sexta-feira, 15 de março de 2013

CASO MÉRCIA NAKASHIMA: A pena de MIZAEL BISPO deveria ser de aproximadamente 27 (vinte e sete) anos de reclusão

No dia 14 de março de 2013 (quinta-feira), o advogado Mizael Bispo de Souza fora condenado pelo Tribunal do Júri da Comarca de Guarulhos (SP) à pena de 20 (vinte) anos de reclusão pelo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe; meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima) pela morte da sua ex-namorada, a advogada Drª. Mércia Nakashima, ocorrida em 23 de maio de 2010.
Ocorre que, da análise da referida sentença condenatória (link abaixo), verifica-se a existência de 3 (três) erros técnicos-jurídicos, senão vejamos.
O primeiro se refere ao fato do douto magistrado ter considerado como circunstância judicial desfavorável ao réu as consequências do crime, in verbis:

"In casu", fora graves, pois a vida de uma jovem de 28 anos foi ceifada subitamente, provocando danos psicológicos incomensuráveis e irreparáveis aos familiares. O sentimento que toma conta da família em uma perda ultrajante, desumana e diabólica é intangível. A saudade inextinguível os acompanhará enquanto viverem (fls.6, sentença).

Como se sabe, as consequências do crime, especificamente no delito de homicídio têm que ser sopesadas com extrema cautela, devendo somente serem consideradas desfavoráveis ao réu quando ultrapassarem o resultado típico, o que não aconteceu no caso em epígrafe. De acordo com o renomado penalista GUILHERME DE SOUZA NUCCI, ao lecionar sobre as consequências do crime, obtempera que:

O mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico, é a circunstância a ser considerada para a fixação da pena. É lógico que num homicídio, por exemplo, a consequência natural é a morte de alguém e, em decorrência disso, uma pessoa pode ficar viúva ou órfã. Diferentemente, um indivíduo que assassina a esposa na frente dos filhos menores, causando um trauma sem precedentes, precisa ser mais severamente apenado, pois trata-se de uma consequência não natural do delito. (Individualização da Pena. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.226).

Infelizmente, devido aos deletérios efeitos permanentes do homicídio (supressão da vida da vítima), é que sua pena é uma das maiores da legislação penal, vez que o homicídio simples (art.121, caput, Código Penal) possui previsão de pena entre 6 (seis) a 20 (vinte) anos de reclusão, ao passo que o homicídio qualificado (art.121, §2º, incisos I, II, III, IV e V do CP) devido à sua natureza tem pena de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão.
Em outras palavras, somente quando as consequências do homicídio ultrapassarem o resultado típico é que será possível sopesar negativamente as consequências dele (homicídio), sob pena de dupla valoração negativa, eis que a consequência natural do homicídio que é a morte já foi valorada pelo legislador no momento da fixação das penas mínima e máxima, que, conforme dito alhures, é uma das maiores do nosso Código Penal. Destarte, no caso de Mizael Bispo, acreditamos que as consequências do crime (embora desumana e diabólica, segundo o douto juiz Leandro Jorge Bittencourt Cano) não ultrapassaram o resultado típico, ou seja, dita circunstância judicial não deveria ter sido valorada negativamente contra o réu.
O segundo deslize técnico-jurídico deveu-se ao fato do douto magistrado ter atribuído a cada circunstância judicial desfavorável o quantum de 1 (um) ano (com a exceção da personalidade a que ele fixou 2 anos). De acordo com o jurista baiano RICARDO AUGUSTO SCHMITT, ao tratar deste tema, ensina que:

Imaginar que cada circunstância judicial desfavorável tenha um valor padronizado de 6 (seis) meses, 1 (um) ano, 2 (dois) anos ou qualquer outro pré-definido pelo julgador, é ignorar em absoluto a devida proporção que deverá sempre reinar na individualização da pena.
[...]
O critério que vem sendo albergado pelos Tribunais Superiores repousa numa situação prática e simples, que tem resultado a partir da obtenção do intervalo de pena previsto em abstrato no tipo (máximo - mínimo), devendo, em seguida, ser encontrada sua oitava parte (1/8), ou seja, dividir o resultado do intervalo de pena em abstrato por 8 (oito), pois este é o número de circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal.
Com este raciocínio, chegamos ao patamar exato de valoração de cada circunstância judicial (com absoluta proporcionalidade), que servirá de parâmetro para o julgado promover a análise individualizada no momento de dosagem da pena-base. (Sentença Penal Condenatória. 7ª Edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p.165/166).

