TIAGO
HENRIQUE GOMES DA ROCHA, o suposto serial killer de Goiás foi condenado nesta
terça-feira (16.02.2016) a uma pena de 20 (vinte) anos de reclusão, pela morte
da jovem Ana Karla Lemes da Silva, ocorrida em dezembro de 2013, na cidade de
Goiânia/GO.
Ocorre
que, da análise da sentença condenatória (link
abaixo), verifica-se claramente alguns erros técnico-jurídicos, o que
acabou por fazer a pena definitiva do referido condenado ter ficado bem maior
do que lhe era devido em razão do princípio constitucional da individualização
da pena (art.5º, inciso XLVI, da Constituição Federal de 1988), senão vejamos.
Do
referido édito condenatório, observa-se que o condenado foi incurso no delito
de homicídio qualificado, com 2 qualificadoras, quais sejam, a do inciso I
(crime cometido por motivo torpe) e a do inciso IV (mediante dissimulação ou
outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido), todos do
§2º do art.121 do Código Penal brasileiro.
Insta
destacar que ainda foram consideradas 4 (quatro) circunstâncias judiciais em
seu desfavor no momento da fixação da pena-base, quais sejam, culpabilidade;
conduta social; personalidade e circunstâncias do crime.
Importa destacar ainda, que na ocasião da fixação da pena-base, o douto sentenciante destacou que ante a existência de 2 (duas) qualificadoras – somente pela existência de uma qualificadora a pena mínima passa a ser de 12 e a máxima de 30 anos de reclusão - uma seria usada para qualificar o homicídio e a outra seria valorada no como circunstância judicial.
Importa destacar ainda, que na ocasião da fixação da pena-base, o douto sentenciante destacou que ante a existência de 2 (duas) qualificadoras – somente pela existência de uma qualificadora a pena mínima passa a ser de 12 e a máxima de 30 anos de reclusão - uma seria usada para qualificar o homicídio e a outra seria valorada no como circunstância judicial.
O
primeiro erro técnico-jurídico se refere à fundamentação dada à circunstância
judicial dada à culpabilidade, onde percebe-se claramente que foi confundida a
noção de reprovabilidade da conduta que merece ser reprimida (art.59, CP) com o
conceito de culpabilidade que é elemento do fato típico (como se sabe, para a
teoria tripartite, o crime é fato típico, ilícito e culpável). Confira trecho
da sentença, in verbis:
Analiso
a culpabilidade, aferindo uma conduta reprovável porque o réu, ao tempo do
fato era plenamente imputável, possuía potencial condição de entender o caráter
ilícito do fato e de ter conduta compatível com o ordenamento jurídico
tendo transtorno antissocial de personalidade. (grifei)
Da
análise do trecho acima, percebe-se claramente que a fundamentação para majorar
a pena-base foi o da culpabilidade que é elemento do fato típico, razão pela
qual não deveria ter sido considerada, sob pena de dupla valoração da mesma
circunstância. Sobre o tema, ao analisar a circunstância judicial da
culpabilidade, RICARDO SCHMITT
ensina que:
Não se
trata da culpabilidade que se mostra como pressuposto à aplicação da pena (não
confunda). A culpabilidade é a reprovabilidade da conduta, que é tida como
elemento do crime ou pressuposto de aplicação da pena, conforme a teoria
adotada, de modo que, afastada a culpabilidade, a sentença será absolutória e
não restará aplicada qualquer pena. (negritei)
Desta
forma, tem-se que a circunstância judicial da culpabilidade como foi
fundamentada não poderia ter sido utilizada como circunstância judicial
desfavorável ao réu.
O
segundo erro técnico-jurídico se deu ao valorar negativamente as circunstâncias
judiciais da conduta social e a personalidade. Confira mais uma vez trecho do
édito condenatório, in verbis:
que sua
personalidade e conduta social são preocupantes vez que é dado a práticas
criminosas e ainda, de acordo com o Laudo Médico Pericial de Insanidade Mental
acostado às fls. 314/322 dos presentes autos, o mesmo possui transtorno de
personalidade antissocial, vulgarmente conhecido como “psicopatia” como
mencionado acima. (grifei)
Quanto
à conduta social, o entendimento da doutrina mais balizada é a de que tal
circunstância se refere somente ao sentimento que a comunidade tem
sobre o réu, tal como, se é bem visto em sua comunidade, considerado amigo
pelos vizinhos, se é um bom pai, se é querido no trabalho, etc.
A fundamentação usada na sentença condenatória nada tem a ver com
conceito de conduta social aceita pacificamente pela doutrina e jurisprudência
pátrias. Neste sentido, ao discorrer sobre a conduta social, GUILHERME DE SOUZA NUCCI ensina
que:
É o papel do réu na comunidade, inserido no contexto da família, do
trabalho, da escola, da vizinhança, dentre outros, motivo pelo qual além de
simplesmente considerar o fator conduta social preferimos
incluir a expressão inserção social. Não somente a
conduta antecedente do agente em seus vários setores de relacionamento, mas
sobretudo o ambiente no qual está inserido são capazes de determinar a justa
medida da reprovação que seu ato criminoso possa merecer. (negritei)
Como
é de sabença trivial, desde a reforma penal de 1984, a questão de
circunstâncias afetas à vida criminal do réu se referem à circunstância
judicial dos antecedentes. Assim, tem-se que tal circunstância também não
poderia ter sido utilizada contra o réu para recrudescer a sua sanção penal.
Por
seu turno, a valoração negativa da personalidade também não se afigurou correta
do ponto de vista técnico-jurídico, tendo em vista que sua valoração se apegou
à circunstância do réu sofrer de transtorno de personalidade antissocial, mais
conhecida como “psicopatia”, o que fez que a pena fosse majorada por conta do
modo de ser do indivíduo, isto é, ser uma pessoa portadora de um transtorno
(patologia), que, frise-se, não foi escolha da pessoa ser assim.
