O Supremo Tribunal Federal, finalmente, em decisão histórica realizada no mês de junho do corrente ano (2012), ao analisar o HC nº 111.840/ES¹, Relator Min. Dias Toffoli, julgou que a obrigatoriedade de cumprimento de pena aos condenados por crimes hediondos e assemelhados em regime inicialmente fechado (art.2º, §1º da Lei nº 8.072/90) é inconstitucional, uma vez que viola o Princípio constitucional da Individualização da Pena (art.5º, XLVI, CF/88).
No caso do citado HC, o impetrante foi condenado à pena de 06 anos de reclusão pelo cometimento do crime de tráfico de drogas, a ser cumprido em regime inicial fechado, não obstante possuir circunstâncias judiciais favoráveis, o que lhe garantiria a eleição de regime semi-aberto.
Insta registrar que o julgamento do STF foi incidental de inconstitucionalidade, ou seja, seus efeitos valem somente naquele caso específico, o que equivale a dizer que o referido dispositivo está em pleno vigor em nosso ordenamento jurídico, tanto é que, no dia 11.10.12, o juízo da 12ª Vara Criminal de Barra Funda, na Capital Paulista, fixou regime de cumprimento de pena inicialmente fechado a um condenado por tráfico de drogas a 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, fundamentado no referido art.2º, §1º da Lei nº 8.072/90. Neste diapasão, em artigo publicado na internet (29.10.2012), o eminente jurista Luiz Flávio Gomes², ao analisar a decisão da 12ª Vara Criminal paulista, obtemperou que:
A juíza, ao fixar a pena, considerou o fato de o acusado ser primário, não possuir antecedentes, confessar a prática do tráfico e não haver indício de que faça parte de alguma organização criminosa para reduzir a pena base em 2/3. Mesmo assim, fixou o regime inicial fechado para cumprimento de pena por se tratar de crime hediondo (negrito nosso).
Desta forma, percebe-se que a magistrada paulista aplicou integralmente a determinação da Lei de Hediondos, que fixa o regime inicial fechado, independentemente do quantum aplicado na sentença e das circunstâncias judiciais favoráveis ao condenado (art.33, §2º, b, do CP), contrariamente ao entendimento firmado pelo STF, frise-se, nesse ano, quando do julgamento do HC nº 111.840/ES.
O referido dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos, fixa de forma autoritária que os condenados por crimes hediondos (e assemelhados, como por exemplo o tráfico de drogas e entorpecentes) deveriam iniciar o cumprimento da pena em regime fechado, tirando, desta forma, o prudente arbítrio do juiz para fixar o regime de cumprimento da pena necessário e suficiente para cada indivíduo infrator da lei penal.
Como se sabe, no julgamento do HC nº 82.959/SP (DJ de 01.09,2006), Relator Min. Marco Aurélio, o STF, mudando seu entendimento sobre o tema, entendeu que a vedação de progressão de regime aos condenados por crimes hediondos era inconstitucional por também ferir o Princípio da Individualização da Pena, in casu, na terceira etapa da individualização, qual seja, a fase da execução da pena. A partir desta decisão do STF, o legislador através da Lei nº 11.464/2007, alterou a Lei de Crimes Hediondos, passando a aceitar a progressão de regime aos condenados por estes crimes, mas determinou, frise-se, de forma indevida (ou melhor inconstitucional), que o cumprimento da pena seria inicialmente fechado.
No que tange ao entendimento exarado no HC nº 111.840/ES, concordamos plenamente com Pretório Excelso, uma vez que a fixação de cumprimento de pena em regime inicial fechado também violenta o Princípio da Individualização da Pena, tendo em vista que subtrai do magistrado a opção que melhor se ajusta ao caso concreto, pois se sabe que, no momento da escolha do regime de cumprimento da pena, o juiz deverá analisar as circunstâncias judiciais encartadas no art.59 do Código Penal (como por exemplo, a culpabilidade, antecedentes, personalidade, circunstâncias e motivo do crime, etc.,) e, caso estas sejam favoráveis ao condenado, poderá influir na eleição do regime de cumprimento da reprimenda.
