O objetivo do presente texto é passar
uma visão geral da aplicação da pena privativa de liberdade no direito penal
brasileiro.
Isto porque, o tema da aplicação da pena é por demais extenso e complexo, razão pela qual, para que se tenha conhecimento legal, doutrinário e jurisprudencial completo, recomenda-se a leitura do meu livro: Aplicação da pena: doutrina e jurisprudência. Taboão da Serra, SP: Vicenza Edições Acadêmicas, 2020, 258 páginas.
Dando início ao assunto, o nosso Código Penal, após a Reforma Penal de 1984, introduzida pela Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, acolheu o Sistema Trifásico de aplicação da pena (art.68, caput), então preconizado pelo considerado maior penalista do Brasil, Nelson Hungria.
Conforme as regras do Sistema Trifásico, ao aplicar a sanção penal, o juiz, inicialmente, deve valorar as chamadas circunstâncias judiciais (art.59, caput, CP), encontrando a chamada pena-base; em seguida deve considerar as circunstâncias legais genéricas (atenuantes e agravantes – respectivamente, arts.65 e 66 e 61 e 62, todos do CP), fixando a denominada pena provisória; por fim, na terceira e última fase, deverá aplicar as circunstâncias legais especiais, quais sejam, as causas de aumento ou diminuição da pena.
Cabe registrar, que o nosso Código Penal, anteriormente à Reforma Penal de 1984, adotava, no que se referia ao tema da dosagem da pena, o sistema idealizado por Roberto Lyra, isto é, o Sistema Bifásico de aplicação da pena.
Consoante o Sistema Bifásico, a dosagem da pena era dividida em apenas duas fases, quais sejam, em primeiro lugar eram sopesadas as circunstâncias judiciais juntamente com as circunstâncias legais (agravantes e atenuantes) e, por último, eram consideradas as causas de aumento ou diminuição da pena.
Em outras palavras, na 1ª fase da aplicação da pena eram analisadas ao mesmo tempo as circunstâncias legais e também as agravantes e atenuantes (porventura existentes) e, na 2ª fase, eram aplicadas as causas de aumento ou diminuição (acaso existentes).
Todavia, conforme já destacado, atualmente nosso CP adota o sistema trifásico, onde a aplicação da pena obedece a um sistema de 3 (três) fases.
Na análise da 1ª fase da aplicação da pena, o art.59 do CP estabelece que o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos.
Prevalece na doutrina e jurisprudência, que ante a regra do inciso II do art.59 do CP, durante a dosimetria na 1ª fase, não pode a pena ficar abaixo nem acima do previsto na lei penal.
A culpabilidade deve ser entendida como o sentimento de reprovabilidade a ser recaída sobre a conduta delituosa, por exemplo, a premeditação pode ser usada para valorar negativamente esta circunstância.
Os antecedentes se referem à história criminal do agente, ou seja, tudo que se relaciona a envolvimentos criminais dele.
A conduta social foi inserida pela Reforma Penal de 1984, como desdobramento dos antecedentes do agente, se referindo ao sentimento de que goza o réu no meio social em que vive, no seu trabalho e na sua família.
A personalidade trata-se de matéria intimamente ligada à Psiquiatria e/ou Psicologia, a qual não deveria ser considerada em desfavor do réu, mas tanto a maior parte da doutrina quanto da jurisprudência a admitem.
Os motivos são as razões que levaram o agente a praticar a conduta criminosa, não devendo serem consideradas circunstância que já foram consideradas pelo legislador, v.g., a intenção de lucro nos crimes patrimoniais, sob pena de bis in idem.
As circunstâncias deverão ser consideradas todas as circunstâncias objetivas e subjetivas que envolvem o fato delituoso, como por exemplo, a duração da prática delitiva, o local em que ela foi praticada, etc.
As consequências do crime a serem sopesadas como circunstâncias judiciais são aquelas que ultrapassem o resultado típico, cujo resultado não é inerente ao tipo penal violado, como por exemplo, a morte num homicídio.
