terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A idade de 70 (setenta) anos de idade ou mais do criminoso não interfere nos prazos processuais


                                                          
Ao assistir ao programa Cidade Alerta de ontem, dia 24/02/2014 (*link abaixo), ouvi o apresentador Marcelo Rezende e o comentarista Percival de Souza afirmarem que no Brasil os acusados/réus que tiverem mais de 70 (setenta) anos de idade muito dificilmente ficarão muito tempo na cadeira, tendo em vista a existência de "suposta" previsão legal de que "a partir de 70 (setenta) anos todos os prazos processuais são cortados pela metade", nas palavras de Percival de Souza (a partir do 6º minuto do referido vídeo). Ledo engado, senão vejamos.

No caso concreto, o apresentador Marcelo Rezende e Percival de Souza comentavam a respeito da prisão de um acusado de violência sexual contra uma menor de idade, o qual dito alhures, atualmente possui mais de 70 anos de idade, in casu, 75 (setenta e cinco) anos.

Em que pese a credibilidade profissional dos referidos apresentadores e a gravidade da acusação imputada ao acusado (que necessariamente deve ser devidamente provada em juízo, ante o Princípio constitucional da Presunção da Inocência - inciso LVII do art.5º da CF de 1988), bem como o fato da existência de grande descrédito porque passa atualmente o Poder Judiciário brasileiro, necessária se faz a devida ressalva à informação veiculada pelo referido programa televisivo.

Isso porque, em realidade, NÃO existe a "suposta" previsão legal de que os prazos processuais são "cortados" pela metade quando o acusado possuir 70 (setenta) anos de idade ou mais que isso, fato que, parece que beneficiaria os criminosos de tal idade, conforme transparece da conversa do apresentador e do comentarista supracitados.

Em realidade, a questão do acusado/réu possuir 70 (setenta) anos de idade ou mais somente irá refletir quanto a questão de prazos no que se refere ao prazo prescricional do jus puniend estatal, isto porque, o art.115 do Código Penal brasileiro determina que a prescrição "corre" pela metade para os criminosos que eram menor de 21 (vinte e um) anos na data do fato e maiores de 70 (setenta) anos na data da sentença penal condenatória. Neste diapasão, confira o art.115 do CP, in verbis:

Art.115 - São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos. - grifei e negritei

Da análise do dispositivo legal acima transcrito, observa-se claramente que a idade de 70 anos ou mais somente interfere quanto à contagem do prazo prescricional do crime imputado ao criminoso, ou seja, em nada interfere quanto aos prazos processuais, contrariamente ao que afirmado pelos apresentadores do referido programa.

Em outras palavras, caso o criminoso conte com mais de 70 anos de idade na data da sentença condenatória, todos os prazos processuais permanecerão iguais, isto é, sem nenhuma redução, sendo certo que a referida idade só altera (leia-se: reduz pela metade) o prazo prescricional do delito atribuído ao réu.

Assim, por exemplo (só para se ter uma ideia), os prazos processuais para: término de inquérito policial; oferecimento de denúncia pelo Ministério Público; tempo de cumprimento de qualquer prisão cautelar (provisória e preventiva); oferecimento de resposta à acusação; instrução probatória e qualquer outro, frise-se, em nada são alterados por causa da idade de 70 (setenta) anos ou mais do acusado/réu.

É preciso que fique bem claro, que não há nenhuma previsão normativa de que para o acusado/réu maior de 70 (setenta) anos os prazos processuais sejam "cortados" pela metade, seja na Constituição Federal de 1988, Código Penal ou Código de Processo Penal brasileiros ou em qualquer outra legislação penal extravagante.

De fato, conforme fartamente demonstrado, caso o réu/acusado possua mais de 70 anos na data da sentença condenatória, o art.115 do CP determina que o prazo prescricional seja contado pela metade. Assim, por exemplo, caso um réu acusado de estupro (art.213, CP) complete 70 anos na data da sentença penal condenatória, o Estado para poder condená-lo teria que o fazer em tese dentro do prazo máximo de 8 (oito) anos após a consumação do crime  (diz-se em tese porque há as causas interruptivas da prescrição, como por exemplo o recebimento da denúncia pela Justiça, em que o prazo começa a correr do zero) e NÃO em 16 (dezesseis) anos (art.213 c/c art.109, inciso II, todos do CP), vez que o art.115 determina que o prazo prescricional para o criminoso de 70 anos ou mais deve ser contado pela metade. Observe que 8 (oito) anos é a metade do prazo prescricional de 16 (dezesseis) anos (fixado para os crimes cuja pena máxima é superior a 08 e não supera a 12 anos, a exemplo do estupro, cuja pena máxima é 10 (dez) anos) nos exatos termos do art.109, inciso II c/c art.213 do CP.

Desta forma, no exemplo apresentado, caso o Estado não respeite o prazo máximo de 8 anos, haverá prescrição do jus puniend estatal, ou seja, deverá a Justiça julgar extinta a pretensão estatal de aplicar a pena, não podendo o acusado ser mais condenado, ante a ocorrência da prescrição abstrata (leva em conta a pena máxima para o delito, abstratamente).

Diante o exposto, vê-se que não subsiste a afirmação veiculada pelo referido programa de que para os acusados maiores de 70 anos os prazos processuais são "cortados" pela metade, vez que a referida idade somente interfere na contagem do prazo prescricional, e só. 

Assim, os prazos processuais correm normalmente, sem nenhuma redução, independentemente da idade do acusado(a).



