sexta-feira, 15 de março de 2013

CASO MÉRCIA NAKASHIMA: A pena de MIZAEL BISPO deveria ser de aproximadamente 27 (vinte e sete) anos de reclusão

No dia 14 de março de 2013 (quinta-feira), o advogado Mizael Bispo de Souza fora condenado pelo Tribunal do Júri da Comarca de Guarulhos (SP) à pena de 20 (vinte) anos de reclusão pelo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe; meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima) pela morte da sua ex-namorada, a advogada Drª. Mércia Nakashima, ocorrida em 23 de maio de 2010.
Ocorre que, da análise da referida sentença condenatória (link abaixo), verifica-se a existência de 3 (três) erros técnicos-jurídicos, senão vejamos.
O primeiro se refere ao fato do douto magistrado ter considerado como circunstância judicial desfavorável ao réu as consequências do crime, in verbis:

"In casu", fora graves, pois a vida de uma jovem de 28 anos foi ceifada subitamente, provocando danos psicológicos incomensuráveis e irreparáveis aos familiares. O sentimento que toma conta da família em uma perda ultrajante, desumana e diabólica é intangível. A saudade inextinguível os acompanhará enquanto viverem (fls.6, sentença).

Como se sabe, as consequências do crime, especificamente no delito de homicídio têm que ser sopesadas com extrema cautela, devendo somente serem consideradas desfavoráveis ao réu quando ultrapassarem o resultado típico, o que não aconteceu no caso em epígrafe. De acordo com o renomado penalista GUILHERME DE SOUZA NUCCI, ao lecionar sobre as consequências do crime, obtempera que:

O mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico, é a circunstância a ser considerada para a fixação da pena. É lógico que num homicídio, por exemplo, a consequência natural é a morte de alguém e, em decorrência disso, uma pessoa pode ficar viúva ou órfã. Diferentemente, um indivíduo que assassina a esposa na frente dos filhos menores, causando um trauma sem precedentes, precisa ser mais severamente apenado, pois trata-se de uma consequência não natural do delito. (Individualização da Pena. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.226).

Infelizmente, devido aos deletérios efeitos permanentes do homicídio (supressão da vida da vítima), é que sua pena é uma das maiores da legislação penal, vez que o homicídio simples (art.121, caput, Código Penal) possui previsão de pena entre 6 (seis) a 20 (vinte) anos de reclusão, ao passo que o homicídio qualificado (art.121, §2º, incisos I, II, III, IV e V do CP) devido à sua natureza tem pena de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão.
Em outras palavras, somente quando as consequências do homicídio ultrapassarem o resultado típico é que será possível sopesar negativamente as consequências dele (homicídio), sob pena de dupla valoração negativa, eis que a consequência natural do homicídio que é a morte já foi valorada pelo legislador no momento da fixação das penas mínima e máxima, que, conforme dito alhures, é uma das maiores do nosso Código Penal. Destarte, no caso de Mizael Bispo, acreditamos que as consequências do crime (embora desumana e diabólica, segundo o douto juiz Leandro Jorge Bittencourt Cano) não ultrapassaram o resultado típico, ou seja, dita circunstância judicial não deveria ter sido valorada negativamente contra o réu.
O segundo deslize técnico-jurídico deveu-se ao fato do douto magistrado ter atribuído a cada circunstância judicial desfavorável o quantum de 1 (um) ano (com a exceção da personalidade a que ele fixou 2 anos). De acordo com o jurista baiano RICARDO AUGUSTO SCHMITT, ao tratar deste tema, ensina que:

Imaginar que cada circunstância judicial desfavorável tenha um valor padronizado de 6 (seis) meses, 1 (um) ano, 2 (dois) anos ou qualquer outro pré-definido pelo julgador, é ignorar em absoluto a devida proporção que deverá sempre reinar na individualização da pena.
[...]
O critério que vem sendo albergado pelos Tribunais Superiores repousa numa situação prática e simples, que tem resultado a partir da obtenção do intervalo de pena previsto em abstrato no tipo (máximo - mínimo), devendo, em seguida, ser encontrada sua oitava parte (1/8), ou seja, dividir o resultado do intervalo de pena em abstrato por 8 (oito), pois este é o número de circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal.
Com este raciocínio, chegamos ao patamar exato de valoração de cada circunstância judicial (com absoluta proporcionalidade), que servirá de parâmetro para o julgado promover a análise individualizada no momento de dosagem da pena-base. (Sentença Penal Condenatória. 7ª Edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p.165/166).

Desta forma, considerando que o homicídio triplamente qualificado a que Mizael Bispo fora condenado possui pena abstrata de mínimo 12 (doze) anos e máximo 30 (trinta) anos, o intervalo dele é de 18 anos (30 (pena máxima) - 12 (pena mínima) = 18) e, dividindo tal intervalo (18) pelo número de 8 (oito) circunstâncias judiciais previstas no art.59 do CP, tem-se que cada uma dessas circunstâncias teriam o quantum aproximado de 2 (dois) anos 2 (meses).

Já o terceiro deslize se refere ao fato do douto magistrado ter dado à agravante da dissimulação um agravamento módico de apenas 1 (um) ano, deixando de lado entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritários no sentido de que deve ser aplicado um patamar imaginário de 1/6 (um sexto) sobre a pena-base. A esse respeito, confira novamente os ensinamentos elucidativos de RICARDO SCHMITT, que ao tratar das atenuantes e agravantes ensina que:

As circunstâncias atenuantes e agravantes formam a pena intermediária ou provisória. Portanto, seguindo o critério trifásico de dosimetria da pena (art.68 caput do CP), deverá o julgador, após ter fixado a pena-base, considerar as atenuantes e agravantes.
Como vimos, novamente não teremos critérios (pré)definidos para valorar cada circunstância atenuante ou agravante, sendo que os julgados apresentam uma diversidade de patamares, os quais passam a ser adotados por cada julgador em sua apreciação e valoração individual própria.
No entanto, muito embora não tenhamos atualmente um consenso quanto ao patamar ideal a ser adotado, torna-se mais aceito pela jurisprudência dos Tribunais Superiores (STF e STJ) a aplicação do coeficiente imaginário de 1/6 (um sexto) para cada circunstância atenuante ou agravante reconhecida (e valorada) - STF HC 69392/SP, HC 69666/PR, HC 73484-7(Sentença Penal Condenatória. 7ª Edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p.214/215). (grifo nosso)