Quanto ao comportamento da vítima, por causa de recentes estudos de vitimologia que concluíram que em muitos casos, se não fosse o comportamento da vítima, o fato delituoso provavelmente nem aconteceria, tem-se que esta circunstância deve ser neutra, ou seja, não deve ser usada para aumentar a pena do réu, conforme vem entendendo o Superior Tribunal de Justiça.
Importa registrar que inexiste um critério legal para quantificar o valor de cada circunstância judicial, porém, na doutrina há quem defenda que deve-se atribuir 1/8 para cada circunstância (adotado por este autor), tendo em vista que são 8 circunstâncias judiciais, em respeito ao princípio da proporcionalidade.
Outra corrente doutrinária defende que o quantum máximo a que pode o julgador alcançar quando da análise das circunstâncias judiciais, seria o chamado termo médio, o qual é encontrado a partir da soma do montante da pena mínima com a máxima e, deste resultado, divide-se por 2 (dois).
Já outra corrente defende que o juiz atribui o quantum que entender cabível no caso concreto.
Importa registrar que a jurisprudência (majoritária) do STJ atualmente entende que cada circunstância judicial vale 1/6 (um sexto), sendo que uma corrente minoritária do STJ admite o quantum de 1/8 (um oitavo), frise-se, sendo que esta última se mostra mais acertada, tendo em vista que são apenas 8 circunstâncias judiciais no art.59 do CP.
Fixada a pena-base, caso existentes, devem ser aplicadas as agravantes e atenuantes, in verbis:
Circunstâncias agravantes
Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - a reincidência; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - ter o agente cometido o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) por motivo fútil ou torpe;
b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;
c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;
d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum;
e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica; (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)
g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;
h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida; (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;
j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido;
l) em estado de embriaguez preordenada.
Agravantes no caso de concurso de pessoas
Art. 62 - A pena será ainda agravada em relação ao agente que: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - coage ou induz outrem à execução material do crime; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Circunstâncias atenuantes
Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - o desconhecimento da lei; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - ter o agente:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;
c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;
e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou.
Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Há que se destacar que inexiste um quantum no Código Penal a ser dado a cada agravante ou atenuante, sendo que grande parte da doutrina entende que cada circunstância legal deve valer 1/6 (um sexto), pois se refere ao menor quantum das circunstâncias de aumento ou diminuição da pena, o que é referendado pelo STJ.
Outrossim, não obstante a doutrina moderna seja favorável que a pena provisória fique abaixo do mínimo legal, o que também pode se aplicar no caso das agravantes a levarem a pena acima do máximo, a jurisprudência não admite, conforme Súmula nº231 do STJ, onde só se admite ultrapassar as balizas legais por meio da incidência das causas especiais de aumento ou diminuição.
Segundo o art.67 do CP, no concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.
Encontrada a pena provisória, após a incidência das agravantes ou atenuantes, devem ser aplicadas as causas de aumento ou diminuição, acaso existentes.
As causas de aumento ou diminuição são circunstâncias legais existentes no CP ou nas leis penais especiais, que podem ser aumentos fixos ou variáveis e que segundo a doutrina e a jurisprudência, podem deixar a pena abaixo do mínimo ou acima do máximo previsto no tipo penal.
Como exemplo pode-se citar o crime tentado (art.14 do CP), onde a pena corresponde ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.
De acordo com o Parágrafo único do art.68 do CP, no concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.
Caso existente no crime em julgamento, a pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa, a qual será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa (art.49 do CP).
Na fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu (art.60, CP).
O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário-mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário (§1º do art.49).
A multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo (§1º do art.60 do CP), sendo que a lei especial pode dispor de outra forma.
Diante o exposto, para que se tenha conhecimento legal, doutrinário e jurisprudencial completo, recomenda-se a leitura do meu livro Aplicação da pena: doutrina e jurisprudência (2020, 258 páginas).
REFERÊNCIA
GOMES, Adão Mendes. Aplicação da Pena: doutrina e jurisprudência. Taboão da Serra, SP: Vicenza Edições Acadêmicas, 2020.
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