Destaque-se,
que sancionar alguém por sua simples condição de ser de um tipo, é clara
violação ao princípio da secularização, que proíbe sancionar alguém por seu
modo de ser ou viver, no caso, por seu uma pessoa portadora de uma patologia,
isto é, transtorno de personalidade antissocial. Como é cediço, o direito penal
moderno se funda na culpabilidade pelo fato praticado, não mais na culpabilidade
de autor, ou seja, relativa a circunstâncias pessoais. Sobre o principio da
secularização, SALO DE CARVALHO
observa que:
O termo secularização é utilizado para definir os
processos pelos quais a sociedade, a partir do século XV, produziu uma cisão entre
a cultura eclesiástica e as doutrinas filosóficas (laicização), mais
especificamente entre a moral do clero e o modo do produção da(s) ciência(s)”.
Sendo
assim, pelo fato da circunstância do transtorno de personalidade ser uma
circunstância de autor, não deveria ter sido valorada negativamente contra o
réu, por clara violação ao princípio da secularização.
A
última falha técnica-jurídica foi utilizar para majorar a pena-base as
circunstâncias do crime, o que acabou por caracterizar odiável bis in idem (dupla valoração), in verbis:
que as
circunstâncias do crime lhe são prejudiciais, uma vez que atingiu a vítima em
via pública, no período noturno, de inopino, com um único disparo certeiro
enquanto ela caminhava pela calçada
impossibilitada de defender-se. (negritei)
Como
se observa, verifica-se que foi valorada negativamente como circunstância do
crime o fato dele ter sido praticado durante a noite, dado de inopino, o que
restou por impossibilitar a vítima de defender-se do ataque.
Ora, não poderia ter sido invocada a
circunstância da impossibilidade de defesa para majorar a pena-base, tendo em
vista que tal circunstância já foi usada como qualificadora do delito, que,
como já explanado, faz com que o homicídio deixe de ser considerado simples
(com pena mínima de 6 anos e máxima de 20 anos) e passe a ser qualificado, com
pena mínima de 12 anos e máxima de 30 anos de reclusão. Sobre a proibição da dupla valoração, PAULO QUEIROZ ensina que:
Também em razão do princípio da proporcionalidade (e legalidade), é vedado o bis in idem, isto é, dupla valoração (direta ou indiretamente) do mesmo fato jurídico, seja recriminalizando-o, seja repenalizando-o, seja agravando a pena múltiplas vezes. Semelhante princípio proíbe, portanto, a multiplicidade de sanções para o mesmo sujeito, por um mesmo fato e por sanções que tenham um mesmo fundamento, isto é, que tutelem um mesmo bem jurídico.
Todavia,
ao valorar a circunstância qualificadora da impossibilidade de defesa também
como circunstância judicial, a douta sentença incorreu em odiável bis in idem (dupla valoração), razão
pela qual também não deveria ter sido considerada na fixação da pena.
Desta
forma, verifica-se que as circunstâncias judiciais utilizadas para fins de
majoração da pena de TIAGO HENRIQUE não deveriam ter feito parte da
fundamentação de recrudescimento da referida sanção penal pelos motivos
expostos.
Quanto a valoração a ser dada a cada circunstância judicial, considerando que o homicídio qualificado a que TIAGO HENRIQUE foi condenado possui pena abstrata de mínimo 12 anos e máxima de 30 anos, o intervalo dele é de 18 anos (subtração de 30 anos (pena máxima de 12 anos (pena mínima) e, dividindo tal intervalo de tempo (18 anos) pelo número das 8 circunstância judiciais constantes do art.59 do CP, tem-se que cada uma dessas circunstâncias possuiria a valoração máxima aproximada de 2 anos e 2 meses*.
Quanto a valoração a ser dada a cada circunstância judicial, considerando que o homicídio qualificado a que TIAGO HENRIQUE foi condenado possui pena abstrata de mínimo 12 anos e máxima de 30 anos, o intervalo dele é de 18 anos (subtração de 30 anos (pena máxima de 12 anos (pena mínima) e, dividindo tal intervalo de tempo (18 anos) pelo número das 8 circunstância judiciais constantes do art.59 do CP, tem-se que cada uma dessas circunstâncias possuiria a valoração máxima aproximada de 2 anos e 2 meses*.
Assim,
considerando apenas a legitimidade da utilização da segunda qualificadora como
circunstância judicial, frise-se, embora o Superior Tribunal de Justiça entenda
que ela deva ser valorada como agravante (Conferir o HC 220624/RS, STJ, Rel. Gurgel de Faria, 5ª Turma, DJe 26.11.2015), caso a qualificadora conste no rol do
art.61 do CP, tem-se que a pena definitiva de TIAGO HENRIQUE deveria ser
aproximadamente 14 (quatorze anos) de reclusão.
Diante
o exposto, verifica-se que a pena que lhe fora fixada não se encontra em
consonância com o princípio constitucional da individualização da pena, razão
pela qual se espera, acaso interposto o recurso cabível, que os órgãos jurisdicionais de revisão reduzam a sanção
imposta.
REFERÊNCIAS
SHIMITT, Ricardo Augusto. Sentença Penal
Condenatória. 7ª Edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p.115/116.
NUCCI,
Guilherme de Souza. Individualização da Pena. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, p.200/201.
QUEIROZ, Paulo. Curso de Direito Penal: parte geral - vol. 1. 8ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p.81.
*Defendendo este método na valoração das circunstâncias judiciais, confira: SHIMITT, Ricardo Augusto. Sentença Penal Condenatória. 7ª Edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p.166/167.
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