quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Poder Judiciário X Mediação de conflitos


Inicialmente, impende destacar que, o Poder Judiciário é um meio de resolução de conflito muito importante, mormente porque a própria 1Constituição Federal de 1988 assegurou como garantia fundamental do cidadão esta forma de resolução de conflito, contudo, infelizmente, nossa cultura brasileira está arraigada pelo que a professora Lília Maia de Moraes Sales denomina de “cultura do conflito”. Por oportuno, cabe transcrever trecho do texto da citada professora, in verbis:

Ocorre que, paralelamente ao entendimento de que cabe ao Judiciário a responsabilidade pela resolução das querelas da sociedade, criou-se também a compreensão de que somente cabe ao Estado o poder de dirimir os problemas da população, não tendo esta a capacidade natural sem traumas parte de seus problemas comuns. As pessoas apenas sentem que o seu direito está resguardado e protegido por meio de sentença prolatada por juiz, após os trâmites de um processo na justiça.
Esse pensamento, tão arraigado na sociedade, acabou por desenvolver a chamada cultura do conflito, que estimula a resolução das querelas somente por meio de processo nos tribunais (n.n.).


Desta forma, verifica-se que as pessoas preferem deixar que seus conflitos sejam julgados por um magistrado a eles mesmos tentarem solucioná-los, seja por meio da mediação ou conciliação, sendo, que tal pensamento está em conformidade com a chamada “cultura do conflito”, tão arraigada na sociedade brasileira. No que se refere aos benefícios proporcionados pela mediação, cabe transcrever alguns excertos do texto da professora Lília Sales:

Entre os meios alternativos de resolução de controvérsias, destaca-se a mediação de conflitos. A mediação surge como forma consensual de resolução de controvérsias, na qual as partes, por meio de diálogo franco e pacífico, têm a possibilidade, elas próprias, de solucionarem seu conflito, contando com a figura do mediador, terceiro imparcial que facilitará a conversação entre elas.
A mediação possibilita a transformação da “cultura do conflito” em “cultura do diálogo” na medida em que estimula a resolução das querelas jurídicas pelas próprias partes, nos casos que envolvem direitos disponíveis. A valorização das pessoas é um ponto importante, eis que são elas os atores principais e responsáveis pela resolução da divergência.
A busca do “ganha-ganha”, outro aspecto relevante da mediação, ocorre porque se tenta chegar a um acordo benéfico para todos os envolvidos. A mediação de conflitos propicia a retomada do diálogo franco, a escuta e o entendimento do outro, proporcionando a mantença dos vínculos afetivos, principalmente nos casos que envolvem relações continuadas, como no Direito de Família (n.n.).


Desta forma, observa-se que a mediação é um importantíssimo – abusando dos superlativos, como o faz o agregado José Dias da obra de Machado de Assis – meio de resolução de conflitos posto à disposição dos cidadãos brasileiros, tendo em vista que o mesmo é regido pela política do ganha-ganha, uma vez que ambas as partes saem ganhando com a mediação, pois o resultado que lhes é favorável decorre da existência de diálogo, oportunidade em que uma – parte - começa a entender a outra.

Neste diapasão, observa-se quão salutar é a mediação como meio de resolução de conflitos, tendo em vista que ela busca, através de um terceiro imparcial – mediador -, que as partes através da conversa, consigam entender-se e por si próprias consigam extinguir o conflito entre elas, saindo, desta forma, as duas partes vencedoras, em homenagem à chamada “cultura do diálogo”, expressão cunhada pela professora Lília Sales.

Outrossim, verifica-se que a cultura do conflito não põe fim real ao conflito levado ao Poder Judiciário, pelo contrário, até aumenta-o, tendo em vista que alguém sempre sairá VENCIDO no final do julgamento dado pelo magistrado. Por óbvio, a parte perdedora ficará irresignada com a decisão prolatada, aumentando ainda mais o conflito existente. Da mesma forma, cabe destacar que, mesmo por má valoração da prova trazida aos autos ou até por falta de provas, seja por qual motivo for, a parte que deveria sair vencedora, por vezes sai VENCIDA, aumentando, sem dúvida, o conflito existente.