No mesmo sentido, confira posicionamento de GUILHERME DE SOUZA NUCCI:

Temos defendido que cada agravante ou atenuante deve ser equivalente a um sexto da pena-base (menor montante fixado para as causas de aumento ou diminuição da pena), afinal, serão elas (agravantes e atenuantes) consideradas na segunda fase de aplicação da pena, necessitando ter uma aplicação efetiva. Não somos partidários da tendência de elevar a pena em quantidades totalmente aleatórias, fazendo com que o humor do juiz prepondere ora num sentido, ora noutro.
[...]
A única maneira de assegurar fiel cumprimento à elevação efetiva ou à redução eficaz da pena, na segunda fase de individualização, é a eleição de um percentual, que, como já dissemos, merece ser fixado em um sexto. Logo, tomando-se ainda como exemplo o caso da pena-base estabelecida em 15 anos, havendo uma agravante a pena passaria a 17 anos e 6 meses e não a ínfimos 15 anos e 1 mês. Na diminuição, a pena atingiria 12 anos e 6 meses e não apenas 14 anos e 11 meses. (Individualização da Pena. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.230/231). (negrito e grifo nossos)

Desta forma, temos que o douto Juiz-Presidente do Egrégio Tribunal do Júri da Comarca de Guarulhos, Leandro Jorge Bittencourt Cano, deveria ter dado à agravante o quantum de 1/6 (um sexto) a ser aplicado sobre a pena-base, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritários.
Assim, extirpando os 3 (três) deslizes técnicos-jurídicos do édito condenatório, isto é, valorando negativamente somente 5 circunstâncias judiciais (vez que acreditamos que as consequências do crime não são desfavoráveis ao réu, pelos motivos declinados alhures) e atribuindo-lhes o quantum de 2 (dois) anos e 2 (meses), a pena-base seria de 23 anos e 2 meses. Por fim, na segunda fase da dosimetria, em face da existência de uma agravante (e dando-lhe o quantum de 1/6 (um sexto), ante os fundamentos acima explicitados) a ser aplicado sobre a pena-base (23 anos e 2 meses), temos que a pena definitiva de MIZAEL BISPO seria de aproximadamente 27 (vinte e sete) anos e 1 (um) mês de reclusão, ou seja, não somente os 20 (vinte) anos que lhe foram fixados na sentença condenatória.




domingo, 10 de março de 2013

CASO ELIZA SAMÚDIO: A pena do goleiro Bruno deveria ter sido de aproximadamente 23 (vinte e três) anos só pelo homicídio

A condenação do goleiro Bruno pela morte de Eliza Samúdio já era esperada, ainda mais após a condenação de seu "braço direito", o Macarrão, ocorrida em novembro de 2012.
Ocorre que, da análise do referido édito condenatório (link abaixo), vislumbra-se a existência de alguns erros técnicos-jurídicos, vez que, considerando somente a fundamentação exposta (a qual, frise-se, não concordamos, conforme se demonstrará) pela douta Juíza-Presidente do Tribunal do Júri da Comarca de Contagem (MG), a sanção corporal a ser imposta ao referido atleta deveria ser bem maior que os 17 (dezessete) anos e 6 (seis) meses fixados na sentença condenatória, senão vejamos.
Inicialmente, cabe registrar, que analisaremos apenas a fundamentação do crime de homicídio triplamente qualificado (art.121, §2º, incisos I, III e IV do Código Penal brasileiro) pelo qual Bruno fora condenado, deixando de lado, assim, a análise dos crimes de Sequestro (art. 148, §1º, IV, CP) e Ocultação de Cadáver (art.211, CP).
Como é sabido, o juiz ao dosar (fixar) a pena deve se atentar para os vetores previstos no art. 59 do Código Penal brasileiro ("O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime..."), sendo que os mais comezinhos princípios sobre dosimetria da pena direcionam para que, caso todas as circunstâncias judiciais (as previstas no art.59 do CP) sejam favoráveis ao condenado, a pena-base deverá ser fixada no patamar mínimo previsto no preceito secundário do tipo penal.
A seu turno, caso as mesmas circunstâncias judiciais sejam todas desfavoráveis, a pena-base deverá ser fixada no patamar máximo. Se houver apenas uma circunstância judicial desfavorável, a pena deverá ser fixada um pouco acima do mínimo previsto na lei penal.
Ocorre que, no caso do goleiro Bruno, a douta magistrada sopesou 6 (seis) circunstâncias judiciais negativas (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, circunstâncias e consequências do crime) e mais 2 (duas) qualificadoras (do emprego de asfixia e do recurso que dificultou a defesa da vítima) para fixar a pena-base, ou seja, no total foram 8 (oito) circunstâncias negativas, mesmo número das circunstâncias previstas no art. 59 do CP. 
Como dito linhas acima, caso todas as circunstâncias judiciais sejam desfavoráveis ao réu, como foi a hipótese do goleiro Bruno, vez que ao total foram sopesadas 8 (oito) circunstâncias desfavoráveis a ele, a pena-base deveria ter sido fixada no patamar máximo (ou o mais perto disso, vez que não estamos diante de simples questão matemática) da pena do crime de Homicídio qualificado, qual seja, em 30 (trinta) anos, não nos 20 (vinte) que lhe foram impostos. Neste sentido, confira o magistério de Guilherme de Souza Nucci, in verbis:

[...] Há possibilidade legal e, em certos casos, viabilidade concreta e desejável de se estabelecer o máximo previsto no tipo penal secundário para determinados delinquentes. O raciocínio é exatamente o inverso do utilizado pelo julgador para atingir a pena mínima: se todas as circunstâncias do art. 59 apresentam-se desfavoráveis, inexiste outro caminho senão partir da pena-base estabelecida no máximo. (Individualização da Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.341). (negrito nosso)