Desta forma, considerando que o homicídio triplamente qualificado a que Mizael Bispo fora condenado possui pena abstrata de mínimo 12 (doze) anos e máximo 30 (trinta) anos, o intervalo dele é de 18 anos (30 (pena máxima) - 12 (pena mínima) = 18) e, dividindo tal intervalo (18) pelo número de 8 (oito) circunstâncias judiciais previstas no art.59 do CP, tem-se que cada uma dessas circunstâncias teriam o quantum aproximado de 2 (dois) anos 2 (meses).

Já o terceiro deslize se refere ao fato do douto magistrado ter dado à agravante da dissimulação um agravamento módico de apenas 1 (um) ano, deixando de lado entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritários no sentido de que deve ser aplicado um patamar imaginário de 1/6 (um sexto) sobre a pena-base. A esse respeito, confira novamente os ensinamentos elucidativos de RICARDO SCHMITT, que ao tratar das atenuantes e agravantes ensina que:

As circunstâncias atenuantes e agravantes formam a pena intermediária ou provisória. Portanto, seguindo o critério trifásico de dosimetria da pena (art.68 caput do CP), deverá o julgador, após ter fixado a pena-base, considerar as atenuantes e agravantes.
Como vimos, novamente não teremos critérios (pré)definidos para valorar cada circunstância atenuante ou agravante, sendo que os julgados apresentam uma diversidade de patamares, os quais passam a ser adotados por cada julgador em sua apreciação e valoração individual própria.
No entanto, muito embora não tenhamos atualmente um consenso quanto ao patamar ideal a ser adotado, torna-se mais aceito pela jurisprudência dos Tribunais Superiores (STF e STJ) a aplicação do coeficiente imaginário de 1/6 (um sexto) para cada circunstância atenuante ou agravante reconhecida (e valorada) - STF HC 69392/SP, HC 69666/PR, HC 73484-7(Sentença Penal Condenatória. 7ª Edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p.214/215). (grifo nosso)

No mesmo sentido, confira posicionamento de GUILHERME DE SOUZA NUCCI:

Temos defendido que cada agravante ou atenuante deve ser equivalente a um sexto da pena-base (menor montante fixado para as causas de aumento ou diminuição da pena), afinal, serão elas (agravantes e atenuantes) consideradas na segunda fase de aplicação da pena, necessitando ter uma aplicação efetiva. Não somos partidários da tendência de elevar a pena em quantidades totalmente aleatórias, fazendo com que o humor do juiz prepondere ora num sentido, ora noutro.
[...]
A única maneira de assegurar fiel cumprimento à elevação efetiva ou à redução eficaz da pena, na segunda fase de individualização, é a eleição de um percentual, que, como já dissemos, merece ser fixado em um sexto. Logo, tomando-se ainda como exemplo o caso da pena-base estabelecida em 15 anos, havendo uma agravante a pena passaria a 17 anos e 6 meses e não a ínfimos 15 anos e 1 mês. Na diminuição, a pena atingiria 12 anos e 6 meses e não apenas 14 anos e 11 meses. (Individualização da Pena. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.230/231). (negrito e grifo nossos)

Desta forma, temos que o douto Juiz-Presidente do Egrégio Tribunal do Júri da Comarca de Guarulhos, Leandro Jorge Bittencourt Cano, deveria ter dado à agravante o quantum de 1/6 (um sexto) a ser aplicado sobre a pena-base, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritários.
Assim, extirpando os 3 (três) deslizes técnicos-jurídicos do édito condenatório, isto é, valorando negativamente somente 5 circunstâncias judiciais (vez que acreditamos que as consequências do crime não são desfavoráveis ao réu, pelos motivos declinados alhures) e atribuindo-lhes o quantum de 2 (dois) anos e 2 (meses), a pena-base seria de 23 anos e 2 meses. Por fim, na segunda fase da dosimetria, em face da existência de uma agravante (e dando-lhe o quantum de 1/6 (um sexto), ante os fundamentos acima explicitados) a ser aplicado sobre a pena-base (23 anos e 2 meses), temos que a pena definitiva de MIZAEL BISPO seria de aproximadamente 27 (vinte e sete) anos e 1 (um) mês de reclusão, ou seja, não somente os 20 (vinte) anos que lhe foram fixados na sentença condenatória.