*Vídeo disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=lC9ATPGIlbI


sábado, 26 de outubro de 2013

A comoção popular não pode ensejar a prisão preventiva de nenhum acusado

Infelizmente, ninguém está imune a agir como a médica KATIA VARGAS (informações sobre o fato no link abaixo), mormente em face da violência que atinge o trânsito E DOS ALTOS NÍVEIS DE ESTRESSE que acometem principalmente as pessoas que vivem nas grandes cidades. No que tange à prisão da médica, acho-a desnecessária, pois a meu ver não estão presentes NENHUM dos requisitos autorizadores do art.312 do CPP. 
Ora, a comoção popular, como é sabido, não é motivo (ou pelo menos não deveria ser) apto a ensejar a prisão de qualquer pessoa, vez que é princípio constitucional que ninguém será levado à prisão ou nela mantida caso seja possível a concessão da liberdade provisória (art.5º, LXVI, CF/88), tudo em respeito ao princípio da presunção de inocência (art.5º, LVII, CF/88). 
Ocorre que, infelizmente, não raras são as vezes que a comoção popular é o motivo determinante para a prisão preventiva (cautelar) de algum acusado aqui no Brasil, como o caso do goleiro Bruno (Caso Eliza Samúdio), tornando-se verdadeira antecipação de pena, o que é terminantemente proibido pela garantia constitucional da presunção de inocência suprarreferida, a qual somente se desfaz com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Caso a médica Katia Vargas tenha cometido algum crime, então que pague por ele, mas devendo responder ao processo em liberdade (se não houver a demonstração concreta da existência de algum dos requisitos do art.312 do CPP).
A SIMPLES OCORRÊNCIA DE UM FATO DELITUOSO A TÍTULO DE DOLO E A COMOÇÃO POPULAR, FRISE-SE, CRIADA POR UMA MÍDIA SENSACIONALISTA, NÃO JUSTIFICAM A PRISÃO CAUTELAR DE NINGUÉM
Infelizmente, esta semana o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA negou o pedido liminar em HABEAS CORPUS requerido pela defesa da MÉDICA, mantendo-a presa até o julgamento definitivo do referido HC.
Esperemos os próximos capítulos desta novela...



*Disponível em: http://atarde.uol.com.br/materias/1540386-delegada-diz-que-medica-perseguiu-irmaos-ate-colisao

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Caso Dorothy Stang: Erros técnicos-jurídicos na sentença que condenou VITALMIRO BASTOS DE MOURA


Ontem, no dia 19 de setembro de 2013, foi concluído o julgamento do mandante do homicídio praticado em 2005 contra a missionária Dorothy Stang, tendo VITALMIRO BASTOS DE MOURA sido condenado pela 2ª Vara do Tribunal do Júri de Belém/PA à pena de 30 (trinta) anos de reclusão (link abaixo).
Ocorre que, da análise cuidadosa da sentença condenatória, verifica-se que a mesma possui erros técnicos-jurídicos, os quais acabaram por acarretar uma reprimenda mais dura do que a que seria devida, considerando-se a fundamentação esposada.
Insta registrar, que o Conselho de Sentença reconheceu a presença de 2 (duas) qualificadoras, quais sejam, a da promessa de recompensa (art.121, §2º, I, Código Penal) e a que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima (art.121, §2º, IV, CP). Outrossim, fora reconhecida ainda a agravante do art.61, II, "h", do CP, ante a vítima possuir mais de 60 (sessenta) anos.
Passemos a analisar a fundamentação do édito condenatório. 
Inicialmente, calha destacar, que das 6 (seis) circunstâncias judiciais consideradas desfavoráveis ao réu, 3 (três) delas foram valoradas (negativamente) indevidamente, senão vejamos.
A primeira delas foi a conduta social do réu. Segundo trecho da sentença, "CONDUTA SOCIAL e PERSONALIDADE, entendo voltadas para a violência, além de perversa e covarde, demonstrando ser o corréu pessoa inadaptada ao convívio social por não vicejarem no seu espírito sentimentos de amor, amizade, generosidade e solidariedade para com o semelhante, colocando acima de qualquer valor relevante suas pretensões patrimoniais".
Da análise do referido trecho, vê-se claramente que foram "misturados" os conceitos de conduta social (do réu) e personalidade, ambas circunstâncias judiciais previstas no art.59 do CP. Da fundamentação exposta acima, a mesma serviria apenas para justificar o recrudescimento da personalidade, jamais a da conduta social.
Isto porque, a conduta social se refere ao sentimento que a comunidade tem sobre o réu, como por exemplo, se é bem visto em sua comunidade, considerado amigo pela vizinhança, um bom pai, se é querido no trabalho, etc. A fundamentação usada acima, assim, nada tem a ver com conceito de conduta social aceita pacificamente pela doutrina e jurisprudência pátrias. Neste sentido, ao discorrer sobre a conduta social, GUILHERME DE SOUZA NUCCI ensina que:

É o papel do réu na comunidade, inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança, dentre outros, motivo pelo qual além de simplesmente considerar o fator conduta social preferimos incluir a expressão inserção social. Não somente a conduta antecedente do agente em seus vários setores de relacionamento, mas sobretudo o ambiente no qual está inserido são capazes de determinar a justa medida da reprovação que seu ato criminoso possa merecer. (Individualização da Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.200/201). (negritei)

Assim, o aumento decorrente pela valoração negativa da conduta social constitui-se em deslize técnico-jurídico.
Outro deslize ocorrido no processo dosimétrico foi valorar negativamente as circunstâncias do crime, colhe-se da sentença o seguinte: "(...) As CIRCUNSTÂNCIAS desfavoráveis ao mesmo, e as CONSEQUÊNCIAS do crime entendo graves, pois foi ceifada a vida de um ser humano". - sublinhei.
Ora, da análise do trecho referente às circunstâncias, observa-se claramente que não há nenhuma fundamentação concreta, havendo somente a afirmativa de que as circunstâncias são negativas, mas, frise-se, sem declinar nenhum fundamento apto a justificar o recrudescimento da sanção penal. Sobre o tema, RICARDO SCHMITT afirma que: "A sentença que não fundamenta sua valoração das circunstâncias do crime ou que não indica os elementos concretos que formaram o convencimento do juiz quanto a essa valoração padece de nulidade". (Sentença Penal Condenatória. 7ª Ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p.138).