Em outras palavras, a pena-base aplicada a Bruno deveria ter sido de 30 anos, vez que a magistrada em sua fundamentação consignou 8 (oito) circunstâncias desfavoráveis. 
Para não haver dúvidas, cabe destacar, quando há mais de uma qualificadora, como no caso em testilha que tinham 3 (três), uma delas serve para qualificar o homicídio e as outras podem tanto ser utilizadas na análise das circunstâncias judiciais (1ª fase da fixação da pena) ou como agravantes (na 2ª fase). In casu, a juíza, acertadamente, considerou o motivo torpe para qualificar o crime e as outras duas na análise das circunstâncias judiciais. Ou seja, considerando as 6 circunstâncias judiciais negativas somadas às 2 (duas) qualificadoras, chegou-se ao número de 8 circunstâncias negativas. 
Após a fixação da pena-base, que no caso do goleiro Bruno foi fixada - equivocadamente, pensamos nós - em 20 (vinte) anos, a magistrada deveria ter neutralizado a agravante (art. 62, I do CP - quando o agente dirige a atividade dos demais agentes) com a atenuante (art.65, III, "d" do CP - quando o agente confessa a autoria do crime), ou seja, não deveria ter realizado a valoração de tais circunstâncias, eis que, por possuírem o mesmo valor (jurisprudencialmente fixado em 1/6) e a mesma natureza (subjetiva), deveriam ter sido reconhecidas na sentença, mas não aplicadas. Neste diapasão, o magistrado baiano Ricardo Augusto Schmitt leciona que:

Eis a única hipótese em que a jurisprudência admite a neutralização entre as circunstâncias, ou seja, a pena não sofrerá nenhuma alteração.
Somente ocorrerá a neutralização de uma circunstância por outra na hipótese de serem da mesma espécie, ou seja, atenuante subjetiva com agravante subjetiva ou atenuante objetiva com agravante objetiva e, ainda, desde que não estejam inseridas no art. 67 do Código Penal, caso contrário sempre haverá a preponderância de uma sobre a outra.
Muito embora pareçam sinônimos, não se trata de compensação ou anulação de uma circunstância por outra, mas sim de neutralização de seus efeitos. (Sentença Penal Condenatória. 7ª Edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p. 239). (grifo nosso)

Desta forma, considerando a fundamentação constante da sentença condenatória (a qual equivocadamente, frise-se, considerou 8 circunstâncias negativas contra o goleiro Bruno), vislumbra-se que a pena-base deveria ter sido fixada em aproximadamente 30 (trinta) anos e que, em face neutralização dos efeitos da agravante e da atenuante supracitadas, bem como em razão da inexistência de causas especiais de aumento ou diminuição da pena, a pena-base deveria se tornar definitiva (30 anos). 
Ademais, há que se destacar, que a douta magistrada não observou o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no que se refere ao quantum a ser dado à atenuante da confissão e da agravante, vez que, não obstante a doutrina e jurisprudência majoritárias entenderem que deve ser aplicado o montante de 1/6 (um sexto) para ambas as circunstâncias (agravante e atenuante), a juíza deu o valor de 3 (três) anos para a atenuante e de apenas 6 (seis) meses para a agravante, ou seja, faltou razoabilidade e proporcionalidade, vez que agravantes e atenuantes devem possuir o mesmo quantum, exceto quando há preponderância entre elas (como preconizado pelo art.67 do CP), o que não é a hipótese em apreço.

Contudo, consideramos que houve um erro no que tange ao reconhecimento e valoração de 3 (três) circunstâncias judiciais (antecedentes, conduta social e consequências do crime) consideradas desfavoráveis ao goleiro Bruno, senão vejamos. 
Primeiramente, a magistrada considerou como circunstância judicial negativa os antecedentes, tendo em vista que ele já havia sido condenado anteriormente. Ocorre que, segundo entendimento predominante de nossos Tribunais Superiores (STF e STJ), a existência de inquéritos e processos sem trânsito em julgado não servem para caracterizar maus antecedentes, sob pena de violação frontal à garantia constitucional da Presunção de Inocência (art.5º, LVII, CF/88 - "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória"), verdadeira garantia individual. Neste sentido, recentemente o STJ sumulou a matéria em seu verbete de número 444, in verbis: "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base".
Em segundo lugar, foi considerada negativa a conduta social do goleiro Bruno em face de supostas informações de que ele tinha envolvimento com o tráfico de drogas e também com a face obscura do mundo do futebol. Em primeiro lugar, insta salientar que meras suposições de participação em atividade criminosa, sem que haja prova cabal, não admite a exasperação da pena-base por má conduta social. A seu turno, se o goleiro Bruno participava de orgias (independentemente de comprovação) tal fato não deve ser considerado como fator negativo de conduta social, vez que esta se refere apenas à conduta social do réu no seio familiar, da comunidade e do trabalho, ou seja, não tem nada a ver com as festas de que participava ou de que modo eram realizadas. 
Outrossim, outro equívoco se referiu à circunstância judicial das consequências do crime que foram consideradas negativas, onde segundo a juíza, "[...] foram graves, eis que a vítima deixou órfã uma criança de apenas quatro meses de vida (fls.5)". Ora, tal fundamento não é valido para considerar negativa as consequências do crime, tendo em vista que não transcendeu o resultado típico. No crime de homicídio (Crime Rei), ante a gravidade do delito, a pena fixada abstratamente já é suficientemente alta e proporcional ao bem jurídico tutelado, ou seja, a vida. Por isso, somente quando as consequências ultrapassarem o resultado típico é que será possível considerar tal circunstância negativa, sob pena de odiável bis in iden. In casu, temos que a consequência do delito não ultrapassou o resultado típico. Neste diapasão, cabe trazer à baila mais uma vez os ensinamentos de Guilherme Nucci:

O mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico, é a consequência a ser considerada para a fixação da pena. É lógico que num homicídio, por exemplo, a consequência natural é a morte de alguém e, em decorrência disso, uma pessoa pode ficar viúva ou órfã. Diferentemente, um indivíduo que assassina a esposa na frente dos filhos menores, causando-lhe um trauma sem precedentes, precisa ser mais severamente apenado, pois trata-se de uma consequência não natural do delito. (Individualização da Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.226). (grifo nosso)