domingo, 10 de março de 2013

CASO ELIZA SAMÚDIO: A pena do goleiro Bruno deveria ter sido de aproximadamente 23 (vinte e três) anos só pelo homicídio

A condenação do goleiro Bruno pela morte de Eliza Samúdio já era esperada, ainda mais após a condenação de seu "braço direito", o Macarrão, ocorrida em novembro de 2012.
Ocorre que, da análise do referido édito condenatório (link abaixo), vislumbra-se a existência de alguns erros técnicos-jurídicos, vez que, considerando somente a fundamentação exposta (a qual, frise-se, não concordamos, conforme se demonstrará) pela douta Juíza-Presidente do Tribunal do Júri da Comarca de Contagem (MG), a sanção corporal a ser imposta ao referido atleta deveria ser bem maior que os 17 (dezessete) anos e 6 (seis) meses fixados na sentença condenatória, senão vejamos.
Inicialmente, cabe registrar, que analisaremos apenas a fundamentação do crime de homicídio triplamente qualificado (art.121, §2º, incisos I, III e IV do Código Penal brasileiro) pelo qual Bruno fora condenado, deixando de lado, assim, a análise dos crimes de Sequestro (art. 148, §1º, IV, CP) e Ocultação de Cadáver (art.211, CP).
Como é sabido, o juiz ao dosar (fixar) a pena deve se atentar para os vetores previstos no art. 59 do Código Penal brasileiro ("O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime..."), sendo que os mais comezinhos princípios sobre dosimetria da pena direcionam para que, caso todas as circunstâncias judiciais (as previstas no art.59 do CP) sejam favoráveis ao condenado, a pena-base deverá ser fixada no patamar mínimo previsto no preceito secundário do tipo penal.
A seu turno, caso as mesmas circunstâncias judiciais sejam todas desfavoráveis, a pena-base deverá ser fixada no patamar máximo. Se houver apenas uma circunstância judicial desfavorável, a pena deverá ser fixada um pouco acima do mínimo previsto na lei penal.
Ocorre que, no caso do goleiro Bruno, a douta magistrada sopesou 6 (seis) circunstâncias judiciais negativas (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, circunstâncias e consequências do crime) e mais 2 (duas) qualificadoras (do emprego de asfixia e do recurso que dificultou a defesa da vítima) para fixar a pena-base, ou seja, no total foram 8 (oito) circunstâncias negativas, mesmo número das circunstâncias previstas no art. 59 do CP. 
Como dito linhas acima, caso todas as circunstâncias judiciais sejam desfavoráveis ao réu, como foi a hipótese do goleiro Bruno, vez que ao total foram sopesadas 8 (oito) circunstâncias desfavoráveis a ele, a pena-base deveria ter sido fixada no patamar máximo (ou o mais perto disso, vez que não estamos diante de simples questão matemática) da pena do crime de Homicídio qualificado, qual seja, em 30 (trinta) anos, não nos 20 (vinte) que lhe foram impostos. Neste sentido, confira o magistério de Guilherme de Souza Nucci, in verbis:

[...] Há possibilidade legal e, em certos casos, viabilidade concreta e desejável de se estabelecer o máximo previsto no tipo penal secundário para determinados delinquentes. O raciocínio é exatamente o inverso do utilizado pelo julgador para atingir a pena mínima: se todas as circunstâncias do art. 59 apresentam-se desfavoráveis, inexiste outro caminho senão partir da pena-base estabelecida no máximo. (Individualização da Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.341). (negrito nosso)