Assim, no caso da valoração negativa das circunstâncias do crime o erro técnico-jurídico se deu porque não houve fundamentação concreta no édito condenatório. Pergunta-se. Poderia ter sido utilizada corretamente? Poderia, mas não o foi porque não houve fundamentação em dados concretos do processo.
O outro deslize foi considerar a morte da vítima como consequência desfavorável ao réu num crime de homicídio. Ora, a morte da vítima é consequência natural no delito de homicídio, logo, não pode ser valorada pelo juiz no momento da fixação da pena, sob pena de odiável dupla apenação (bis in idem), vedado em nosso ordenamento jurídico. Nessa senda, GUILHERME DE SOUZA NUCCI, leciona:

O mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico, é a consequência a ser considerada para a fixação da pena. É lógico que num homicídio, por exemplo, a consequência natural é a morte de alguém e, em decorrência disso, uma pessoa pode ficar viúva ou órfã. Diferentemente, um indivíduo que assassina a esposa na frente dos filhos menores, causando-lhes um trauma sem precedentes, precisa ser mais severamente apenado, pois trata-se de uma consequência não natural do delito. (Individualização da Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.226). - negritei

Como se sabe, o bem jurídico tutelado no delito de homicídio é a vida do indivíduo, razão pela qual, ante a gravidade da violação de tal bem jurídico e, assim, a causação da morte (decorrência natural no crime de homicídio) de alguém, o legislador fixou para o homicídio uma das maiores penas para os infratores da lei penal. Dissertando sobre a função limitadora do bem jurídico no que se refere à aplicação da pena, o insigne professor de Direito Penal da USP, DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO ensina que:

É defeso ao magistrado elevar a sanção, no trabalho de motivação e aplicação da pena, em razão da virulência do ataque ou da gravidade de lesão ao bem jurídico, tomando circunstâncias já consideradas no tipo incriminador. Se assim o fizer, incidirá no bis in idem, repetindo para a gravidade do crime a modalidade ou o grau de intensidade da ofensa, ambos já considerados e avaliados pelo legislador ao fixar a quantidade da pena mínima. (Dosimetria da Pena: causas de aumento e diminuição. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p.42).

Ora, considerar a morte da vítima no crime de homicídio como consequência desfavorável é claro bis in idem, pois o legislador, ante as graves consequências deste crime (morte de alguém), no primeiro momento de individualizar a pena (fase legislativa), fixou para este delito uma das maiores reprimendas, basta ver o homicídio qualificado (art.121, §2º, I a V, do CP), no qual a pena mínima é de 12 (doze) anos e o máximo é de 30 (trinta) anos de reclusão.
Assim, suprimindo da condenação de VITALMIRO BASTOS estas 3 (três) circunstâncias judiciais (leia-se: conduta social, circunstâncias e consequências do crime), tem-se que a pena-base deveria ter sido fixada em 18 (dezoito) anos  e 07 (sete) meses de reclusão.
Outrossim, na 2ª fase do processo dosimétrico da pena, ante a incidência da agravante constante do art.61, II, "h" do CP (vítima maior de 60 anos), com um aumento do ideal imaginário de 1/6 (um sexto), a pena provisória chegaria a 21 (vinte e um) anos e 07 (sete) meses de reclusão.
Ademais, há ainda outra agravante a ser aplicada. Explica-se, como é cediço, diante da existência de mais de 1 (uma) qualificadora - in casu, foram reconhecidas 2 (duas) pelo Conselho de Sentença -, uma serve para qualificar e a outra para usar como circunstância agravante, desde que esteja prevista no rol do art.61 ou art.62 do CP. É justamente o caso da qualificadora do art.121, §2º, IV, CP, que possui uma agravante correspondente no art.61, II, "c", do CP.
Se não houvesse previsão da qualificadora como agravante, ela deveria ser analisada na análise das circunstâncias judiciais, notadamente na análise das circunstâncias, tendo em vista que todas as circunstâncias que envolvem o fato delituoso devem ser consideradas para fins de fixação da pena.
Assim, aplicando-se esta segunda agravante (1/6), a pena definitiva de VITALMIRO BASTOS chegaria a 24 anos e 07 (sete) meses de reclusão (ante a ausência de causas de aumento ou diminuição da pena), em total respeito aos ditames do Sistema Trifásico de aplicação da pena e ao princípio constitucional da individualização da pena (art.5º, XLVI, Carta Política de 1988).









A pena mínima do crime de estupro deveria ser de pelo menos 8 (oito) anos de reclusão


Infelizmente, ao contrário do que muita gente pensa, quem comete o gravíssimo crime de estupro - frise-se, em sua forma simples: art.213 do Código Penal: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pena - Reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos" - costuma (isto é, na maioria das vezes) ter sua pena definitiva fixada no mínimo legal, qual seja, 6 (seis) anos de reclusão.
Para quem conhece nosso Sistema de Aplicação da Pena, constante no art.68 c/c com o art.59, todos do Código Penal brasileiro, sabe que grande parte (diz-se em grande parte, pois, em homenagem ao princípio da individualização da pena (art.5º, XLVI, CF/88), a pena de cada caso vai depender das circunstâncias objetivas e subjetivas de cada criminoso e dos crimes praticados) dos estupradores acaba por ter sua pena fixada no montante mínimo, ou seja, de 6 (seis) anos.
Tal constatação é relevante e possui grave consequência jurídica, frise-se, não sabido pela maioria da população brasileira, qual seja, devido a fixação da pena em seu patamar mínimo (seis anos), o condenado NÃO IRÁ para o regime fechado de cumprimento da pena, mas para o regime semi-aberto, tendo em vista que sua pena fora fixada em quantidade inferior a 8 (oito) anos de reclusão, nos termos do art.33, §2º, do Código Penal: "As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (...) b) o condenado não reincidente cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;"
Assim, ao invés do condenado por estupro ir cumprir sua pena no presídio (regime fechado), ele irá para o regime semi-aberto, onde cumprirá a pena numa colônia penal (art.35, §1º, CP), sendo possível ainda exercer trabalho externo e ainda, a participação em cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau e superior fora da referida colônia penal (art.35, §2º, CP).
Essa é a regra. A exceção fica por conta do condenado reincidente, pois, mesmo que sua pena tenho sido fixada em 6 (seis) anos, o que vale também no caso do estupro, ele deverá iniciar o cumprimento da sanção corporal em regime fechado. Reincidente é o indivíduo que vem a praticar novo crime antes de passar pelo menos 5 (cinco) anos após o trânsito em julgado que o condenou anteriormente, seja no Brasil ou no estrangeiro, pela prática de algum outro delito, conforme se depreende da leitura conjunta dos arts.63 e 64 do Código Penal.
Desta forma, é preciso deixar claro, que em regra (desde que o condenado não seja reincidente), o condenado por estupro não irá iniciar o cumprimento de sua pena em regime fechado (no presídio), isto porque, o juiz, ao fixar a pena analisando as circunstâncias constantes do art.59 do Código Penal (bem como as demais fases) - atente-se, partindo sempre do montante mínimo (seis anos) -, em grande parte dos casos não conseguirá aumentar a pena até 8 (oito) anos ou mais, hipótese em que o condenado por estupro começaria a cumprir sua pena em regime fechado.
A nosso ver, o problema não está no Sistema da Fixação da Pena, mas sim na ausência de proporcionalidade da pena mínima atribuída ao crime de estupro, qual seja, de apenas 6 (seis) anos de reclusão.
Como é cediço, o delito do estupro é uma conduta socialmente repugnante e considerada gravíssima por toda a sociedade brasileira, sendo um dos crimes que mais chocam por sua virulência, chegando ao ponto dos demais presidiários (e/ou criminosos) não aceitarem de forma nenhuma quem pratica o referido crime.
Por outro lado, não podemos esquecer que o delito de estupro - ante a enorme gravidade de suas consequências no seio da sociedade e principalmente para as vítimas, as quais em sua grande maioria passam a conviver com problemas psicológicos e de relacionamento - é considerado crime hediondo, nos termos do art.1º, inciso V, da Lei nº 8.072/1990.
Assim, temos que a pena mínima do crime de estupro não é proporcional à enorme gravidade da referida conduta delituosa. Como se sabe, a pena a ser atribuída pelo legislador para determinada conduta considerada criminosa deve guardar proporcionalidade com a conduta violadora da lei penal incriminadora, o que, a nosso ver, não acontece com pena mínima do delito de estupro em sua forma simples. Sobre a proporcionalidade, LUIZ REGIS PRADO ensina que:

O princípio da proporcionalidade (poena debet commensurari delicto), em sentido estrito, exige um liame axiológico e, portanto, graduável, entre o fato praticado e a cominação legal/consequência jurídica, ficando evidente a proibição de qualquer excesso. [...]
(...)
Em resumo, a pena deve estar  proporcionada ou adequada à intensidade ou magnitude da lesão ao bem jurídico representada pelo delito e a medida de segurança à periculosidade criminal do agente. (Curso de direito penal brasileiro - Parte Geral. 10ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.151).

Na mesma senda, sobre a proporcionalidade, FERNANDO CAPEZ leciona que, in verbis:

Além disso, a pena, isto é, a resposta punitiva estatal ao crime, deve guardar proporção com o mal infligido ao corpo social. Deve ser proporcional à extensão do dano, não se admitindo penas idênticas para crimes de lesividade distintas, ou para infrações dolosas e culposas. (Curso de Direito Penal - Parte Geral. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.40). - negritei

Outro não é o entendimento de GUILHERME DE SOUZA NUCCI:

Ao elaborar tipos penais incriminadores deve o legislador inspirar-se na proporcionalidade, sob pena de incidir em deslize grave, com arranhões inevitáveis a preceitos constitucionais. Não teria sentido, a título de exemplo, prever pena de multa a um homicídio, como também não se vê como razoável a aplicação de pena privativa de liberdade elevada a quem, com a utilização de aparelho sonoro em elevado volume, perturba o sossego de seu vizinho. [...]
(...)
A tarefa do criador da norma penal é, baseando-se na proporcionalidade das sanções penais destinadas aos crimes praticados, estipular as penas. (Individualização da Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.40)

Desta forma, temos que a fixação da pena do delito de estupro (na sua forma simples, isto é, a do caput do art.213 do CP) pelo legislador brasileiro à margem mínima de 6 (seis) anos viola o princípio constitucional da proporcionalidade. A nosso ver, a pena mínima deveria ser de pelo menos 8 (oito) anos, tal como já é previsto para o estupro qualificado (art.213, §§ e 1º e 2º do Código Penal) e para o Estupro de Vulnerável (art.217-A do CP), o que em regra acarretaria aos condenados por estupro começarem a cumprir a pena em regime fechado, nos termos do art.33, §2º, "a", do Código Penal.







segunda-feira, 9 de setembro de 2013

A venda de CDs e DVDs "piratas" não deve continuar a ser considerada crime


"Passeando" pelo facebook neste domingo (08 de setembro de 2013), li um post (link abaixo) que me chamou bastante a atenção, o qual tinha o seguinte título: "Venda de CDs e DVDs piratas não é infração penal".
Como é sabido, a comercialização de produtos "piratas" (falsificados) é considerada crime pela legislação brasileira, conforme teor do §2º do art.184 do Código Penal: "Na mesma pena do §1º (Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa) incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente".
De acordo com o referido post, a justiça de 1º Grau do Estado de Goiás absolveu uma mulher denunciada por expor à venda cerca de 727 (setecentos e vinte e sete) CDs e DVDs, todos falsificados.
Segundo a peça acusatória, no dia 04 de fevereiro de 2010, a denunciada P. M. S. estava com a citada quantidade de produtos falsificados expostos à venda na cidade de Goiânia, sendo que, por volta das 18:40 hs, a mesma tentou fugir após perceber a presença da polícia, ocasião em que fora presa em flagrante por violação ao art.184, §2º do CP. Todos os produtos falsificados foram apreendidos.
Realizada a instrução processual, o Ministério Público requereu a condenação nos termos da denúncia, ao passo que a defesa pediu a absolvição pelo reconhecimento do princípio da insignificância.
Ocorre que, o juiz sentenciante, ADEGMAR JOSÉ FERREIRA, no dia 30 de agosto de 2013, prolatou uma sentença absolutória, haja vista o reconhecimento do princípio da adequação social. Calha trazer à baila trecho de referido decisum, in verbis:

Diante deste contexto, não pairam dúvidas de que a acusada efetivamente perpetrou o fato que lhe é imputado na exordial acusatória.
Contudo, ainda será preciso analisar a adequação típica deste agir, isto é, se a comercialização de cópias não autorizadas de CDs/DVDs caracteriza infração penal, mormente considerada a sua nítida aceitação social.
(...)
A teoria da adequação social foi concebida pelo grande jurista e filósofo alemão HANS WELZEL, que preconiza a ideia de que, apesar de uma conduta se subsumir ao tipo penal, é possível deixar de considerá-la típica quando socialmente adequada, isto é, quando estiver de acordo com a ordem social. É possível afirmar que, em razão da sua aplicação, não são consideradas típicas as condutas praticadas dentro do limite de ordem social normal da vida, haja vista serem compreendidas como toleráveis pela própria sociedade.
(...)
Basta caminhar pelo centro de Goiânia para se encontrar milhares de pessoas comprando CDs e DVDs falsificados ('pirateados', como são conhecidos popularmente) com toda tranquilidade, uma vez que não encaram a prática de maneira criminosa ou mesmo imoral. Aliás, para boa parte da população esta é uma das únicas formas de se adquirir produtos que visem a formação de seu capital cultural. É sabido que existem grandes gravadoras e produtoras que controlam a criação, produção e circulação dos produtos de entretenimento, ademais da altíssima taxa tributária, impedindo que as parcelas mais pobres tenham acesso à produção artística e cultural.

O mais absurdo é que camadas mais elevadas da sociedade patrocinam o suposto crime em tela, diuturnamente, através da 'internet', 'ipods', 'iphones' e outros. Carros luxuosos dotados de equipamentos habilitados à reprodução de músicas em formato digital ('MP3'), as quais, são 'baixadas' de 'sites' da 'internet', sem qualquer valor adimplido aos detentores dos direitos autorais, circulam livremente pela cidade. Crianças e adolescentes de classes mais abastadas, circulam com seus 'Ipods', 'Ipads', 'Iphones' e aparelhos outros, ouvindo canções que foram objeto de 'download' nas mesmas circunstâncias.

Mas contra tais pessoas, existe algum tipo de coerção estatal? Há nota da expedição de mandado de busca e apreensão a residências de pessoas que realizam gravação de mídias deste gênero, em violação ao art. 184, 'caput', do CP? Algum condutor de veículo, que tenha sido alvo de abordagem de rotina pela atividade policial, flagrado fazendo uso de mídia 'pirateada', foi criminalmente autuado na forma do art. 184, 'caput', do CP?

Jamais. Pois, o fato é que em sua grande maioria, a reprimenda penal é direcionada e investida contra as classes baixas. Desta forma que as condutas imorais típicas das classes despossuídas são tipificadas nos estatutos penais, como o furto, roubo, falsificação e etc.. Enquanto as práticas imorais típicas das classes possuidoras, não são tipificadas, ou quando o são tem penas brandas, como os crimes tributários ou contra o meio ambiente, e amiúde, são precisamente estes os crimes em que a afetação social é maior, tendo em vista que toda a população é prejudicada. Para ficar em um exemplo, temos o jogo do bicho, que notoriamente leva à ruína, sem qualquer controle, milhares de pessoas todos os anos, mas que não passa de uma contravenção penal.

Logo, precisamente aquelas que não conseguiram, ou muitas vezes foram impedidas, de se encaixar no mercado de trabalho formal e buscaram sustento no comércio informal, acabam sendo reprimidas pela legislação penal simbólica e voltada, exclusivamente, à tutela de grupos econômicos específicos, como forma de controle social de determinadas parcelas sociais. LUIZ FLAVIO GOMES e ANTONIO GARCIA-PABLOS DE MOLINA, com muita propriedade, lecionam sobre o tema:

O controle social é altamente discriminatório e seletivo. Enquanto os estudos empíricos demonstram o caráter majoritário e ubíquo do comportamento delitivo, a etiqueta do delinquente, sem embargo, manifesta-se como um fator negativo que os mecanismos de controle social repartem com o mesmo critério de distribuição dos bens positivos (fama, riqueza, poder etc.): levando em conta o status e o papel das pessoas. De modo que as 'chances' ou 'riscos' de ser etiquetado como delinquente não dependem tanto da conduta executada (delito), senão da posição do indivíduo na pirâmide social (status). Os processos de criminalização, ademais, vinculam-se ao estímulo da visibilidade diferencial da conduta desviada em uma sociedade concreta, isto é, guiam-se mais pela sintomatologia do conflito que pela etiologia do mesmo (visibilidade versus latência). [GARCÍA-Pablos de Molina, Antônio; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.]
Atualmente, é normal estarmos em bares, restaurantes, feiras, na rua, e nos depararmos com indivíduos vendendo objetos pirateados - e não é segredo para ninguém a origem falsificada de tais produtos. A reação da sociedade não é de rechaço para com essa ação, pelo contrário, é aceito com normalidade. 
(...)

Além da reação popular de não repudiar a ação, vemos também a manifestação de diversos artistas que reconhecem que a pirataria serve como propaganda de seus trabalhos. Exemplo disso é o que afirmou o ilustre escritor internacionalmente renomado, Paulo Coelho, em seu blog paulocoelhoblog.com, em 2012 (original em inglês, tradução em http://blogs.estadao.com.br/link/paulo-coelho-defende-pirataria-e-ataca-sopa/):

(...)

Esta não é, de nenhuma maneira, uma prática rechaçada pela sociedade de modo expresso, notório, tendente a justificar a contundente intervenção penal.

Assim sendo, transparece que a prática ilícita cometida pelo denunciado seria passível de contenção mais razoável e proporcional com a só intervenção do Direito Administrativo, quem sabe com mera apreensão dos produtos contrafeitos e imposição de sanção pecuniária. E isto para não entrar nas raízes que fazem com que tais práticas existam na sociedade e tenham, de alguma forma, de serem punidas.

Finalmente, não há como conceber a imposição do cárcere a uma conduta que encontra tolerância na quase totalidade da sociedade.

A nosso ver, a referida absolvição foi assaz correta, a partir de uma leitura constitucional do Direito Penal. De fato, é notório que a Constituição Federal de 1988 é manifestamente garantista, sendo que um dos mais importantes princípios penais é o que diz que o direito penal deve ser a ultima ratio a ser usada contra os cidadãos, devendo ser usado somente quando os demais ramos do ordenamento jurídico se mostrarem ineficazes.

