso VI do §2º do art.121 do CP) - que antes era qualificadora do homicídio qualificado, passou a ser o tipo penal denominado de Feminicídio.

Outrossim, digno de nota é o preceito secundário do tipo penal do feminicídio, que se distanciando do homicídio qualificado (cuja pena mínima contina a ser de 12 a no máximo 30 anos), a pena mínima foi estabelecida em 20 anos e no máximo de 40 anos, adaptando-se à nova redação do Art. 75 do Código Penal, que estabelece que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos, conforme Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019.

Embora o recrudescimento da pena seja importante como forma de intimidação (prevenção geral negativa) para os feminicidas, a prática demonstra que a dureza das penas não é o suficiente para reduzir a criminalidade (o que já era defendido por Cesare Beccaria ainda no Século XVIII).

Nesse sentido, ainda ao comentar a Lei 14.994/2024, Amanda Bessoni Boudoux Salgado destacou que “[...] o que se extrai da Lei n° 14.994/2024 é ainda o predomínio discrepante do paradigma reativo, atrelado ao recrudescimento de penas, que pouco adiciona ao debate sobre o que funciona em termos de prevenção da violência de gênero. Sintomático, aliás, que os números de feminicídios e de outras formas de violência contra as mulheres tenham apresentado crescimento nos últimos anos”.

No que se refere às causas de aumento de pena do feminicídio, as mesmas continuam tendo o quantum de aumento entre 1/3 (um terço) até a metade, nas mesmas hipóteses antes trazidas pela Lei 13.104/2015, com as seguintes exceções.

Manteve-se a causa de aumento de pena se o crime é cometido durante a gestação, nos 3 (três) meses posteriores ao parto, agora previsto no inciso I do §2º do art.121-A do CP, mas acrescentou-se ao referido inciso o aumento também para a hipótese se a vítima é a mãe ou a responsável por criança, adolescente ou pessoa com deficiência de qualquer idade.

Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/1990, seu Art. 2º estabelece que se considera criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

Por seu turno, a Lei 13.146/2015 (Estatuto da pessoa com deficiência), em seu art. 2º, define que se considera pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

No que se refere à hipótese de descumprimento das medidas protetivas de urgência impostas no âmbito da Lei Maria da Penha, confira as hipóteses legais, in verbis:

 

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 ;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

 

Destarte, caso o feminicídio ocorra através do descumprimento de alguma das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), haverá o aumento da pena.

Outra novidade digna de nota é a nova causa de aumento de pena de 1/3 (um terço) até a metade, elencada no inciso V do §2º do art.121-A do CP, que estabelece o aumento de pena nas circunstâncias previstas nos incisos III (com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum), IV (à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido) e VIII (com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido) do § 2º do  art. 121 deste Código (homicídio qualificado).

Em outras palavras, enquanto os incisos III, IV e VIII do § 2º do art. 121 deste Código (homicídio qualificado) são circunstâncias – qualificadoras - que tornam o homicídio qualificado, no feminicídio elas são causas de aumento da pena, a incidir na terceira fase da dosimetria da pena.

Quanto à lei penal no tempo, considerando que a Lei 14.994/2024, de 9 de outubro de 2024 (data que entrou em vigor), além de aumentar as penas mínima e máxima do feminicídio e instituir novas hipóteses de causas de aumento da pena, tem-se que a mesma é norma penal prejudicial ao réu, razão pela qual as novas disposições somente se aplicam para os feminicídios praticados a partir da entrada em vigor da Lei 14.994/2024, isto é, 9 de outubro de 2024, nos termos do art.5º da CF (XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu).

Sendo assim, aos feminicídios praticados até 8 de outubro de 2024, não se aplicam a pena mínima de 20 anos e a máxima de 40 anos, nem tampouco as causas de aumento previstas na parte final do inciso I e nem o inciso V, todos do §2º do art.121-A do Código Penal, vez que a Lei 14.994/2024 é norma penal prejudicial e, portanto, irretroativa, conforme previsão constitucional.

No que se refere à competência para julgamento, importa registrar, que por se tratar o feminicídio de um crime contra a vida, a competência para o processo e julgamento dele será do Tribunal do Júri, o que faz incidir algumas peculiaridades. No meu livro Aplicação da Pena (2020, p.213), no tocante a causas de aumento no âmbito do tribunal do júri, lecionei que:

 

O julgamento perante o Tribunal do Júri também possui peculiaridades no que toca às regras sobre o reconhecimento de qualificadoras e causas de aumento da pena.