Em outras palavras, a pena-base aplicada a Bruno deveria ter sido de 30 anos, vez que a magistrada em sua fundamentação consignou 8 (oito) circunstâncias desfavoráveis. 
Para não haver dúvidas, cabe destacar, quando há mais de uma qualificadora, como no caso em testilha que tinham 3 (três), uma delas serve para qualificar o homicídio e as outras podem tanto ser utilizadas na análise das circunstâncias judiciais (1ª fase da fixação da pena) ou como agravantes (na 2ª fase). In casu, a juíza, acertadamente, considerou o motivo torpe para qualificar o crime e as outras duas na análise das circunstâncias judiciais. Ou seja, considerando as 6 circunstâncias judiciais negativas somadas às 2 (duas) qualificadoras, chegou-se ao número de 8 circunstâncias negativas. 
Após a fixação da pena-base, que no caso do goleiro Bruno foi fixada - equivocadamente, pensamos nós - em 20 (vinte) anos, a magistrada deveria ter neutralizado a agravante (art. 62, I do CP - quando o agente dirige a atividade dos demais agentes) com a atenuante (art.65, III, "d" do CP - quando o agente confessa a autoria do crime), ou seja, não deveria ter realizado a valoração de tais circunstâncias, eis que, por possuírem o mesmo valor (jurisprudencialmente fixado em 1/6) e a mesma natureza (subjetiva), deveriam ter sido reconhecidas na sentença, mas não aplicadas. Neste diapasão, o magistrado baiano Ricardo Augusto Schmitt leciona que:

Eis a única hipótese em que a jurisprudência admite a neutralização entre as circunstâncias, ou seja, a pena não sofrerá nenhuma alteração.
Somente ocorrerá a neutralização de uma circunstância por outra na hipótese de serem da mesma espécie, ou seja, atenuante subjetiva com agravante subjetiva ou atenuante objetiva com agravante objetiva e, ainda, desde que não estejam inseridas no art. 67 do Código Penal, caso contrário sempre haverá a preponderância de uma sobre a outra.
Muito embora pareçam sinônimos, não se trata de compensação ou anulação de uma circunstância por outra, mas sim de neutralização de seus efeitos. (Sentença Penal Condenatória. 7ª Edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p. 239). (grifo nosso)

Desta forma, considerando a fundamentação constante da sentença condenatória (a qual equivocadamente, frise-se, considerou 8 circunstâncias negativas contra o goleiro Bruno), vislumbra-se que a pena-base deveria ter sido fixada em aproximadamente 30 (trinta) anos e que, em face neutralização dos efeitos da agravante e da atenuante supracitadas, bem como em razão da inexistência de causas especiais de aumento ou diminuição da pena, a pena-base deveria se tornar definitiva (30 anos). 
Ademais, há que se destacar, que a douta magistrada não observou o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no que se refere ao quantum a ser dado à atenuante da confissão e da agravante, vez que, não obstante a doutrina e jurisprudência majoritárias entenderem que deve ser aplicado o montante de 1/6 (um sexto) para ambas as circunstâncias (agravante e atenuante), a juíza deu o valor de 3 (três) anos para a atenuante e de apenas 6 (seis) meses para a agravante, ou seja, faltou razoabilidade e proporcionalidade, vez que agravantes e atenuantes devem possuir o mesmo quantum, exceto quando há preponderância entre elas (como preconizado pelo art.67 do CP), o que não é a hipótese em apreço.

Contudo, consideramos que houve um erro no que tange ao reconhecimento e valoração de 3 (três) circunstâncias judiciais (antecedentes, conduta social e consequências do crime) consideradas desfavoráveis ao goleiro Bruno, senão vejamos. 
Primeiramente, a magistrada considerou como circunstância judicial negativa os antecedentes, tendo em vista que ele já havia sido condenado anteriormente. Ocorre que, segundo entendimento predominante de nossos Tribunais Superiores (STF e STJ), a existência de inquéritos e processos sem trânsito em julgado não servem para caracterizar maus antecedentes, sob pena de violação frontal à garantia constitucional da Presunção de Inocência (art.5º, LVII, CF/88 - "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória"), verdadeira garantia individual. Neste sentido, recentemente o STJ sumulou a matéria em seu verbete de número 444, in verbis: "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base".
Em segundo lugar, foi considerada negativa a conduta social do goleiro Bruno em face de supostas informações de que ele tinha envolvimento com o tráfico de drogas e também com a face obscura do mundo do futebol. Em primeiro lugar, insta salientar que meras suposições de participação em atividade criminosa, sem que haja prova cabal, não admite a exasperação da pena-base por má conduta social. A seu turno, se o goleiro Bruno participava de orgias (independentemente de comprovação) tal fato não deve ser considerado como fator negativo de conduta social, vez que esta se refere apenas à conduta social do réu no seio familiar, da comunidade e do trabalho, ou seja, não tem nada a ver com as festas de que participava ou de que modo eram realizadas. 
Outrossim, outro equívoco se referiu à circunstância judicial das consequências do crime que foram consideradas negativas, onde segundo a juíza, "[...] foram graves, eis que a vítima deixou órfã uma criança de apenas quatro meses de vida (fls.5)". Ora, tal fundamento não é valido para considerar negativa as consequências do crime, tendo em vista que não transcendeu o resultado típico. No crime de homicídio (Crime Rei), ante a gravidade do delito, a pena fixada abstratamente já é suficientemente alta e proporcional ao bem jurídico tutelado, ou seja, a vida. Por isso, somente quando as consequências ultrapassarem o resultado típico é que será possível considerar tal circunstância negativa, sob pena de odiável bis in iden. In casu, temos que a consequência do delito não ultrapassou o resultado típico. Neste diapasão, cabe trazer à baila mais uma vez os ensinamentos de Guilherme Nucci:

O mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico, é a consequência a ser considerada para a fixação da pena. É lógico que num homicídio, por exemplo, a consequência natural é a morte de alguém e, em decorrência disso, uma pessoa pode ficar viúva ou órfã. Diferentemente, um indivíduo que assassina a esposa na frente dos filhos menores, causando-lhe um trauma sem precedentes, precisa ser mais severamente apenado, pois trata-se de uma consequência não natural do delito. (Individualização da Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.226). (grifo nosso)

Desta forma, consideramos que as três circunstâncias judiciais supracitadas (antecedentes, conduta social e consequências do crime) não deveriam ter sido consideradas negativas contra o goleiro Bruno.
Assim, eliminando estas 3 (três) circunstâncias judiciais, restariam apenas 5 circunstâncias negativas (já consideradas as  2 (duas) qualificadoras acima destacadas), devendo por isso, em homenagem ao princípio constitucional da individualização da pena, a pena-base do goleiro Bruno deveria ser fixada aproximadamente em 23 (vinte e três) anos e 2 (dois) meses de reclusão.
Por seu turno, considerando que os efeitos da atenuante deveriam ser neutralizados pelos da agravante ante seu mesmo valor (1/6) e sua natureza subjetiva, bem como pela inexistência de causas especiais de aumento ou diminuição da pena, a pena definitiva do goleiro Bruno só com relação ao homicídio praticado contra Eliza Samúdio seria de aproximadamente 23 (vinte e três) anos e 2 (dois) meses de reclusão, por ser a reprimenda necessária e suficiente ao crime praticado (homicídio triplamente qualificado), não apenas os 17 (dezessete) anos e 6 (seis) meses de reclusão que lhe foram impostos na sentença condenatória.





terça-feira, 5 de março de 2013

Policial mata amigo policial por "engano": DESCRIMINANTE PUTATIVA POR ERRO DE TIPO INVENCÍVEL

No dia 18 de janeiro de 2013 (sexta-feira), na cidade de Rondonópolis (a 218 Km de Cuiabá) morreu o policial militar Yung Caio Rodrigues, de 35 (trinta e cinco) anos de idade.
Infelizmente, tal notícia causou grande comoção nacional, tendo em vista que, o responsável pela morte foi outro policial militar e grande amigo da vítima, que por "engano" plenamente justificável pelas circunstâncias, acabou atirando contra seu amigo.
Como restou apurado, o policial responsável pelos disparos estava saindo de casa na noite de quinta-feira, juntamente com sua mulher, quando Yung Caio, querendo fazer uma brincadeira com seu amigo, chegou montado em uma motocicleta e sem tirar o capacete, gritou: "perdeu, polícia, perdeu".
No calor das emoções, o amigo de Caio não pensou duas vezes e efetuou dois disparos de arma de fogo contra ele, tendo um tiro acertado o abdome e outro a virilha. Logo após os disparos, Caio, caído no chão tirou o capacete e se identificou, dizendo que era uma brincadeira.
Resumo da história, Caio foi levado urgentemente por policiais militares e por seu amigo para o hospital, mas durante a cirurgia não resistiu aos ferimentos, vindo a óbito.
Infelizmente, uma enorme fatalidade da vida, mas que também deixará consequências jurídicas.
No caso em apreço, tem-se a chamada Descriminante Putativa por Erro de Tipo, ou seja, existe uma circunstância que leva à exclusão da tipicidade, fazendo com que o agente responsável pela morte não sofra qualquer sanção penal quando o erro for inevitável (aquele que, mesmo que fosse empregada prudência mediana o resultado ocorreria). Neste diapasão, o insigne penalista, Fernando Capez, ao tratar da descriminante putativa por erro de tipo leciona que:

Ocorre quando o agente imagina situação de fato totalmente divorciada da realidade na qual está configurada a hipótese em que ele pode agir acobertado por uma causa de exclusão da ilicitude.
É um erro de tipo essencial incidente sobre elementares de um tipo permissivo. Os tipos permissivos são aqueles que permitem a realização de condutas inicialmente proibidas. Compreendem os que descrevem as causas de exclusão da ilicitude, ou tipos descriminantes. são espécies de tipo permissivo: legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal.

E por fim, arremata que:

Ocorrerá um erro de tipo permissivo quando o agente, erroneamente, imaginar uma situação de fato totalmente diversa da realidade, em que estão presentes os requisitos de uma causa de justificação. No caso da legítima defesa, suponha-se a hipótese de um sujeito que, ao ver um estranho colocar a mão no bolso para pegar um lenço, pensa que ele vai sacar uma arma para matá-lo. Nesse caso, foi imaginada uma situação de fato, na qual estão presentes os requisitos da legítima defesa. Se fosse verdadeira, estaríamos diante de uma agressão injusta iminente. Houve, por conseguinte, um erro sobre situação descrita no tipo permissivo da legítima defesa, isto é, incidente sobre os seus elementos ou pressupostos. Daí a conclusão de que a descriminante putativa por erro de tipo é uma espécie de erro de tipo essencial. 
(...)
Os efeitos são os mesmos do erro de tipo, já que descriminante putativa por erro de tipo não é outra coisa senão erro de tipo essencial incidente sobre tipo permissivo. Assim, se o erro for evitável, o agente responderá por crime culposo, já que o dolo será excluído, da mesma forma como sucede com o erro de tipo propriamente dito; se o erro for inevitável, excluir-se-ão o dolo e a culpa e não haverá crime. (CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Vol. 1, parte geral: arts. 1º a 120. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, págs. 250/251). (grifo nosso)

No fatídico episódio ocorrido em Rondonópolis (MT), ocorreu justamente a descriminante putativa por erro de tipo, vez que o policial militar responsável pelos disparos pensava estar acobertado pela legítima defesa (ante uma agressão injusta iminente, requisito da referida excludente de ilicitude), pois ao sair de casa, se viu ameaçado por um motoqueiro que gritou "perdeu, polícia, perdeu". Qualquer pessoa em sua situação acharia que seria vítima de roubo ou, em casos de policiais, executado. Basta dar uma olhada nos noticiários diários, para ver quantos policiais são vítimas de execução em todo o Brasil.
E mais, levando em consideração as circunstâncias do caso - isto é, o amigo estar de capacete e sem a farda da polícia -, acreditamos ser caso de descriminante putativa por erro de tipo invencível, o que equivale a dizer que, o erro elimina tanto o dolo quanto a culpa, eliminando o crime ou nas precisas palavras de Fernando Capez, "excluir-se-ão o dolo e a culpa e não haverá crime". Neste diapasão, nosso Código Penal prevê no art.20, §1º, "É isento de pena quem, por erro plenamente justificável pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo". (grifo nosso)
Diante o exposto, sendo reconhecida a descriminante putativa por erro de tipo invencível e a consequente eliminação da conduta dolosa e culposa, não há que se falar em responsabilização por homicídio na fatalidade ocorrida em Rondonopólis (MT), por total ausência de tipicidade (vez que, para a Teoria Finalista da Ação, a qual nosso Código Penal adotou, é preciso que haja conduta (dolosa ou culposa) para que haja tipicidade).
Como se sabe, nosso Código Penal abraça a teoria que põe como elementos do crime a tipicidade (sendo a conduta dolosa e/ou culposa um de seus elementos), ilicitude e culpabilidade, ou seja, havendo a exclusão do dolo e da culpa pela descriminante putativa por erro de tipo invencível fica eliminado o crime, em razão da ausência de um de seus elementos, qual seja, a tipicidade (vez que a referida descriminante exclui a conduta dolosa e culposa, elementos da tipicidade).