Por outro lado, há que enfatizar que somente as condutas tidas como inaceitáveis pela sociedade é que podem ser tipificadas como delituosas, isto é, rotuladas como "criminosas" e, assim, passíveis de punição corporal.

Ocorre que, a venda de produtos "piratas" (CDs e DVDs) em nosso país é um fato amplamente aceito por nossa sociedade como "normal", aceitável, natural. Ou seja, tal conduta não pode continuar a ser rotulada como criminosa, tendo em vista que o corpo social não a considera como tal. Nesse ponto, o penalista Fernando Capez (2012, p.35) leciona que:

(...) Adequação Social: todo comportamento que, a despeito de ser considerado criminoso pela lei, não afrontar o sentimento social de justiça (aquilo que a sociedade tem por justo) não pode ser considerado criminoso.
Para essa teoria, o Direito Penal somente tipifica condutas que tenham relevância social. O tipo penal pressupõe uma atividade seletiva de comportamento, escolhendo somente aqueles que sejam contrários e nocivos ao interesse público, para serem erigidos à categoria de infrações penais; por conseguinte, as condutas aceitas socialmente e consideradas normais não podem sofrer este tipo de valoração negativa, sob pena de a lei incriminadora padecer do vício de inconstitucionalidade. (Curso de Direito Penal, volume 1, Parte Geral. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012).

Assim, considerando que tanto a compra como a venda de CDs e DVDs "piratas" no Brasil é um fato considerado normal pela sociedade, não há que se falar em crime, em homenagem ao princípio da adequação social.

Nem me venha dizer que o costume não pode revogar a lei - argumento bastante usado pelos defensores da criminalização da referida conduta -, pois o que dizer da conduta dos pais que furam as orelhas dos bebês de sexo feminino para futuramente colocar brincos? Como se sabe, a ofensa a integridade física (inclusive a de furar a orelha) de qualquer pessoa consubstancia o crime de lesão corporal (art.129 do Código Penal: Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem), passível de pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

Não há dúvida de que a não criminalização da conduta dos pais se dá justamente porque tal conduta é considerada normal, justa, aceitável por nossa sociedade, razão pela qual a ofensa à integridade física (furo na orelha) de um bebê recém-nascido não é rotulada de criminosa, não obstante sua subsunção ao citado art.129 do Código Penal (Lesão corporal). Ademais, não esqueçamos que ainda há uma agravante a ser reconhecida no referido caso, isto é, a agravante de quando a vítima do delito é criança, a teor do art.61, II, "h", ocasião em que na segunda fase da aplicação da pena deveria haver um aumento de 1/6 (um sexto) sobre a pena-base.

Contudo, mesmo diante do referido cenário, isto é, da existência do delito de lesão corporal (art.129 do CP) e de uma agravante (art.61, II, "h", do CP), "até as pedras da rua sabem" que lesionar a orelha dos bebês de sexo feminino para futuramente serem colocados brincos não é uma conduta rotulada pela sociedade como criminosa.

Destarte, vê-se claramente que a venda de CDs e DVDs "pirateados" no Brasil não deve continuar a sofrer os rigores do Direito Penal em reconhecimento ao princípio da adequação social. Desta forma, parabéns ao magistrado do Estado de Goiás pela leitura constitucional aplicada ao caso.

Infelizmente, cabe registrar, que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (entendimento firmado a partir do julgamento do REsp 1.193.196-MG, DJe 04.12.2012) e do Supremo Tribunal Federal é no sentido da existência sim do crime de violação aos direitos autorais (art.184, §2º do CP), sendo que um dos frágeis argumentos é o de que o costume não pode revogar a lei, argumento este já rebatido linhas acima.

Desta forma, assaz correta se mostra a atipicidade da conduta dos vendedores de CDs e DVDs "piratas", cabendo-nos torcer para que os referidos Tribunais Superiores mudem seus entendimentos sobre a matéria, em homenagem ao princípio da adequação social.

Infelizmente, hoje, dia 29/10/2013 (terça-feira), o STJ expediu a Súmula nº 502* (2ºlink abaixo), afirmando a criminalização da venda de produtos piratas (CD's e DVD's), in verbis: "Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art.184, §2º, do CP, a conduta de expor à venda CD's e DVD's piratas". 



quarta-feira, 5 de junho de 2013

CASO ELOÁ: TJ SP reduz a pena de Lindemberg Alves para 39 anos e 3 meses de reclusão

Nesta terça, dia 04 de junho de 2013, confirmando - e acatando - diversas de nossas criticas elencadas no texto "ERROS NA SENTENÇA QUE CONDENOU LINDEMBERG ALVES* (link abaixo)", de 19 de fevereiro de 2012, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo redimensionou a altíssima (como diria o agregado José Dias da obra machadiana ao abusar dos superlativos) pena de 98 (noventa e oito anos) e 08 (oito meses) imposta a Lindemberg Alves em fevereiro de 2012 para *39 (trinta e nove) anos e 03 (três) meses de reclusão.
De fato, o TJSP acolheu a nossa tese de que existiam vários erros técnicos-jurídicos na supracitada sentença condenatória (link abaixo). Nesta esteira, confira os seguintes trechos do acórdão, in verbis:

Por outro lado, no que tange a aplicação da pena, cuja competência era da Juíza Presidente do Júri realizado, a mesma merece reparos, porquanto, respeitado o trabalho da zelosa e culta Magistrada, a sentença apresenta diversas “falhas técnicas”, sob o ponto de vista técnico-jurídico, além de se mostrar desproporcional e desarrazoada.
Consigna-se que não se questiona como acima aventado, a condenação do réu pelos crimes que cometeu, tampouco a necessidade de sua apenação, decorrência lógica da primeira, mas a fundamentação dada no tocante à aplicação da pena para cada um dos crimes.
Inicialmente, pode-se citar a questão relativa às penas-base que foram fixadas no valor máximo para todos os crimes (homicídio consumado, homicídio tentado, por duas vezes, cárcere privado, por cinco vezes e disparo de arma de fogo, por quatro vezes), vez que, como é sabido, a única hipótese de se fixar a pena em grau máximo seria no caso em que todas as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal (culpabilidade, conduta social, personalidade do agente, motivos do crime, suas circunstâncias e consequências, bem como o comportamento da vítima) ou a grande maioria delas, fossem desfavoráveis ao réu, o que não ocorre no presente caso, já que pelo menos duas das circunstâncias acima mencionadas militam em seu favor, quais sejam: a conduta social, vez que se trata de pessoa trabalhadora, responsável ou pelo menos contribuinte pelo sustento da família e os antecedentes, pois Lindemberg é primário e de bons antecedentes, circunstâncias que não podem ser desconsideradas quando da dosimetria sob pena de ao se exacerbar o quantum a ser fixado, condená-lo duas vezes pelos mesmos crimes, o que seria inadmissível, além de injusto, na acepção da palavra. A fixação das penas-base na fração máxima para todos os crimes, da forma como se operou, feriu frontalmente o princípio da individualização da pena.
Menciona-se que, mesmo tendo afirmado que as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, não eram totalmente desfavoráveis ao acusado, paradoxalmente e de maneira contraditória desconsiderou tão fato, fixando as penas-base acima do mínimo legal, em patamar máximo, para cada crime. (fls. 2370) - grifei
A contradição se repete ao afirmar, ao final que, “como fundamento na primeira etapa da dosimetria da pena, as circunstâncias judiciais totalmente desfavoráveis ao réu”. (fls. 2375) - grifei
E não é só. Ao fazer uma única apreciação das circunstâncias judiciais constantes no artigo 59 do Código Penal para aferir o quantum de pena na primeira fase da dosimetria, maculou o princípio da individualização da pena, já que o réu deve receber uma reprimenda pelos delitos cometidos, na exata medida de sua culpabilidade, considerando a sua pluralidade e não todos eles como um conjunto. Assim agindo, a sentenciante negou fatores determinantes que interferem na análise das circunstâncias judiciais para elevar a pena-base acima do mínimo legal para cada um dos crimes.
Ainda quanto à fixação da pena-base relativa ao crime de homicídio tentado praticado contra o policial Atos, a exacerbação foge dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, vez que a vítima não sofreu qualquer lesão corporal. Recorda-se que referidos princípios devem nortear o Magistrado quando da aplicação da pena, a qual deve se apresentar em medida suficiente para a reprovação e prevenção da conduta. Não se pode olvidar ainda, o precípuo caráter ressocializador da pena
Pode-se citar outro deslize quando, na segunda fase da dosimetria das penas, a MMª Juíza afirmou inexistir agravantes a serem consideradas. Ressalta-se que quando o homicídio possui mais de uma qualificadora, hipótese dos autos, uma serve para qualificar o crime, outra para ser usada como circunstância negativa (judicial ou agravante). No caso, a circunstância judicial negativa foi sopesada para dosar as penas, contudo sem a devida motivação correspondente.
Além disso, destacam-se as palavras da Sentenciante quando ao considerar os motivos dos crimes para majorar a pena-base, dizendo: “os seus egoísticos e abjetos motivos (...)”, se olvidou a Magistrada de aplicar regra básica, ou seja, se os homicídios foram praticados de forma duplamente qualificada e na hipótese, menciona-se o motivo torpe no que toca a motivação dos delitos, nesse caso, a reprimenda não poderia sofrer novo aumento, sob pena de se incorrer no odioso bis in iden que, como é sabido, é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio
A comoção social bem como o sofrimento impingido à mãe da vítima Eloá, que foram consideradas, também para fundamentar a exasperação da pena-base, de sua vez, não podem ser usadas, visto que não se encaixam nas circunstâncias judiciais do mencionado artigo 59 do Código Repressivo. Tal fato é fator alheio aos crimes propriamente ditos. 
Relembra-se que circunstâncias do crime são aquelas que o tornam mais grave e que de alguma forma, repercutirão, em regra, em suas conseqüências. Na nossa sociedade, a mídia e o direito penal se interagem em relação bem próxima. Isso porque as pessoas costumam ter interesse por casos desse jaez, razão pela qual ela funciona como “olhos da sociedade”, não tendo como ficar alheia ao interesse que os crimes causam. Mas muitas vezes, ao se veicular notícia de tal porte, cria-se, de forma inerente e involuntária, a falsa realidade que foge aos reais números e aspectos da criminalidade, em especial, do caso que está sendo veiculado.
A função da mídia é sem dúvida, uma demonstração do Estado Democrático de Direito, mas que deve ser neutralizada, pelo Julgador, quando da aplicação da pena, principalmente nos casos que tratam de crimes contra a vida, já que os Jurados são pessoas leigas do universo jurídico, principalmente no que toca as regras da aplicação de pena, matéria afeta ao Juiz Presidente da Sessão Plenária de Julgamento. 
O mesmo se diga quanto ao sofrimento impingido à mãe e parentes das vítimas, principalmente a de Eloá, como mencionado pela Magistrada, vez que vida é sempre vida, a dor e o desequilíbrio causado em decorrência dos delitos praticados pelo réu não é fator que por si só, enseja aumento da pena, já que não pode ser considerado como circunstância desfavorável do crime, em desfavor do sentenciado. Diferente seria na hipótese em que o crime fosse cometido contra arrimo de família ou contra os pais de vítimas menores que, no caso, não teriam como sobreviver dignamente ao lado de sua família, em termos de sustento, educação etc. Nesses casos, as consequências dos crimes seriam gravíssimas para os menores, circunstância em que deveria ser considerada para majorar a pena-base.
(...)
Superada a questão da fixação das penas-base, assim como a segunda fase da dosimetria, merece reparo a respeitável sentença quanto à aplicação do concurso material de crimes, considerado pela MMª Juíza, sob o fundamento de que o acusado, ao praticar os delitos, assim o fez com desígnios autônomos, ou seja, com intenção individual de praticar cada um dos delitos a ele imputados, o que não me parece ser o caso dos autos. Ao contrário, na hipótese, deve-se aplicar a continuidade delitiva, com base no artigo 71 do Código Penal, já que os crimes foram praticados em um mesmo contexto fático, em iguais circunstâncias de tempo, lugar, modo de execução e em um curto espaço de tempo (no caso, menos de 05 dias). Dessa forma, ficam também afastado o reconhecimento de concurso formal de crimes ou crime único, para qualquer dos delitos, requeridos pela Defensoria.
Igualmente no que toca aos delitos de cárcere privado, já compuseram a série de quesitos, os quais foram amplamente analisados, discutidos e confirmados em sua ocorrência, devendo ser considerados, de igual forma, em continuidade delitiva, com o mesmo fundamento acima aventado. O mesmo ocorreu para os crimes de disparo de arma de fogo (quatro tiros), regra contida no artigo 15 do Estatuto do Desarmamento, mas que deve ser reconhecida a continuidade delitiva para esses crimes, vez que os requisitos constantes no artigo 71 do Código Penal estão igualmente preenchidos.
Derradeiramente, ad argumentandum, inoportuna a determinação da Magistrada para que os autos fossem remetidos ao Ministério Público, a fim de que fossem tomadas eventuais providências cabíveis quanto ao fato da Sentenciante ter se sentido violada em sua honra, no caso, por parte da Defesa.
Destaca-se, inicialmente que apesar de não compactuar com alguns dos métodos utilizados nos debates, em Plenária do Júri, é sabido que no calor da discussão, que por sua natureza dialética, frequentemente, acaba por gerar situações em que as partes lançam mão de argumentos ásperos, até mesmo ofensivos, muitas vezes até “afrontosos”, o que pode ser tecnicamente tolerado. 
Justamente visando possibilitar que os representantes técnicos das partes possam assumir suas funções de forma a expressar suas convicções, o legislador prevê a imunidade profissional do Advogado, afastando a tipicidade penal da injúria, difamação eventualmente originada por "ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador", o que não afasta, diga-se, a possibilidade de punição administrativa por parte do órgão responsável, no caso, o Conselho de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil. (itálico, negrito e grifo nossos)