Desta forma, consideramos que as três circunstâncias judiciais supracitadas (antecedentes, conduta social e consequências do crime) não deveriam ter sido consideradas negativas contra o goleiro Bruno.
Assim, eliminando estas 3 (três) circunstâncias judiciais, restariam apenas 5 circunstâncias negativas (já consideradas as  2 (duas) qualificadoras acima destacadas), devendo por isso, em homenagem ao princípio constitucional da individualização da pena, a pena-base do goleiro Bruno deveria ser fixada aproximadamente em 23 (vinte e três) anos e 2 (dois) meses de reclusão.
Por seu turno, considerando que os efeitos da atenuante deveriam ser neutralizados pelos da agravante ante seu mesmo valor (1/6) e sua natureza subjetiva, bem como pela inexistência de causas especiais de aumento ou diminuição da pena, a pena definitiva do goleiro Bruno só com relação ao homicídio praticado contra Eliza Samúdio seria de aproximadamente 23 (vinte e três) anos e 2 (dois) meses de reclusão, por ser a reprimenda necessária e suficiente ao crime praticado (homicídio triplamente qualificado), não apenas os 17 (dezessete) anos e 6 (seis) meses de reclusão que lhe foram impostos na sentença condenatória.





terça-feira, 5 de março de 2013

Policial mata amigo policial por "engano": DESCRIMINANTE PUTATIVA POR ERRO DE TIPO INVENCÍVEL

No dia 18 de janeiro de 2013 (sexta-feira), na cidade de Rondonópolis (a 218 Km de Cuiabá) morreu o policial militar Yung Caio Rodrigues, de 35 (trinta e cinco) anos de idade.
Infelizmente, tal notícia causou grande comoção nacional, tendo em vista que, o responsável pela morte foi outro policial militar e grande amigo da vítima, que por "engano" plenamente justificável pelas circunstâncias, acabou atirando contra seu amigo.
Como restou apurado, o policial responsável pelos disparos estava saindo de casa na noite de quinta-feira, juntamente com sua mulher, quando Yung Caio, querendo fazer uma brincadeira com seu amigo, chegou montado em uma motocicleta e sem tirar o capacete, gritou: "perdeu, polícia, perdeu".
No calor das emoções, o amigo de Caio não pensou duas vezes e efetuou dois disparos de arma de fogo contra ele, tendo um tiro acertado o abdome e outro a virilha. Logo após os disparos, Caio, caído no chão tirou o capacete e se identificou, dizendo que era uma brincadeira.
Resumo da história, Caio foi levado urgentemente por policiais militares e por seu amigo para o hospital, mas durante a cirurgia não resistiu aos ferimentos, vindo a óbito.
Infelizmente, uma enorme fatalidade da vida, mas que também deixará consequências jurídicas.
No caso em apreço, tem-se a chamada Descriminante Putativa por Erro de Tipo, ou seja, existe uma circunstância que leva à exclusão da tipicidade, fazendo com que o agente responsável pela morte não sofra qualquer sanção penal quando o erro for inevitável (aquele que, mesmo que fosse empregada prudência mediana o resultado ocorreria). Neste diapasão, o insigne penalista, Fernando Capez, ao tratar da descriminante putativa por erro de tipo leciona que:

Ocorre quando o agente imagina situação de fato totalmente divorciada da realidade na qual está configurada a hipótese em que ele pode agir acobertado por uma causa de exclusão da ilicitude.
É um erro de tipo essencial incidente sobre elementares de um tipo permissivo. Os tipos permissivos são aqueles que permitem a realização de condutas inicialmente proibidas. Compreendem os que descrevem as causas de exclusão da ilicitude, ou tipos descriminantes. são espécies de tipo permissivo: legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal.

E por fim, arremata que:

Ocorrerá um erro de tipo permissivo quando o agente, erroneamente, imaginar uma situação de fato totalmente diversa da realidade, em que estão presentes os requisitos de uma causa de justificação. No caso da legítima defesa, suponha-se a hipótese de um sujeito que, ao ver um estranho colocar a mão no bolso para pegar um lenço, pensa que ele vai sacar uma arma para matá-lo. Nesse caso, foi imaginada uma situação de fato, na qual estão presentes os requisitos da legítima defesa. Se fosse verdadeira, estaríamos diante de uma agressão injusta iminente. Houve, por conseguinte, um erro sobre situação descrita no tipo permissivo da legítima defesa, isto é, incidente sobre os seus elementos ou pressupostos. Daí a conclusão de que a descriminante putativa por erro de tipo é uma espécie de erro de tipo essencial. 
(...)
Os efeitos são os mesmos do erro de tipo, já que descriminante putativa por erro de tipo não é outra coisa senão erro de tipo essencial incidente sobre tipo permissivo. Assim, se o erro for evitável, o agente responderá por crime culposo, já que o dolo será excluído, da mesma forma como sucede com o erro de tipo propriamente dito; se o erro for inevitável, excluir-se-ão o dolo e a culpa e não haverá crime. (CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Vol. 1, parte geral: arts. 1º a 120. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, págs. 250/251). (grifo nosso)

No fatídico episódio ocorrido em Rondonópolis (MT), ocorreu justamente a descriminante putativa por erro de tipo, vez que o policial militar responsável pelos disparos pensava estar acobertado pela legítima defesa (ante uma agressão injusta iminente, requisito da referida excludente de ilicitude), pois ao sair de casa, se viu ameaçado por um motoqueiro que gritou "perdeu, polícia, perdeu". Qualquer pessoa em sua situação acharia que seria vítima de roubo ou, em casos de policiais, executado. Basta dar uma olhada nos noticiários diários, para ver quantos policiais são vítimas de execução em todo o Brasil.
E mais, levando em consideração as circunstâncias do caso - isto é, o amigo estar de capacete e sem a farda da polícia -, acreditamos ser caso de descriminante putativa por erro de tipo invencível, o que equivale a dizer que, o erro elimina tanto o dolo quanto a culpa, eliminando o crime ou nas precisas palavras de Fernando Capez, "excluir-se-ão o dolo e a culpa e não haverá crime". Neste diapasão, nosso Código Penal prevê no art.20, §1º, "É isento de pena quem, por erro plenamente justificável pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo". (grifo nosso)
Diante o exposto, sendo reconhecida a descriminante putativa por erro de tipo invencível e a consequente eliminação da conduta dolosa e culposa, não há que se falar em responsabilização por homicídio na fatalidade ocorrida em Rondonopólis (MT), por total ausência de tipicidade (vez que, para a Teoria Finalista da Ação, a qual nosso Código Penal adotou, é preciso que haja conduta (dolosa ou culposa) para que haja tipicidade).
Como se sabe, nosso Código Penal abraça a teoria que põe como elementos do crime a tipicidade (sendo a conduta dolosa e/ou culposa um de seus elementos), ilicitude e culpabilidade, ou seja, havendo a exclusão do dolo e da culpa pela descriminante putativa por erro de tipo invencível fica eliminado o crime, em razão da ausência de um de seus elementos, qual seja, a tipicidade (vez que a referida descriminante exclui a conduta dolosa e culposa, elementos da tipicidade).







terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

STJ nega a ALEXANDRE NARDONI o direito ao Protesto por Novo Júri

No dia 25 de fevereiro de 2013 foi publicado no DJe do Superior Tribunal de Justiça, o acórdão que negou seguimento ao Recurso Especial nº 1.288.971-SP (link abaixo) interposto por Alexandre Nardoni, o qual pleiteava que fosse provido seu recurso para que lhe fosse garantido o direito ao suprimido recurso intitulado Protesto por novo júri, o qual fora extirpado de nosso ordenamento jurídico através da Lei nº 11.689/2008.  
Como é sabido, o recurso (extinto em 2008) protesto por novo júri era cabível contra as condenações proferidas no Tribunal do Júri em que pelo menos a pena de um dos crimes (obviamente se houvesse mais de um) atingisse 20 (vinte) anos ou mais.
Segundo Nardoni, "a norma que estatuía o recurso de protesto por novo júri, art. 607 do CPP, apesar de ser a regra processual (não negamos), possui nítido reflexo material, já que atrelada a direitos fundamentais e à pena, exigindo, nesse passo, tivesse aplicação ultrativa, na forma dos artigos 1.º e 2.º, caput e parágrafo único, do Código Penal".
Conforme dito inicialmente, ao referido Recurso Especial foi negado seguimento de forma monocrática pela Relatora, a Min.Laurita Vaz, a qual o considerou manifestamente improcedente e contrário à jurisprudência dominante do STJ (art.557, Código de Processo Civil). Neste ponto, calha trazer à baila trecho do referido decisum, in verbis:

A norma exclusivamente processual, como é o caso do dispositivo em questão, se submete ao princípio tempus regit actum, ou seja, a lei processual penal deve ser aplicada a partir de sua vigência, conforme preconizado no art.2.º do Código de Processo Penal, in verbis: "A lei processual aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior".
Assim, a norma que exclui recurso tem vigência de imediato, sem prejuízo dos atos já praticados. Vale observar que, para a aferição da possibilidade de utilização de recurso suprimido, a lei que deve ser aplicada é aquela vigente quando surge para a parte o direito subjetivo ao recurso, ou seja, a partir da publicação da decisão a ser impugnada.
(...)
Dessa forma, constata-se que os sentenciados não fazem jus ao protesto pelo novo júri, porque, embora o crime tenha ocorrido antes da vigência da Lei nº 11.689/2008, que retirou o recurso da lei processual, o julgamento perante o 2.º Tribunal do Júri de São Paulo/SP foi concluído em 26 de março de 2010, portanto, quando já estava em vigor a novel legislação. (grifo nosso)

Concordamos completamente com os fundamentos elencados pela douta Min.Laurita Vaz. De fato, os referidos recorrentes não têm direito ao recurso protesto por novo júri (felizmente, suprimido da nossa legislação processual penal em 2008), vez que o direito a qualquer recurso "nasce" somente quando da publicação da decisão a ser impugnada, de sorte que, se na época em que foram condenados (26.03.2010) o recurso não existia mais, não há que se falar em prejuízo processual, pois, como bem explicitado pela douta Ministra, "A norma exclusivamente processual, como é o caso do dispositivo em questão, se submete ao princípio tempus regit actum, ou seja, a lei processual penal deve ser aplicada a partir de sua vigência, conforme preconizado no art.2.º do Código de Processo Penal, in verbis: "A lei processual aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior."
Por oportuno, devido à clareza de suas observações, calha trazer à baila os ensinamentos do insigne processualista penal Eugênio Pacelli de Oliveira, que ao comentar sobre a legislação processual no tempo, pontifica que:

[...] no que se refere às leis processuais no tempo, segue-se a regra de toda legislação processual: aplicam-se de imediato, desde a sua vigência, respeitando, porém, a validade dos atos realizados sob o império da legislação anterior.
Por atos já praticados deve-se entender também os respectivos efeitos e/ou consequências jurídicas. Por exemplo: sentenciado o processo e em curso o prazo recursal, a nova lei processual que alterar o aludido prazo não será aplicada, respeitando-se os efeitos preclusivos da sentença tal como previstos na época de sua prolação.
Questão da maior importância, ao menos nos próximos anos, diz respeito à recente modificação trazida com a Lei nº 11.689/08, que, modificando o procedimento do Tribunal do Júri, fez desaparecer, revogando expressamente, o antigo protesto por novo júri (arts.607 e 608, CPP). Uma vez vigente a nova regra, a partir do dia 10 de agosto de 2008, qual seria o marco de sua aplicação? A decisão condenatória, por força da aplicação imediata das novas regras processuais, ou a data do fato praticado? Uma leitura pautada essencialmente na perspectiva da afirmação das garantias processuais do acusado responderá que a modificação - extinção de uma modalidade de recurso - implicaria diminuição das garantias recursais, de tal modo que haveria violação, ou à ampla defesa, ou a suposto direito adquirido do agente da infração. Assim, por essa interpretação, a nova regra somente seria aplicável aos fatos praticados a partir de sua vigência, isto é, a partir de 10 de agosto de 2008.
Pensamos, contudo, que a questão não pode ser colocada nestes termos. Evidentemente que a possibilidade, em abstrato, de outra via recursal em favor do acusado amplia o seu leque defensivo. No entanto, não se pode afirmar que a eventual supressão de uma modalidade de recurso implique violação ao princípio constitucional da ampla defesa. Fosse assim, a legislação processual penal estaria condenada ao engessamento e à fossilização, e, pior ainda, vinculada a um padrão de procedimento estabelecido justamente em um mesmo instrumento normativo, isto e, outra Lei. E, sabe-se, leis revogam leis, quando da mesma espécie normativa. Então, em linha de princípio, pode haver alterações procedimentais, incluindo e alcançando a matéria recursal, desde que garantida a possibilidade de revisão do julgado em outra instância.
(...)
Assim, pensamos que o marco de aplicação da nova regra, fim do protesto por novo júri, é a decisão condenatória no Tribunal do Júri. Se já proferida ela, antes da nova legislação (Lei nº 11.689/08), deve ser aceito o recurso de protesto por novo júri. Se a condenação é posterior, aplica-se imediatamente a nova regra processual. (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. Pág. 24/26). (itálico e negrito nossos)

