terça-feira, 5 de março de 2013

Policial mata amigo policial por "engano": DESCRIMINANTE PUTATIVA POR ERRO DE TIPO INVENCÍVEL

No dia 18 de janeiro de 2013 (sexta-feira), na cidade de Rondonópolis (a 218 Km de Cuiabá) morreu o policial militar Yung Caio Rodrigues, de 35 (trinta e cinco) anos de idade.
Infelizmente, tal notícia causou grande comoção nacional, tendo em vista que, o responsável pela morte foi outro policial militar e grande amigo da vítima, que por "engano" plenamente justificável pelas circunstâncias, acabou atirando contra seu amigo.
Como restou apurado, o policial responsável pelos disparos estava saindo de casa na noite de quinta-feira, juntamente com sua mulher, quando Yung Caio, querendo fazer uma brincadeira com seu amigo, chegou montado em uma motocicleta e sem tirar o capacete, gritou: "perdeu, polícia, perdeu".
No calor das emoções, o amigo de Caio não pensou duas vezes e efetuou dois disparos de arma de fogo contra ele, tendo um tiro acertado o abdome e outro a virilha. Logo após os disparos, Caio, caído no chão tirou o capacete e se identificou, dizendo que era uma brincadeira.
Resumo da história, Caio foi levado urgentemente por policiais militares e por seu amigo para o hospital, mas durante a cirurgia não resistiu aos ferimentos, vindo a óbito.
Infelizmente, uma enorme fatalidade da vida, mas que também deixará consequências jurídicas.
No caso em apreço, tem-se a chamada Descriminante Putativa por Erro de Tipo, ou seja, existe uma circunstância que leva à exclusão da tipicidade, fazendo com que o agente responsável pela morte não sofra qualquer sanção penal quando o erro for inevitável (aquele que, mesmo que fosse empregada prudência mediana o resultado ocorreria). Neste diapasão, o insigne penalista, Fernando Capez, ao tratar da descriminante putativa por erro de tipo leciona que:

Ocorre quando o agente imagina situação de fato totalmente divorciada da realidade na qual está configurada a hipótese em que ele pode agir acobertado por uma causa de exclusão da ilicitude.
É um erro de tipo essencial incidente sobre elementares de um tipo permissivo. Os tipos permissivos são aqueles que permitem a realização de condutas inicialmente proibidas. Compreendem os que descrevem as causas de exclusão da ilicitude, ou tipos descriminantes. são espécies de tipo permissivo: legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal.

E por fim, arremata que:

Ocorrerá um erro de tipo permissivo quando o agente, erroneamente, imaginar uma situação de fato totalmente diversa da realidade, em que estão presentes os requisitos de uma causa de justificação. No caso da legítima defesa, suponha-se a hipótese de um sujeito que, ao ver um estranho colocar a mão no bolso para pegar um lenço, pensa que ele vai sacar uma arma para matá-lo. Nesse caso, foi imaginada uma situação de fato, na qual estão presentes os requisitos da legítima defesa. Se fosse verdadeira, estaríamos diante de uma agressão injusta iminente. Houve, por conseguinte, um erro sobre situação descrita no tipo permissivo da legítima defesa, isto é, incidente sobre os seus elementos ou pressupostos. Daí a conclusão de que a descriminante putativa por erro de tipo é uma espécie de erro de tipo essencial. 
(...)
Os efeitos são os mesmos do erro de tipo, já que descriminante putativa por erro de tipo não é outra coisa senão erro de tipo essencial incidente sobre tipo permissivo. Assim, se o erro for evitável, o agente responderá por crime culposo, já que o dolo será excluído, da mesma forma como sucede com o erro de tipo propriamente dito; se o erro for inevitável, excluir-se-ão o dolo e a culpa e não haverá crime. (CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Vol. 1, parte geral: arts. 1º a 120. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, págs. 250/251). (grifo nosso)

No fatídico episódio ocorrido em Rondonópolis (MT), ocorreu justamente a descriminante putativa por erro de tipo, vez que o policial militar responsável pelos disparos pensava estar acobertado pela legítima defesa (ante uma agressão injusta iminente, requisito da referida excludente de ilicitude), pois ao sair de casa, se viu ameaçado por um motoqueiro que gritou "perdeu, polícia, perdeu". Qualquer pessoa em sua situação acharia que seria vítima de roubo ou, em casos de policiais, executado. Basta dar uma olhada nos noticiários diários, para ver quantos policiais são vítimas de execução em todo o Brasil.
E mais, levando em consideração as circunstâncias do caso - isto é, o amigo estar de capacete e sem a farda da polícia -, acreditamos ser caso de descriminante putativa por erro de tipo invencível, o que equivale a dizer que, o erro elimina tanto o dolo quanto a culpa, eliminando o crime ou nas precisas palavras de Fernando Capez, "excluir-se-ão o dolo e a culpa e não haverá crime". Neste diapasão, nosso Código Penal prevê no art.20, §1º, "É isento de pena quem, por erro plenamente justificável pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo". (grifo nosso)
Diante o exposto, sendo reconhecida a descriminante putativa por erro de tipo invencível e a consequente eliminação da conduta dolosa e culposa, não há que se falar em responsabilização por homicídio na fatalidade ocorrida em Rondonopólis (MT), por total ausência de tipicidade (vez que, para a Teoria Finalista da Ação, a qual nosso Código Penal adotou, é preciso que haja conduta (dolosa ou culposa) para que haja tipicidade).
Como se sabe, nosso Código Penal abraça a teoria que põe como elementos do crime a tipicidade (sendo a conduta dolosa e/ou culposa um de seus elementos), ilicitude e culpabilidade, ou seja, havendo a exclusão do dolo e da culpa pela descriminante putativa por erro de tipo invencível fica eliminado o crime, em razão da ausência de um de seus elementos, qual seja, a tipicidade (vez que a referida descriminante exclui a conduta dolosa e culposa, elementos da tipicidade).







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