Com efeito, como defendido alhures no citado texto, caminho não restava ao TJ paulista que não a redução da exorbitante e injusta aplicação da pena perpetrada contra Lindemberg Alves. Neste ponto, parabéns aos Desembargadores que fizeram prevalecer diversos princípios constitucionais, tais como o da individualização da pena, proporcionalidade, razoabilidade, bem como o sistema trifásico de dosimetria da pena (art.68, Código Penal).



Apelação nº 9000016-07-2008-8.26.0554 (acórdão que reduziu a pena de Lindemberg)

domingo, 7 de abril de 2013

STJ nega pedido de progressão de regime a SUZANE VON RICHTHOFEN

No dia 01.04.2013, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça não conheceu o Habeas Corpus (link abaixo) impetrado pela defesa de Suzane Louise Von Richthofen (que fora condenada a 39 anos de reclusão pela morte de seus pais em 2002), a qual pleiteava a progressão para o regime semi-aberto. Insta salientar que Suzane está presa desde novembro de 2002.
Da análise do voto do Relator, Min. Og Fernandes, observa-se que o fundamento principal para a negativa do pedido de progressão de Suzane foi a valoração do Exame Criminológico, o qual reputou que Suzane NÃO mereceria a progressão para o regime semi-aberto. Nesta esteira, confira trecho do voto em que o Min. relator transcreve parte da decisão do Juízo de Execução que negou o pleito de progressão, in verbis:

Submetida a exame criminológico constatou-se que, notadamente na avaliação psicológica, que Suzane (...) apresentou dificuldade em articular seus conteúdos psicológicos, colocando-se então em postura defensiva, com utilização de procedimentos primitivos e pouco elaborados. Também restou anotado na Súmula Psicológica que Suzane tende a desvalorizar o outro, estabelecendo relações de forma a atender exclusivamente às suas demandas pessoais e atribuindo pouca  importância ao ser humano. Some-se a isso forte característica narcisista e facilidade em perder o controle emocional diante de situações que geram desconforto pessoal.
(...)
Evidente que se preparou para impressionar e nesse propósito conseguiu até se emocionar e chorar em momentos oportunos.

Por fim, confira a informação constante do site do STJ** sobre o tema:

Sexta Turma nega habeas corpus em favor de Suzane Louise Von Richthofen
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de habeas corpus impetrado em favor de Suzane Louise Von Richthofen, condenada a 39 anos de reclusão por colaborar na morte dos pais, Marisia e Manfred Albert Von Richthofen, em 31 de outubro de 2002.

A ré está presa desde 8 de novembro de 2002. O pedido de progressão para o regime semiaberto foi indeferido em outubro de 2009 pela 1ª Vara das Execuções Criminais de Taubaté (SP), decisão mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). No habeas corpus, o TJSP foi apontado como autoridade coatora.

A defesa sustenta que Suzane preenche os requisitos previstos pelo artigo 112 da Lei de Execução Penal, pois tem bom comportamento e está apta para o processo de ressocialização. Entre os fundamentos do pedido, questionou a necessidade do exame criminológico em que a Justiça paulista se baseou para negar a progressão.

Exame criminológico 
O relator do pedido, ministro Og Fernandes, observou que a Lei de Execução Penal não traz mais a exigência de exame criminológico para a progressão do condenado, mas a jurisprudência do STJ admite, excepcionalmente, a realização de tal exame, em virtude das peculiaridades do caso e desde que por ordem judicial fundamentada.

Segundo o ministro, nada impede que o magistrado se valha dos elementos contidos no laudo criminológico para formar sua convicção sobre o pedido de progressão de regime.

“As instâncias ordinárias indeferiram o benefício da progressão de regime à paciente com amparo em dados concretos, colhidos de pareceres técnicos exarados por psicólogos e assistentes sociais”, afirmou o relator.

De acordo com o ministro, não há como avaliar requisito subjetivo na via do habeas corpus, especialmente quando o juiz de primeiro grau, mais próximo à realidade dos fatos, concluiu que a ré ainda não está apta a retornar ao convívio em sociedade.

“A análise acerca da necessidade da realização do exame criminológico e, por conseguinte, de sua valoração para aferir o requisito subjetivo, demandaria necessariamente a incursão no conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado na via eleita”, concluiu o relator.