Neste ponto, cabe destacar que, o conflito social, ao contrário do que apregoa o senso comum, é um elemento positivo, isto é, necessário para o bom convívio e relacionamento das pessoas. Não é um elemento negativo, frise-se. Neste ponto, cabe trazer à baila trecho do texto de José O. Alcântara Júnior, in verbis:

Nesta perspectiva, os conflitos sociais são destacados como socialmente importantes. São formas prevalecentes nas interações de convivência social. Simmel aponta uma das virtudes do conflito. Este atributo positivo residiria no fato de que ele – o conflito – cria um patamar, um tablado social, à semelhança de um palco teatral, espaço onde as partes podem encontrar-se em um mesmo plano situacional e, desta maneira, impõe-se um nivelamento. (…) Uma outra característica positiva atribuída, residiria no fato de superar os hiatos e os limites socialmente estabelecidos pelos intervalos dicotomizados, ou mesmo, as desigualdades sociais produzidas e estruturadas pelos resultados dos entrelaçamentos ocorridos na sociedade (n. n).


Desta forma, percebe-se que o conflito social é um elemento necessário para o bom funcionamento das relações sociais, ao contrário do que diz o senso comum, que o tem como negativo, um mal. Todavia, cabe assinalar, José O. Alcântara Júnior que ancorado no pensamento de SIMMEL, aduz que o conflito social é largamente necessário, eis que positivo, para o bom desenvolvimento das relações sociais.

Todavia, cabe à própria sociedade – no caso das lides, as partes do processo - tentar resolver seus conflitos, agindo positivamente com este objetivo e, não, deixar que seus conflitos sejam solucionados exclusivamente por um órgão estatal – o magistrado -, totalmente alheio aos reais interesses das partes e que ao final, com base nas provas então produzidas nos autos, decidirá quem deverá ser o ganhador e quem será o perdedor.

Por óbvio, que o conflito social “resolvido” pelo magistrado, tendo um ganhador e um PERDEDOR, deverá aumentar ainda mais o conflito social existente entre as partes, uma vez que, conforme o fundamento de cada sentença judicial (por exemplo, ausência de prova ou má valoração do conjunto probatório carreado aos autos), será inevitável a eclosão de um Tsuname conflitual.

Ademais, outro efeito negativo da chamada cultura do conflito é a formação de uma enorme “enxurrada” de processos judiciais, que “entopem” as secretarias dos fóruns e, principalmente, causa grande lentidão nos julgamentos dos processos judiciais. De fato, a grande demora para o julgamento é um grande mal aos interesses das partes, uma vez que muitas falecem antes do termo final do processo, tendo que ser sucedidas por seus herdeiros. Neste ponto, vale a pena transcrever trecho do texto de Lília Maia de Moraes Sales, verbis:

A cultura do conflito ainda contribui para a existência da relação “um contra o outro”, na qual deve sempre haver um ganhador e um perdedor e onde esta postura beligerante favorece uma disputa entre partes para que se ganhe a qualquer preço.
A dependência da prestação jurisdicional somada à cultura do conflito acaba por provocar a superlotação das secretarias com processos em tramitação, demora dos julgamentos, a inércia do cidadão em tentar solucionar o conflito vivido, a dificuldade de acesso à justiça e até problemas mais graves, como nos casos que reclamam um julgamento célere e o processo demora anos até a sentença definitiva (n.n.).


Desta forma, verifica-se que a grande quantidade de processos judiciais – cuja existência se dá por causa da incapacidade das próprias partes em resolver sozinhas seu conflito - existentes nos cartórios dos diversos fóruns do Brasil são os grandes responsáveis pela lentidão dos processos, que duram vários anos até chegar ao seu fim, causando, desta forma, grande transtorno para as partes envolvidas e para o Poder Judiciário, que se vê impossibilitado de julgar tantos processos em tão pouco tempo, a exemplo do Programa Meta 2, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Diante o exposto, verifica-se a premente necessidade da sociedade brasileira “abraçar” o instituto da mediação de conflitos, tendo em vista que nesta ambas as partes envolvidas no processo judicial saem VENCEDORAS, uma vez que participam ativamente através do diálogo para o desenlace do conflito, consagrando assim a “cultura do diálogo”, ao contrário do que acontece sob a ótica do Poder Judiciário, consubstanciada na sentença lavrada pelo magistrado, em que obrigatoriamente uma das partes sairá ganhadora e a outra PERDEDORA.




Referências

1Art. 5º, XXXV, CF/88: A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
JÚNIOR, José O. Alcântara. Georg Simmel e o conflito social. Disponível em: http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rpcsoc/article/viewFile/222/154.Acesso em: 03 de agosto de 2012.
SALES, Lília Maia de Morais. A mediação de conflitos: mudança de paradigmas. Disponível em: <http://www.mediacaobrasil.org.br/artigos_pdf/4.pdf>. Acesso em: 04 de agosto de 2012.

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