No mesmo diapasão, outro não é o entendimento de Guilherme de Souza Nucci: "a extinção do protesto por novo júri, provocada pela Lei 11.689/2008, deve ter aplicação imediata, tão logo entre em vigor o corpo de normas que alteraram a configuração do Tribunal do Júri. Segue-se sem dúvida, o disposto no art. 2.º do Código de Processo Penal: "A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior". Significa, pois, que todo réu que estiver respondendo a processo, no contexto do júri, ao atingir a sentença condenatória, proferida em plenário, com pena fixada em 20 anos ou mais, já não terá direito de invocar o protesto por novo júri. Afinal, no momento processual em que alcançou a decisão condenatória e, portanto, poderia, em tese, fazer uso de um recurso colocado à sua disposição pela legislação, em autêntica expectativa de direito, o mencionado recurso deixou de existir. Normas processuais aplicam-se de imediato, sem qualquer retroatividade. Essa é a regra." (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 9ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. Págs. 985/986). (grifo nosso)

Por fim, cabe destacar, que da referida decisão monocrática ainda cabe recurso, notadamente o Agravo Regimental, cujo objetivo é que o pedido (ora negado seguimento) seja julgado pelo órgão colegiado competente do próprio STJ.




segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

ABSURDO JURÍDICO: Projeto do Novo Código Penal prevê a redução das penas dos crimes de Roubo e Furto

Infelizmente, da análise do Anteprojeto do Novo Código Penal (link ao final do texto), entregue em meados do ano passado (2012) ao Presidente do Senado Federal, José Sarney, observa-se várias "falhas" no que tange à proporcional e devida escolha dos intervalos mínimos e máximos (quantidade de pena) de importantes tipos penais, tais como os crimes de furto e de roubo.
Dizemos importantes porque é fato notório, sabido até "pelas pedras da rua", que a grande massa de presos de nossa terra Brasilis são compostos por pessoas condenadas por crimes patrimoniais, como os delitos suso mencionados, os quais sem sombras de dúvidas, merecem uma reprimenda proporcional ao bem jurídico protegido (o patrimônio), sem esquecer que devem ser duramente punidas as pessoas cujo meio de vida é justamente despojar o patrimônio alheio mediante o uso de violência OU de grave ameaça, como é o caso específico do delito de Roubo.
Contudo, a Comissão responsável pela criação do novo Código Penal parece não compreender a importância do novo Estatuto Repressivo e, principalmente, dos seus efeitos que se irradiarão por toda a sociedade brasileira após a sua entrada em vigor.
Uma grande "falha", que Deus nos ajude que não "vingue", é a redução das penas previstas para os crimes de furto (art.155, caput, CP) e roubo (art.157, caput, CP), que atualmente, possuem penas de 1 (um) a 4 (quatro) anos e 4 (quatro) a 10 (dez) anos, respectivamente.
Inacreditavelmente, o projeto do novo Código Penal reduz a pena do furto simples para a pena de 6 (seis) MESES a 3 (três) anos de prisão (mesmo artigo correspondente). A seu turno, a redução do pernicioso delito de roubo (quando o agente usa a violência OU a grave ameaça contra a vítima, que pode ser lembrada na célebre frase proferida pelo criminoso: "A bolsa ou a vida") foi ainda maior, acreditem, tendo a ABERRANTE previsão de pena mínima de 3 (três) a 6 (seis) anos de prisão (mesmo artigo correspondente). UM ABSURDO JURÍDICO SEM PRECEDENTES, que parodiando um ilustre político brasileiro, poderíamos dizer, "Nunca na história desse país, a legislação penal foi tão... (aqui deixo o leitor completar a frase com a sua opinião sobre o tema).
Como é sabido, se com o endurecimento das penas, como nos crimes hediondos (Lei n.8.072/90), bem como da imposição de maiores gravames, como até recentemente (o que somente mudou após o julgamento do "famoso" HC n.82.959-SP, de 23 de fevereiro de 2006) era obrigatório o cumprimento da pena em regime INTEGRALMENTE fechado para os condenados por tais crimes, não foi possível  alcançar a diminuição da criminalidade - e nem será, uma vez que o principal motivo dos altos índices de criminalidade em nosso país decorre da gritante exclusão social a que são submetidos milhões de brasileiros(as), os quais se vêem obrigados a enveredar pelo "mundo do crime" como forma de sobreviver -, imagine o que poderá ocorrer se houver a aprovação de previsões como estas do projeto do novo Código Penal?
Parece brincadeira (seria cômico se não fosse trágico), leitor, mas não o é, como é que pode o legislador pretender reduzir as penas do crime de ROUBO, o qual é um dos mais graves do nosso Código Penal e, que tem que continuar assim, uma vez que ele protege um bem jurídico de alta magnitude para todos os brasileiros, qual seja, o nosso patrimônio, que na maior parte das vezes é conseguido somente com anos de trabalho e consequentemente de derramamento de muito suor.
Resta a indagação, se houve nos últimos anos apenas o AUMENTO da criminalidade, não obstante a criação de reprimendas graves, como no caso da Lei dos Crimes Hediondos, o que acontecerá com a nossa sociedade se o NOVO Código Penal parece que vai "nascer raquítico"? Infelizmente, é bem provável que duplique e até triplique a ocorrência dos crimes patrimoniais como o roubo. De fato, é muito contraditório o legislador do novo Código Penal pretender reduzir as penas do crime de roubo - da atual pena máxima fixada em 10 (dez) anos para ínfimos 6 (seis), pois é uma redução de quase metade - que não raras vezes, como pode-se ver quase que diariamente nos noticiários jornalísticos, se "transforma" em LATROCÍNIO (roubo seguido de morte), acabando por deixar mais uma família sem um ente querido, sem contar também, os danos psicológicos e emocionais ocasionados para a vítima de roubo, que na maior parte dos casos é despojada de seu patrimônio depois de ver uma arma de fogo apontada para o seu rosto.
Diante o exposto, torçamos para que as novas penas dos crimes de furto e, principalmente de roubo não sejam aprovadas pelo Congresso Nacional, tendo em vista que seria um "enorme absurdo jurídico", ante a gravidade deste crime para a nossa sociedade, devendo, por isso, permanecer a pena atual (mínima de 4 (quatro) e máxima de 10 (dez) anos de reclusão), esta sim proporcional à gravidade de tão odioso delito (roubo).



terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A verdade sobre o Auxílio-Reclusão

Um equívoco muito comum cometido por grande parte da população brasileira reside em acreditar e propagar a informação de que o valor do Auxílio-Reclusão (benefício previdenciário) é de R$915,05 (novecentos e quinze reais e cinco centavos) por cada filho, ou seja, segundo o credo popular, qualquer presidiário tenha por exemplo, dois filhos, sua família receberá da Previdência a monta de R$1.830,10 (hum mil e oitocentos e trinta reais e dez centavos). Ledo engano.
Basta dar uma pequena olhada nas redes sociais que você verá alguém indignado com tal valor a ser pago à família do preso, trazendo sempre a comparação do auxílio-reclusão, que segundo eles pensam, é de R$915,05 por cada filho, com a aposentadoria (seja por idade ou tempo de contribuição) que na maior parte dos casos é pago no valor de um salário mínimo (atualmente R$622).
A partir desta comparação, ficam indignados, fazendo críticas - infundadas - ao Brasil, que pagando tais valores à família do preso estaria cometendo uma grande injustiça social, uma vez que os aposentados receberiam apenas um salário mínimo, mesmo depois de ter trabalhado licitamente durante usa vida.
In casu, acredito que o erro cometido por grande parcela da sociedade brasileira reside em desconhecer a natureza jurídica de benefício previdenciário do auxilio-reclusão. 
Inicialmente, impende destacar que, ao contrário do que pensa e propaga o credo popular, o auxílio reclusão não é pago a TODAS às famílias de todos os presidiários, mas somente uma pequena parcela de familiares dos presidiários fazem jus ao referido benefício previdenciário (auxílio-reclusão), senão vejamos.
Como dito, da imensa população carcerária brasileira, aproximadamente 500.000 (quinhentos mil) presos, somente uma pequeniníssima (abusando dos superlativos, como diria o agregado José Dias da obra Machadiana) parcela de famílias fará jus ao auxilio-reclusão, que, cabe frisar, não é pago pelo Governo, mas é custeado pelo próprio preso (segurado) durante o período em que trabalhava remuneradamente (licitamente) e assim desta forma contribuía para a Previdência Social.
Ora, o auxilio-reclusão, por se tratar de um benefício previdenciário, somente será pago à família do preso (segurado) que contribuiu para a Previdência. Em outras palavras, não é qualquer família de preso que fará jus ao citado benefício, mas somente aquela cujo detento contribuiu para a Previdência Social, o que equivale a dizer que, caso alguém seja preso sem nunca ter contribuído para a Previdência, como por exemplo, um traficante de drogas, sua família NÃO terá direito ao auxilio-reclusão, pois aquele não é segurado, isto é, nunca contribuiu para o INSS.
Tendo em vista que a maior parte da imensa população carcerária de nossa Terra Brasilis é composta de condenados por crimes patrimoniais (furto, roubo, latrocínio, etc.) e por traficantes de drogas (estes na maioria esmagadora sem nunca terem trabalhado com carteira assinada e, assim, sem nunca terem contribuído para o custeio da previdência), podemos afirmar o auxílio-reclusão é pago a um número muito pequeno de famílias de presos.
Neste diapasão, dados recentes do Ministério da Previdência Social - MPS, do mês de maio de 2012, expedidos no Boletim Estatístico da Previdência Social* (link abaixo), mostram que apenas 35.348 (trinta e cinco mil e trezentas e quarenta e oito) segurados foram beneficiados com o auxílio-reclusão no Brasil, recebendo em média R$681,40, sendo que desse total de segurados, 31.927 foram enquadrados como "urbanos", recebendo R$690,27 (seiscentos e noventa reais e vinte e sete centavos), ao passo que apenas 3.421 foram enquadrados como "rural", recebendo a quantia de R$598,63 (quinhentos e noventa e oito reais e sessenta e três centavos). Outrossim, impende destacar, que os valores dispendidos a título de pagamento do auxilio-reclusão corresponderam a apenas 0,45% dos valores de benefícios previdenciários concedidos pela autarquia previdenciária.
Ademais, para se fazer jus ao auxilio-reclusão, não basta ter contribuído para a Previdência, é preciso que o segurado seja de baixa-renda, que segundo a legislação previdenciária é o segurado que recebe até R$915,05 (novecentos e quinze reais e cinco centavos), ou seja, caso um preso (segurado) que recebia mais do que esse valor, sua família não fará jus ao recebimento do referido beneficio previdenciário, pois não possui um dos requisitos, qual seja, ser de baixa renda (o preso receber até R$915,05).
Desta forma, percebe-se que não é qualquer família de preso que terá o direito ao auxílio-reclusão, mas somente a família daquele preso que contribuiu para a previdência social (trabalhando licitamente com carteira assinada, em regra) e que seja de baixa-renda, isto é, que receba valor igual ou inferior a R$915,05 (valor atualizado pela Portaria Interministerial MPS/MF 2, de 06.01.2012), pois se receber valor maior que este, NÃO fará jus ao auxílio-reclusão.
Por fim, a que se destacar, que a baixa renda a ser considerada para a concessão do auxílio-reclusão se refere ao segurado, NÃO a dos seus dependentes. Neste diapasão, IVAN KERTZMAN (2012, p.448) aduz que: "Havia, entretanto, uma grande discussão na jurisprudência se ao invés da renda do segurado, não poderia ser considerada a renda do dependente. O STF pacificou a questão, confirmando que a baixa renda que deve ser considerada é a do segurado e não a do seu dependente com a apreciação dos Recursos Extraordinários 486.413 e 587.365, reconhecendo a existência de repercussão geral".
Outrossim, há que se afirmar, que o benefício em epígrafe, durante o seu recebimento pelos dependentes do preso (segurado), não é cumulável com o recebimento de auxílio-doença e nem com a aposentadoria, sendo permitida, contudo, a escolha pelo benefício que seja mais vantajoso para a família do preso, conforme alerta Ivan Kertzman.
Diante o exposto, percebe-se que não ser injusto o recebimento do auxílio-reclusão pelos dependentes do preso (segurado), uma vez que ele é pago em decorrência das contribuições efetuadas pelo presidiário (segurado) através de seu trabalho lícito para a Previdência Social. Da mesma forma, ao contrário do que pensa a maior parte da população brasileira, é uma pequena parcela de dependentes dos segurados presos que farão jus ao auxílio reclusão, tendo em vista os requisitos acima explanados.