Isto acontece, pelo fato do Tribunal do Júri ser o único competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, possuindo soberania o veredicto, conforme regra do inciso XXXVIII do art.5º da CF/88.

Assim, não há possibilidade do juiz na prolação da sentença reconhecer de ofício a existência de qualificadoras e causas de aumento ou diminuição da pena ou qualificadoras ou privilegiadoras, pois tais circunstâncias só podem ser reconhecidas pelo Tribunal do Júri, sendo que ao magistrado cabe apenas aplicá-las na decisão condenatória, sendo este o entendimento do STJ, conforme se observa da decisão constante do AgRg no HC 468460/MS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 6ª Turma, DJe 02/12/2019.

 

Relembre-se da regra do Art. 483 do CPP, que dispõe que  os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: § 3o  Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre:  II – circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. 

Dito de outra forma, no âmbito do tribunal do júri, o juízo só pode aplicar causas de aumento da pena que tenham sido autorizadas pelo Conselho de Sentença, pois o tribunal do júri é o único órgão competente para julgar causas penais referentes a crimes contra a vida.

Ademais, cabe chamar a atenção para o fato da Lei 14.994/2024 não ter alterado o CPP na parte que trata da competência do tribunal do júri para julgar os crimes contra a vida, in verbis: “art.74, § 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.”

Com efeito, o art.121-A do CP não foi inserido no §1º do art.74 do CPP, o que poderia levar à dúvida de que se o feminicídio seria julgado pelo tribunal do júri. Todavia, considerando de que não há dúvidas de que o feminicídio é um homicídio praticado contra mulheres por causa das condições previstas no §1º do art.121-A do CP, tem-se que ele é um crime contra a vida, sendo mais do que suficiente a previsão constitucional de competência do tribunal do júri para os casos de infrações penais contra a vida (art.5º, XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida).

De fato, tendo em vista a supremacia das normas constitucionais, é irrelevante que a Lei 14.994/2024 não tenha alterado o CPP na parte que trata da competência do tribunal do júri para julgar os crimes contra a vida e nela inserido a competência do júri para julgar o feminicídio. 

Outrossim, cabe analisar o dispositivo legal capitaneado com o nomen juris de “Coautoria”, constante no §3º do art.121-A do CP, que estabelece que se comunicam ao coautor ou partícipe as circunstâncias pessoais elementares do crime previstas no § 1º deste artigo (I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher).

De sua análise, verifica-se a falta de técnica legislativa, isso porque, o termo coautoria se refere apenas à figura das agentes que praticam a conduta típica da infração penal (pelo menos à luz da teoria restritiva objetivo-formal, que é considerada pela doutrina majoritária como a teoria adotada por nosso Código Penal), isto é, o verbo do tipo penal, por exemplo, são coautores as duas pessoas que desferem golpes de faca na vítima, ocasionando a morte desta. Todavia, o próprio §3º do art.121-A do CP diz que ele se aplica nos casos de partícipes, ora, como se sabe, o partícipe é aquele não pratica o verbo típico, apenas contribuindo de forma acessória para a infração penal, seja moralmente ou materialmente. Por exemplo, é partícipe quem empresta a faca que será utilizada no homicídio.

Nesse sentido, Cleber Masson (2021, p.432): “O art.29, caput, do Código Penal, acolheu a teoria restritiva, no prisma objetivo-formal. Em verdade, diferencia autor e partícipe. Aquele é quem realiza o núcleo do tipo penal; este é quem de qualquer modo concorre para o crime, sem executar a conduta criminosa. A teoria deve, todavia, ser complementada pela teoria da autoria mediata”.

Destarte, com relação ao §3º do art.121-A do CP, o nomen juris correto seria concurso de agentes, termo este que engloba tanto autores como partícipes.

Por outro lado, tem-se que o §3º do art.121-A do CP sequer precisava ser criado, pois o art.30 do Código Penal já trata de matéria, quando estabelece que “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.

Além da questão penal já comentada, cabe tecer alguns comentários sobre algumas importantes alterações realizadas na Lei de Execução Penal e na Lei de Crimes Hediondos.

De acordo com o art.41 da LEP, constitui direito do preso, a visita do cônjuge ou da companheira, de parentes e amigos em dias determinados, sendo nele incluído o direito à visita intima de seu cônjuge ou da companheira.

Antes de mais nada, cabe registrar, que antes da Lei nº 14.994/2024, o Parágrafo único do art.41 previa que os direitos previstos nos incisos V (proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação), X (visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados) e XV (contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes) poderiam ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento penal, conforme sinalizei no meu livro Lei de Execução Penal: comentários e jurisprudência (2020, p.52).