De fato, a lei de crimes hediondos fixava a eleição de regime inicial fechado independentemente do quantum estabelecido na sentença penal condenatória, seja 1 (um) ano ou 15 (quinze) anos, todos devem iniciar o cumprimento da pena em regime fechado. Vê-se que tal entendimento não é consentâneo com os Princípios da Individualização da pena, Razoabilidade e Proporcionalidade que devem nortear a atividade jurisdicional. Neste diapasão, confira a ementa do julgamento do HC nº 111.840/ES, de relatoria da lavra do Min. Dias Toffoli:
Habeas corpus. Penal. Tráfico de entorpecentes. Crime praticado
durante a vigência da Lei nº 11.464/07. Pena inferior a 8 anos de
reclusão. Obrigatoriedade de imposição do regime inicial fechado.
Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei
nº 8.072/90. Ofensa à garantia constitucional da individualização da
pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88). Fundamentação necessária (CP,
art. 33, § 3º, c/c o art. 59). Possibilidade de fixação, no caso em exame, do
regime semiaberto para o início de cumprimento da pena privativa de
liberdade. Ordem concedida.
1. Verifica-se que o delito foi praticado em 10/10/09, já na vigência daLei nº 11.464/07, a qual instituiu a obrigatoriedade da imposição do
regime inicialmente fechado aos crimes hediondos e assemelhados.
2. Se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a
individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os
critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar
com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a
fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo
ou equiparado.
3. Na situação em análise, em que o paciente, condenado a cumprir
pena de seis (6) anos de reclusão, ostenta circunstâncias subjetivas
favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o
semiaberto.
4. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado,
em eventual apreciação das condições subjetivas desfavoráveis, vir a
estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça em razão de
elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a
necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do
indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal.
5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do
§ 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07,
o qual determina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida
inicialmente em regime fechado“. Declaração incidental de
inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da obrigatoriedade de fixação
do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente da
condenação por crime hediondo ou equiparado.
Ademais, no dia 25.09.2012, a Primeira Turma do STF, através do voto da Min. Rosa Weber, ao analisar o HC nº 107.407/MG³, ratificou o entendimento esposado no julgamento do HC nº 111.840/ES, fixando regime inicial diverso do fechado a condenado a 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias por tráfico de drogas. In casu, a douta Ministra fixou o regime semi-aberto, eis a ementa de seu julgado:
DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS.
DOSIMETRIA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA.
INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 2º DA LEI Nº
8.072/90. POSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE REGIME INICIAL
DIVERSO DO FECHADO.
1. Em sessão realizada em 27.6.2012, no HC 111.840/ES, rel. Min.Dias Toffoli, o Pleno desta Suprema Corte declarou a
inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, com a redação
dada pela Lei 11.464/07, que consagrara a obrigatoriedade de imposição
do regime inicial fechado para o cumprimento da pena de crimes
hediondos e equiparados.
2. Em absoluto ignorou-se o caráter danoso do tráfico de drogas na
sociedade moderna, a reclamar, em geral, tratamento jurídico mais
rigoroso, permitindo apenas, forte no postulado constitucional da
individualização das penas, a concessão de regime inicial de
cumprimento de pena diverso do fechado, quando circunstancialmente
viável.
3. A fixação do regime inicial de cumprimento da pena não está
condicionada somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame
das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme
remissão do art. 33, §3º, do mesmo diploma legal. Em tese, viável a
imposição de regime inicial fechado mesmo para o cumprimento de pena
inferior a oito anos em condenações por tráfico de drogas. Se a decisão
atacada fixou, porém, o regime fechado tão somente com base no
dispositivo reputado inconstitucional, impõe-se a revisão.
4. Habeas corpus concedido.
Referências
1. HC nº 111.840/ES disponível em: http://www.stf.jus.br/
2. Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2012/10/29/drogas-regime-inicial-fechado-inconstitucionalidade-da-lei/
3. HC nº 107.407/MG disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2926620
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