Referência
KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 9ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2012.

*Disponível em: http://www.mpas.gov.br/arquivos/office/3_120706-111513-210.pdf. Acesso em 12 de dezembro de 2012.


sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Ex-cônjuge tem direito à pensão por morte mesmo após renunciar aos alimentos

No Direito Previdenciário, para se fazer jus a algum benefício o indivíduo tem que ser segurado ou dependente.
Segurado obrigatório é aquele que exerce algum serviço lícito remunerado (como por exemplo, os empregados, domésticos, contribuinte individual, etc.) que os liguem ao sistema previdenciário, ou seja, quem exercer determinados serviços remunerados será obrigatoriamente vinculado ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS).
Outrossim, impende destacar, que existe uma hipótese, que apesar da pessoa não exercer nenhuma atividade remunerada, poderá optar por se vincular ao RGPS, estamos falando do Segurado Facultativo (como o estudante, a dona de casa, etc.), que deve ter pelo menos 16 (dezesseis) anos de idade para se vincular ao regime previdenciário.
Dependentes são as pessoas que possuem uma relação de dependência econômica com o segurado do RGPS, os quais, como dito anteriormente, poderão fazer jus ao recebimento de algum benefício previdenciário. Estes indivíduos podem ser beneficiados com a concessão de algum benefício previdenciário em virtude das contribuições efetuadas pelos segurados, aos quais são dependentes.
Impende destacar, que para algum dependente ter o direito ao recebimento de algum benefício previdenciário, mister se faz que ele não perca a qualidade de dependente.
Aqui é que reside o objetivo de nosso pequeno articulado, tratar da possibilidade de recebimento de benefício pelo ex-cônjuge.
Segundo o art. 17, inciso I, Decreto nº 3.048/99, a perda da condição de dependente ocorre, para o cônjuge, pela separação judicial ou divórcio, enquanto não lhe for assegurada a prestação de alimentos (...), isto é, a legislação previdenciária aduz que o ex-cônjuge mantém a condição de dependente, fazendo jus ao recebimento de algum benefício previdenciário, se receber pensão alimentícia. 
Da mesma forma, tal previsão também é aplicada à união estável (art.17, II, Decreto 3.048/99), ou seja, finda a união estável, caso o ex-companheiro receba prestação alimentícia também manterá a qualidade de dependente. Caso contrário, se não necessitar (receber) da referida prestação perderá a condição de dependente, não podendo, a partir daí, ser beneficiário de nenhum benefício do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social.
No caso de recebimento de pensão alimentícia, a legislação entende que, não obstante o término do vínculo conjugal ou da união estável, ainda permanece a dependência econômica, devendo permanecer a condição de dependente para o ex-cônjuge e ex-companheiro.
Ademais, a IN 45/2010 editada pelo INSS, em seu art. 323, §1º, aduz que "equipara-se à percepção de pensão alimentícia o recebimento de ajuda econômica ou financeira sob qualquer forma (...)".
Desta forma, observa-se que a citada IN 45/2010 possui um conceito de pensão alimentícia assaz amplo, beneficiando, desta forma, maior número de pessoas, uma vez que o recebimento de qualquer pequena ajuda econômica ou financeira é equiparada à percepção de pensão alimentícia.
Por fim, questão interessante que se coloca, é a do ex-cônjuge (e também do ex-companheiro) que durante o processo de divórcio renuncia à prestação alimentícia, porque naquele momento não necessitava de nenhuma ajuda econômica de seu consorte. Pegunta-se: após o término do vinculo, e tendo renunciado aos alimentos durante o procedimento, caso ele passe por necessidade econômica superveniente (ao divórcio ou separação), fará jus ao recebimento de algum benefício previdenciário?
Note-se que a condição de dependente apenas se mantém para o ex-consorte caso este receba pensão alimentícia, pois se não receber, perderá automaticamente sua condição de dependente após o término do vinculo conjugal, conforme previsão do art.17, incisos I e II do Decreto nº 3.048/99, vistos acima.
Todavia, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, tem posicionamento pacificado no sentido de que o ex-consorte que tenha renunciado aos alimentos tem o direito de receber pensão por morte caso comprove a necessidade superveniente (AgRg no AI nº 1.420.559 - PE)*. Digo entendimento pacificado porque foi sumulado (súmula nº 336): "A mulher que renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito à pensão previdenciária por morte do ex-marido, comprovada a necessidade econômica superveniente".
Neste diapasão, mesmo que o ex-consorte tenha renunciado à pensão alimentícia, ele fará jus ao recebimento da pensão por morte caso comprove a ocorrência de necessidade econômica superveniente. 
Perfeito o entendimento sumulado do STJ, uma vez que o ex-cônjuge somente renunciou à pensão alimentícia porque à época do término do vínculo conjugal (ou separação) não tinha nenhuma necessidade econômica, tanto é que renunciou. 



Referência
KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 9ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012.