Entretanto, a Lei nº 14.994/2024 revogou o aludido Parágrafo único, criando um §1º, que estabelece que os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do juiz da execução penal. Dito de outra forma, a partir da alteração supra, somente o juízo da execução penal poderá suspender ou restringir os direitos previstos nos incisos V, X e XV da LEP, não tendo mais competência para tal o diretor do estabelecimento penal.

Outrossim, a Lei nº 14.994, de 2024 incluiu um § 2º no art.41 da LEP, que dispõe que o preso condenado por crime contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), não poderá usufruir do direito previsto no inciso X em relação à visita íntima ou conjugal. 

A nosso ver, o § 2º no art.41 da LEP está relacionado com o chamado direito penal do inimigo, o qual desconsidera que o preso tenha direitos inclusive relacionados com a dignidade humana, devendo ser tratado como inimigo da sociedade. Ora, o contato com as pessoas extramuros, se faz necessário para a ressocialização do preso, inclusive a visita intima, por estar associado ao direito à liberdade sexual e umbilicalmente ligado ao direito à saúde física e mental.

Não se pode esquecer que a dignidade humana é fundamento de nosso Estado Democrático de Direito, conforme inciso III do art.1º da Constituição Federal de 1988.

Ademais, o art.3º da nossa Constituição estabelece que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Com efeito, impedir a visita íntima é uma regra que viola a dignidade humana, pois o direito à liberdade sexual está umbilicalmente ligado ao direito à saúde física e mental do preso.

Importa registrar, que na LEP foi inserido o art. 146-E, que dispõe que o condenado por crime contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), ao usufruir de qualquer benefício em que ocorra a sua saída de estabelecimento penal, será fiscalizado por meio de monitoração eletrônica.

Com efeito, a fiscalização por monitoração eletrônica é regra muito salutar para a proteção da mulher, contudo, resta saber se haverá aplicação prática, sobretudo diante do fato de que em vários estados da federação há déficit na quantidade de aparelhos disponíveis para serem efetivamente usados.

Não menos importante, cabe registrar que a Lei 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos) manteve a natureza hedionda do feminicídio, agora catalogado no inciso I-B do art.1º da referida lei.

Por fim, para poder progredir de regime de cumprimento da pena, o preso condenado pela prática de feminicídio deverá cumprir ao menos 55% (cinquenta e cinco por cento) da pena, se for primário, vedado o livramento condicional, conforme inciso VI-A do art.112 da LEP, incluído pela Lei nº 14.994, de 2024.

Ademais, de acordo com o novo §4º do art.86, inserido pela Lei nº 14.994/2024, será transferido para estabelecimento penal distante do local de residência da vítima, ainda que localizado em outra unidade federativa, inclusive da União, o condenado ou preso provisório que, tendo cometido crime de violência doméstica e familiar contra a mulher, ameace ou pratique violência contra a vítima ou seus familiares durante o cumprimento da pena.

Destarte, caso o condenado ou preso provisório esteja ameaçando ou praticando violência contra a vítima ou seus familiares durante o cumprimento da sanção penal, ele será transferido para estabelecimento penal distante do local de residência da vítima, ainda que localizado em outra unidade federativa, inclusive da União. Com efeito, trata-se de regra bastante salutar, pois o cumprimento da pena mais longe do domicílio da vítima é fator que garante mais segurança no espirito da vítima.

 

 

REFERÊNCIAS

BARROS, Franciso Dirceu; SOUZA, Renee do Ó. Feminicídio: controvérsias e aspectos práticos. 2ª ed. Leme, SP: Mizuno, 2021.

GOMES, Adão Mendes. Aplicação da Pena: doutrina e jurisprudência. 1ª ed. Taboão da Serra, SP: Vicenza Edições Acadêmicas, 2020.

GOMES, Adão Mendes. Lei de Execução Penal: comentários e jurisprudência. 1ª ed. Taboão da Serra, SP: Vicenza Edições Acadêmicas, 2020.

MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts.1º a 120). 15 ed. Rio de Janeiro: Forense; MÉTODO, 2021.

SALGADO, Amanda Bessoni Boudoux. A Lei n° 14.994/2024 e o novo modelo brasileiro de tipificação do feminicídio. Conjur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-out-16/a-lei-n-14-994-2024-e-o-novo-modelo-brasileiro-de-tipificacao-do-feminicidio/ . Acesso em 28.10.2024.